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[LEGACY][Leafar] RagnaTales: Hora Zero


Kaeus

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Texto: Rafael de Agostini

Arte: Niori

 

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CAPÍTULO 1

 

 

 

Capítulo I – O que eu fiz?

17 horas - Umbala

 

- Bem, aqui estamos. Sabe como continuar sua jornada, não, majestade?

 

- Não diga quem sou em voz alta.

 

Rei Tristan III, governante máximo de Rune Midgard. Raramente o monarca era visto fora do castelo, com exceção de alguns compromissos sociais, como a realização de casamentos. Porém, um certo homem tinha feito com que saísse de Prontera e viajasse até a longínqua Umbala.

 

- Não se preocupe, Tristan... posso chamá-lo assim? Ninguém entende nossa língua aqui.

 

- Está bem, barão.

 

Ajeitando o capuz sobre a cabeça, o rei olhou a entrada na árvore, no extremo norte da cidade suspensa de madeira.

 

- Tudo que tenho que fazer – continuou – é tirar uma lasca da raiz da Yggdrasil, certo? E aqueles três podem me ajudar nisso?

 

- Exatamente. Guarde com cuidado o pacote que lhe dei, e não deixe ninguém vê-lo; nem a Rainha dos Mortos. Ela jamais entenderia o significado de sua busca.

 

As palavras mexeram com o rei. Viúvo há alguns anos, seu coração batia de saudades por Katheryn. Foi duro o choque da morte – uma dessas que folhas de Yggdrasil convencionais não resolvem. E foi conveniente a visita do Barão R. Ruts, de Juno. Ele, dito “Alquimista nas horas vagas”, jurava estar perto de descobrir a Pedra Filosofal da vida, com a qual traria qualquer pessoa, morta em qualquer circunstância ou período, de volta à vida. E se realmente houvesse uma chance de apagar a dor da perda de Katheryn e poder abraçá-la mais uma vez, Tristan assim faria.

 

- Eu voltarei, Ruts. Com a ajuda dos três, vou retirar uma lasca da árvore de Yggdrasil e... bem, você fará a sua parte.

 

A resposta foi uma mão no ombro e um sorriso cheio de dentes do Barão. O rei ajeitou seu capuz, certificou-se da espada escondida por baixo do manto e adentrou a Carpintaria que o levaria para Nifleheim.

 

***

 

17 horas e 20 minutos – Nifleheim

 

O barulho de metal gasto e dobradiças enferrujadas dominava o ar pesado da cidade dos mortos. O chão de pedra, molhado e sujo, tinha pedaços de espadas quebradas e pontas de flechas. Provavelmente o Senhor dos Mortos tinha passado por ali recentemente, enfrentando os tolos aventureiros vivos que ousam desafiá-lo em sua casa. Alheio a isso, a passadas rápidas, Tristan foi até um homem também encapuzado. Trocou rápidas palavras com ele e foi enviado para a mansão da Rainha dos Mortos.

 

Andou depressa por um corredor acarpetado, cheio de mobília e riquezas. Finalmente chegou até uma sala com um trono branco enorme. Nele, uma mulher muito bonita sorriu ao ver o monarca. Ela levantou o olhar, mexendo com a cabeça os longos cabelos negros. Cruzou as pernas, até então ocultas no finíssimo vestido longo que usava.

 

- Mas que surpresa ser visitada por ninguém menos que o Rei de Rune Midgard! Seja bem-vindo, Tristan III – disse ela, fazendo um breve movimento de cabeça.

 

- Saudações, Rainha dos Mortos, governante de Nifleheim – o rei devolveu a reverência, aparentemente inconfortável naquele lugar.

 

- A que devo a sua rara visita? Não veio fazer Água Amaldiçoada, acredito.

 

- De modo algum. Na verdade, imaginei que pudesse saber o motivo de eu estar aqui.

 

- Não sei, meu caro – um fino sorriso surgiu em seus lábios – tenho controle sobre os mortos que aqui estão. Quando quero, vejo por seus olhos, ouço suas mente, escuto suas orações... mesmo as que não são feitas para mim. Mas não tenho domínio algum sobre os vivos... ou sobre os mortos que foram para Asgard.

 

- Entendo. Bem, eu preciso visitar três de seus prisioneiros.

 

- Logo três? Uau... e quem seriam eles? Bem especiais, imagino... afinal, para fazê-lo vir aqui pessoalmente...

 

Suando um pouco, Tristan tirou um papel de um bolso interno do manto e se aproximou da Rainha. Entregou-lhe e se afastou, esperando. A expressão dela, sorridente, mudou para a surpresa. Suas sobrancelhas finas se ergueram. Os olhos, negros como a noite, ignoraram o rosto abaixado e buscaram o homem ali parado.

 

- Ora... isso é realmente inesperado. Eles tentaram matá-lo recentemente. Aliás, eu preciso te agradecer, pois foi isso que os mandou para cá. Meninos muito malvados...

 

- Por favor, conceda-me uma breve conversa com eles.

 

- Claro. Você realmente deve ter ÓTIMOS motivos para falar com eles.

 

Com um movimento de mão, a Rainha dos Mortos fez um portal surgir na parede atrás dela. Olhou então para o rei, interessada.

 

- Este portal ficará aberto por apenas trinta minutos. Não preciso dizer que deve voltar antes dele se fechar, não? Caminhe sempre reto. Minha magia vai guiá-lo até a cela.

 

- Eu voltarei, e lhe agradeço.

 

- Não há de quê, rei dos homens.

 

Quase com desdém, a Rainha ajeitou-se em seu trono. Bateu duas palmas, e enquanto Tristan se afastava, pôde notar um servo entrando com uma garrafa de vinho e uma taça em uma bandeja de prata.

 

Caminhou por alguns segundos pelo corredor longo e escuro. A sensação era de ter andado centenas de metros, até notar, bem na frente, a luz de tochas. Continuou até alcançá-las, e notou que eram duas, ladeando as grades de uma cela única.

 

- Quem está aí? – perguntou uma voz masculina, vinda do fundo da cela escura, onde a luz bruxuleante não alcançava.

 

- Rei Tristan III, governante de Rune Midgard. Exijo uma audiência com vocês agora.

 

- Não temos tempo a perder com você, vovô. Vá embora – uma segunda voz masculina deu a impressão de estar segurando o riso.

 

- Apareçam, pois o que tenho a lhes dizer é extremamente importante.

 

- E o que acha que nos faria prestar atenção em você, velho? – agora foi uma voz feminina que se manifestou.

 

O rei não respondeu. Com cuidado, retirou o pacote que ganhou previamente do Barão R. Ruts. Sentiu-se observado, e três pares de olhos puderam ser vistos brilhando no escuro. Eles se aproximaram, e finalmente se revelaram: um Mestre-Ferreiro, um Desordeiro e uma Paladina. Os cabelos estavam sujos, e seus olhos eram totalmente brancos.

 

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- Que bom que tenho sua atenção, Hrymm, Jestr e Jô Mungandr. Agora gostaria de lhes fazer um pedido.

 

- O que quer? – disse o Mestre-Ferreiro, apoiando os braços musculosos na grade, para fora da cela. Tristan deu alguns passos para trás.

 

- Há alguns anos, minha esposa, Kathryne, morreu. Não agüento viver com a saudade dela, e minha responsabilidade como governante é o que me mantém firme.

 

- Era pra eu chorar, é? – Jester girou os olhos, entediado, e sentou-se no chão. Jô Mungandr se aproximou e parou ao lado do Mestre-Ferreiro, ouvindo, interessada.

 

- Conheci um homem que é capaz de trazê-la de volta definitivamente. E, para isso, preciso de uma lasca da árvore de Yggdrasil.

 

Ao ouvir isso, a Paladina olhou abruptamente para o Desordeiro. O Mestre-Ferreiro parecia uma estátua. Pelo movimento dos músculos do rosto, ele estava apertando os dentes do fundo da boca. Continuou imóvel, olhando para o rei.

 

- Eu sou um mortal e não tenho o poder de retirar uma lasca dela. Vocês, porém, são avatares divinos. Vocês possuem o poder para isso. Portanto, peço sua ajuda para esta simples missão.

 

- Não podemos ajudá-lo.

 

- Como não?

 

- Estamos mortos, “Rei Tristan Terceiro” – Hrymm falou com certo desprezo o título do homem.

 

- Bem, há uma maneira.

 

- Que seria?

 

O rei desembrulhou parcialmente o pacote que segurava. Um pequeno brilho prateado foi visto saindo dele.

 

- O que eu tenho aqui pode ajudar sua condição atual.

 

- Então nos reviva – a resposta de Hrymm foi rápida.

 

- Eu quero saber primeiro se estão dispostos a me ajudar. Se estiverem, vou pedir autorização para a Rainha dos Mortos, para que me auxiliem.

 

- Não tem que pedir autorização para isso. Somos servos dela. Não podemos fazer nada que ela não queira que façamos. Se você nos reviver e sair daqui conosco, e não for a vontade dela que o acompanhemos, ela não permitirá. Não temos como desafiar o poder dela.

 

O silêncio pesou por vários instantes. Tristan colocou uma das mãos dentro do pacote e segurou algo. Ficou analisando o rosto daquele homem forte e louro na sua frente.

 

- Como era o nome dela mesmo? – disse Hrymm.

 

- Kathryne – disse Jestr, agora ficando de pé ao lado do Mestre-Ferreiro, olhando também para o rei.

 

- Isso, Katheryne – continuou Hrymm – Não quer trazer a sua doce esposa de volta? É sua chance, Tristan... sua única chance...

 

Jô Mungandr abaixou a cabeça e fechou os olhos. Tristan respirou fundo e soltou o ar devagar. Ficou encarando o Mestre-Ferreiro que lhe servira no passado. Sua mão surgiu por debaixo do pano, erguendo uma folha de Yggdrasil prateada. Esmagou-a, ao mesmo tempo em que pronunciou baixinho um “Ressuscitar”, mirando no Mestre-Ferreiro. Na sala da Rainha dos Mortos, ouviu-se algo caindo no chão e se quebrando. Ela vinha voando em alta velocidade pelo corredor.

 

- Tristan, seu tolo! O que está fazendo?

 

Mal ela terminou de falar, a folha esmagada na mão do rei tornou-se uma fina nuvem brilhante e foi até o corpo do Mestre-Ferreiro. Seus olhos ganharam cor novamente. Sua boca sorriu.

 

- Nada, Rainha – disse o Rei – Eu vim requisitá-los em uma missão. Se não for sua vontade, como governante de suas almas, basta uma palavra sua para que eles se curvem diante de seu poder e a obedeçam.

 

- Idiota! Eu lhe falei! Meus poderes se aplicam aos mortos, não aos vivos!

 

Hrymm esticou para os lados as barras da cela como se elas fossem de cera. A primeira coisa que fez foi dar um murro na cara da Rainha dos Mortos. A mão dele, viva, atingiu-a em cheio, mandando-a vários metros para trás. A seguir, ele tomou as duas folhas restantes das mãos de Tristan. Ignorando-o, esmagou-as e repetiu o processo. As nuvens finas e brilhantes também voaram até Jestr e Jô Mungandr, que as receberam de olhos fechados. Quando os abriram, porém, a exemplo do Mestre-Ferreiro, agora eles também tinham cores.

 

Sem perder tempo, os três correram para a luz, na direção da sala do trono. Desesperado, Tristan foi atrás deles. Voando, a Rainha dos Mortos também os seguiu.

 

- Esperem! – gritou o rei – Vocês devem me ajudar! Cumpram sua parte!

 

- Não vamos fazer nada por você, idiota! Deixei de ser seu servo há muito tempo! – disse Hrymm, olhando ao redor – Jestr, procure nossos equipamentos.

 

O Desordeiro sorriu e saiu correndo a uma velocidade incrível. A Rainha dos Mortos apareceu na sala, seguida do rei.

 

- Jamais sairão de meu reino! Eu invoco o guardião deste lugar e meu campeão, o Senhor dos Mortos!

 

O chão começou a tremer. Passadas poderosas e pesadas puderam ser ouvidas, se aproximando cada vez mais. De repente, na sala do trono, o ar expelido das narinas de um cavalo branco enorme deixou o ambiente mais frio. Um poderoso cavaleiro, gigante, de armadura branca, escudo abissal e lança, encarava o Mestre-Ferreiro e a Paladina. Ao lado deste cavaleiro, um punhado de Andarilhos, com as cabeças de caveira e espadas afiadas, apenas esperava a ordem de ataque.

 

- Ataque e mate imediatamente estas pessoas, meu guardião! – disse a Rainha, apontando para a dupla.

 

Hrymm olhou de soslaio para a Jô Mungandr. Cerrou os punhos, desarmado, e avançou contra o cavaleiro. Ao mesmo tempo, a Paladina, também desarmada, avançou contra os Andarilhos. Ela recebia os ataques de suas espadas, mas parecia ignorá-los. Um a um, começou a socá-los e derrubá-los. Hrymm, por sua vez, pulou por cima da lança do cavaleiro e escalou seu enorme cavalo. Segurou seu pescoço e, com um movimento de corpo, puxou o cavaleiro e sua montaria por cima de seu corpo, girando-o no ar, fazendo com que caíssem no chão atrás dele. A violência do golpe foi tamanha que o chão de pedra se rachou. Não satisfeito, Hrymm arrancou o cavaleiro da sela e correu com ele, na direção da parede. Afundou-o nela, então, abrindo um buraco para os jardins da mansão. O rei Tristan e a Rainha dos Mortos olharam boquiabertos pelo buraco a força e rapidez dos golpes do homem, que moíam o cavaleiro. Os Andarilhos foram invocados para perto dele, em uma vã tentativa de se proteger. A Paladina passou correndo e pulou por cima da dupla pasma, e ajudou o Mestre-Ferreiro a surrar o cavaleiro branco. Em poucos segundos, uma breve aura explodiu em cima do Mestre-Ferreiro, formando a sigla “MVP”, enquanto o Senhor dos Mortos caía inerte.

 

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- Chama mais um – falou Tristan, de olhos rápidos e coração acelerado.

 

- Não posso, tem um tempo pra eu poder chamar outro – respondeu a Rainha.

 

Tristan notou pegadas no chão, passando por eles. Ergueu o olhar e percebeu que o Desordeiro tinha surgido junto da dupla fugitiva, carregando uma cortina, que estava abraçando algumas dezenas de coisas.

 

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Hrymm, Jestr e Jô Mungandr correram pela cidade, na direção da Kafra. Rapidamente avançaram, com Hrymm e a Paladina destruindo qualquer um que ficasse em seu caminho, enquanto Jestr carregava o embrulho enorme. Pararam na frente da moça, com a aura negra e olhos brilhantes.

 

- Em que posso ajudá-lo? – disse ela, cumprindo seu dever, olhando na direção de Hrymm.

 

- Dê-me três Asas de Borboleta.

 

- Aqui estão – tudo que a Kafra morta-viva fez foi abrir a mão com os itens, que surgiram do nada.

 

Hrymm entregou uma para cada um dos amigos e sorriu.

 

- Sonhei com a chegada deste dia. Vamos, depressa! Temos muito a fazer.

 

Os três apertaram as Asas de Borboleta, e em um facho de luz, sumiram. O desolado Rei Tristan se aproximou, olhando assustado para a Kafra, que ignorava-o. A Rainha dos Mortos, com a expressão apreensiva, olhou para o rei.

 

- Eles precisam ser detidos, antes que façam o que querem fazer.

 

- O que eles farão?

 

- A mesma coisa que eu faria no lugar deles, Tristan.

 

A Rainha olhou para o portão ao oeste. Notou os aventureiros que insistiam em treinar em suas terras, enfrentando os Serial Killers e as Loli Ruris.

 

- Em grupo eles quase venceram os heróis de Rune Midgard. Foi por muito pouco que vocês os derrotaram. Muito provavelmente eles querem uma nova chance. Sozinhos, não acredito que estes três, por mais poderosos que sejam, possam vencê-los de novo. Mas a Ruína de Rune Midgard inteira teria chances ENORMES de destruir todos vocês em uma segunda batalha.

 

- Você está sugerindo que...

 

- Sim. Eles devem ter ido tentar reviver seus companheiros de guilda. Temo que eles queiram ressuscitar toda a Ruína de Rune Midgard!

 

Tristan entendeu tardiamente as conseqüências do que fizera. Ouviu então atentamente as instruções da Rainha dos Mortos. Aquela loucura deveria ser detida o quanto antes, e da maneira mais discreta possível.

 

***

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CAPÍTULO 2

 

 

 

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Capítulo II – A Missão

18h30 - Campos de Prontera, Quadrante 5

 

O final de tarde estava extremamente agradável nos campos de Prontera. Os últimos raios do sol, já alaranjados, entravam uma clareira cheia de gente. No centro dela, um pouco de água formava um lago em miniatura, cuja profundidade mal chegava na canela de uma pessoa. Nela, um cavaleiro estava ajoelhado, de cabeça baixa, segurando sob um dos braços um Chifre Majestoso. Em pé, na sua frente, um Lorde terminava algum tipo de discurso. Os presentes ouviam em silêncio as palavras.

 

- ...e cumpriu devidamente seu objetivo e sua função. Por seus feitos pela Ordem do Dragão, eu o promovo. Ajoelhou-se como Filhote do Dragão, mas vai se levantar como Cavaleiro do Dragão.

 

Uma sacerdotisa de cabelo ruivo e longa trança abençoou o Cavaleiro e o Lorde. Os demais bateram palmas, enquanto o emocionado e recém-promovido Cavaleiro do Dragão foi buscar seu Peco Peco nas margens do “lago” – o nome pelo qual chamavam aquele local.

 

- Por hoje estão dispensados. Avante, Dragões!

 

Um “Avante” foi ouvido em resposta. O Lorde tirou alguns fios de cabelo louro que insistiam em tentar cair na frente seus olhos e foi também para a margem. Não pôde deixar de notar a Caçadora sentada, com um Yoyo no colo, observando-o.

 

- Senhorita Aislinn... – disse ele, fazendo uma mesura com a cabeça.

 

- Leafar, não precisa ser tão formal comigo!

 

Ele ficou sem jeito e sorriu. Na verdade, ainda estava tentando se acostumar com aquilo. Há dois anos tinha sido clonado e colocado em um tipo de animação suspensa. Seu clone é quem tinha fundado a Ordem do Dragão em seu lugar. Não apenas isso, ele tinha se casado com a loura ali na sua frente. Depois que ele enlouqueceu – devido a uma anomalia em sua formação – foi ela quem deu o golpe fatal que tirou sua vida e terminou-a abruptamente. E até alguns meses atrás, tudo que o Leafar original queria, depois de ter despertado e descoberto a verdade, era seguir a carreira de sacerdote, ajudando na igreja. Mas o surgimento dos membros da Ruína de Rune Midgard fizeram Leafar abandonar o sacerdócio. Em uma situação que pertence a outra história, ele não apenas tinha perdido os poderes de sacerdote, como tinha também se tornado um Cavaleiro ainda mais poderoso que seu clone tinha sido. E olhar para a mulher que, de certa forma, se casou com ele e depois o matou, o deixava sem saber o que fazer direito.

 

- Desculpe. Ei, diga a verdade – falou com a voz baixinha – eu estou me saindo bem?

 

- Como assim? – ela se levantou e ficou perto dele, para ouvir melhor, ainda segurando o animalzinho de estimação.

 

- Essa é apenas a segunda cerimônia que conduzo. E vocês viveram anos com cerimônias, você sabe, feitas por... ele.

 

Ela fez cara de quem não entendeu, mas ele apontou discretamente para a aliança de casado que ela mantinha no dedo. Aislinn soltou um riso rápido e balançou a cabeça negativamente.

 

- Pare de se preocupar com isso. Não tem como comparar. Mesmo porque, convenhamos: vocês são praticamente a mesma pessoa!

 

Antes que Leafar pudesse responder, a sacerdotisa ruiva se aproximou, segurando um Filhote de Lobo de Deserto.

 

- Com licença, senhor. Ainda precisa de mim hoje?

 

- Não, Mia. Pode ir descansar.

 

- Obrigada. Aqui está seu cão. Boa noite, senhor, Aislinn...

 

Leafar pegou o “cão” – o modo como se referiam a Rush, seu animalzinho. Os dois fizeram uma breve reverência de cabeça, e viram a sacerdotisa abrir um portal. Os últimos membros da guilda que estavam ali também entraram nele, deixando Leafar e Aislinn sozinhos na clareira.

 

A Caçadora soltou o Yoyo, que correu para brincar com alguns Porings. Leafar sacou a espada das costas, desprendendo-a de algum ponto de sua armadura, por debaixo da capa vermelha. Colocou-a no chão e sentou-se, de costas para Aislinn. O cão xeretou a lâmina, extremamente larga e de tonalidade roxa, que tinha esmagado a grama que ele queria cheirar.

 

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- Esse lugar é especial, não é? – disse Leafar, fazendo carinho na cabeça de Rush.

 

- Muito. Aconteceu muita coisa importante aqui. A fundação da guilda, a morte de Julian, nosso noiv... digo, meu noivado, meu casamento...

 

- Pelo visto – uma voz feminina chamou a atenção dos dois – mais uma coisa ficará marcada aqui neste lugar.

 

Em uma fração de segundo, Leafar já estava segurando firme a espada com as duas mãos, enquanto Aislinn tinha uma flecha no arco, apontando para o local de onde veio a voz. Rush mal teve tempo de se virar, e o Yoyo, agarrado na perna da Caçadora, viu uma Suma Sacerdotisa surgir das sombras de uma árvore.

 

- Que bom que estão com os reflexos em dia. Mas não precisam receber assim a uma amiga!

 

- Bonnie Heart! – Leafar abaixou a espada e foi até ela – Que surpresa agradável!

 

Ele se aproximou e a beijou no rosto, seguido de um abraço. Aislinn também veio para perto dela, e se limitou a sorrir, enquanto devolvia a flecha à aljava. Bonnie tinha a expressão um pouco preocupada. Era possível notar, em seu olhar, algum tipo de sofrimento. Ela segurava uma bíblia com as duas mãos, apoiando-a na roupa avermelhada típica de sua transclasse.

 

- Espero não ter interrompido nada – disse ela, com sinceridade na voz.

 

- Não, tínhamos acabado uma cerimônia agora há pouco. Promovi um membro a Cavaleiro do Dragão. E Ais me contava sobre este local. Mas diga-me, o que a trás aqui?

 

- Não temos tempo a perder, por isso peço perdão de antemão pela minha objetividade. Lembram-se da Ruína de Rune Midgard, não?

 

- Como eu poderia esquecer?

 

E era realmente impossível não se lembrar. Quem viveu, nunca mais vai perder a memória dos milhares de monstros que tomaram conta das principais cidades, devastando tudo que encontravam. Aislinn apertou o arco com força, lembrando-se de quantidade de gente que morreu para proteger a continuidade da vida.

 

- Bem, o que vou lhes dizer deve ficar apenas entre nós.

 

Com um leve movimento de mão da Suma Sacerdotisa, uma esfera azulada surgiu e começou a rodear seu corpo. Se existisse alguém invisível ali, teria sido revelado na mesma hora. Certa de que era seguro continuar, olhou para Leafar e Aislinn.

 

- O Rei foi até Nifleheim, levando três raríssimas Folhas de Yggdrasil de Prata. Não sei como ele conseguiu isso. Mas ele ressuscitou três membros da Ruína de Rune Midgard.

 

Os pêlos dos corpos de ambos ficaram arrepiados. Mas eles não tiveram tempo para ficar chocados. Bonnie prosseguiu em seu discurso.

 

- Enquanto conversamos, Jestr, Lady Jô Mungandr e Hrymm estão a solta, provavelmente buscando modos de trazer o restante dos membros da Ruína de Rune Midgard de volta.

 

- Não lembro exatamente quais são eles, mas depois você me diz. E como eles podem conseguir isso? – Leafar deu um passo a frente, olhando sério para a Suma Sacerdotisa.

 

- A lei da troca equivalente. As folhas que foram usadas para revivê-los tinham a essência divina. Agora, para trazer de volta os outros membros da Ruína, eles devem reunir essências tão poderosas quanto eles próprios. E existe um tipo de criatura que, quando morta, libera essa essência.

 

- Um... MVP? – agora foi Aislinn que se aproximou mais, tensa.

 

- Sim, mas eles são poderosos demais para que a essência de apenas um MVP sirva. Creio que eles vão precisar de muitas essências para cada um deles.

 

- Tenho uma pergunta.

 

- Pode dizer, Leafar.

 

- Por que apenas os três estavam em Nifleheim? E as almas dos demais?

 

- Os três foram os únicos que não se mataram no final da batalha. Apenas Hrymm, Jestr e Jô Mungandr ficaram lutando até o final. Os demais, seguindo ordens de Surtr, se mataram, fazendo com que sua essência o fortalecesse.

 

- E o que tem isso a ver?

 

- O inferno dos suicidas é diferente dos que morrem em combate, Leafar. Mesmo o doutor Eggther deve estar vagando no mesmo lugar que eles. Então, se seus corpos forem revividos, as almas voltam.

 

- Não sou conhecedor desse tipo de coisa, Bonnie, mas se você diz, eu acredito em você.

 

Ela assentiu com a cabeça, agradecendo a confiança. A seguir, olhou para Aislinn, que também assentiu. Soltando um breve suspiro, um pouco mais calma ao ver que teria a colaboração da dupla, segurou uma gema azul com as mãos.

 

- Vamos para Prontera. Alguém nos aguarda – disse, e já se preparava para jogar a gema e abrir um portal, mas Leafar a interrompeu.

 

- Espere. Vou pedir ajuda para a guilda. Tenho certeza de que eles...

 

- Leafar, temos que ser rápidos. Você sabe como um grupo enorme é lento e chama a atenção. Se não surpreendermos o trio, não teremos muita chance. E temos que manter isso em sigilo. Imagine o caos nas cidades ao imaginar a volta deles!

 

- Está bem, então v...

 

Leafar olhou para o lado e notou uma mercenária. Ela também foi encarada de maneira surpresa por Aislinn e Bonnie. Sem jeito, coçou a cabeça, desarrumando a Asa de Anjo do cabelo ruivo.

 

- Hun... eu me atrasei um pouco. Já começou a cerimônia, Leafar?

 

- Sailor! Está muito ocupada?

 

- Não, vim assistir a promoção do Gewitter. Mas acho que perdi, né?

 

- Tudo bem. Venha conosco. Te explicamos no caminho o que está acontecendo.

 

- Tá bom, tá bom! Parece ser algo grave, hein?

 

- E é, acredite.

 

Rush e o Yoyo pularam no colo de Leafar e Aislinn, respectivamente. Bonnie segurou firme a gema azul e arremessou-a no chão. Uma coluna de luz surgiu. Sem fazer mais perguntas, Leafar, Aislinn e Sailorcheer entraram, seguidos pela Suma Sacerdotisa. E a clareira, mais uma vez, encontrou a paz que lhe era característica, tendo servido de ponto de partida para uma missão que seria lembrada depois por muito tempo.

 

***

 

Prontera

18h45

 

Os quatro andaram rapidamente do ponto do portal de Bonnie para a estalagem. Passaram por algumas dezenas de lojas de mercadores, até encontrar a entrada da casa, famosa por suas arenas que reproduziam fielmente as cidades, onde bravos combatentes mediam seu poder.

 

Foram até o piso superior e entraram em um quarto. Leafar ficou um pouco corado, pois não era de boa educação um Lorde ficar sozinho em um quarto com três mulheres. Parecia nervoso, mas notou a presença de uma quinta pessoa.

 

- Boa noite, meus amigos, e sejam bem-vindos.

 

Leafar, Aislinn e Sailorcheer ficaram sem reação inicial. A roupa inteira branca e a voz poderosa não deixavam dúvidas: um dos avatares dos deuses, um GM, estava ali. E não era um qualquer; era Namu, o líder dos GMs.

 

- É uma honra reencontrá-lo, Namu – Leafar prostou-se no joelho, seguido das outras duas. Namu se adiantou, tomou o pelo braço e fez com que levantasse.

 

- Não sou um deus para ser adorado, e mesmo que fosse, meus amigos não devem se ajoelhar diante de mim. Bonnie lhes adiantou a missão?

 

- Três deles foram revividos, não? – Leafar olhou firme para Namu.

 

- Sim. Preciso da colaboração de vocês.

 

- Três quem? – Sailor falou baixinho para Aislinn, que fez um sinal de “peraí” para ela.

 

- Pode contar conosco, Namu – Bonnie apertou o Rosário – E meus amigos disseram que vão nos ajudar. Somos seu grupo de confiança.

 

- Ótimo. Venham comigo.

Antes que pudessem responder, os quatro se viram teleportados pelo GM. Surgiram em um lugar com pouca luz. O chão era todo irregular e o céu não tinha cor alguma. O macaquinho, Ayo, se abraçou no colo de Aislinn, enquanto Rush saiu cheirando as pedras.

 

- Eu... conheço este lugar – disse a Caçadora – Aqui é a Ilha Tetra, não?

 

Namu confirmou com a cabeça. Na Ilha Tetra, há alguns meses, os planos do Doutor Eggther – o homem que inicialmente medira o poder dos combatentes de Rune Midgard – foram descobertos, junto com um diário que revelou a vinda dos Oito de Surtr. Ali, uma batalha desumana foi realizada, quando dezenas dos monstros mais poderosos de suas categorias, os chamados MVPs, se reuniram para destruir tudo que encontrassem.

 

- O que estamos fazendo aqui, Namu? – a Suma Sacerdotisa sentia-se mal por estar naquele lugar maldito, e apesar de sua missão, queria ir embora o quanto antes.

 

- O trio já esteve aqui, antes de vocês ou de nós mesmo. Jestr, de algum modo, sempre engana seus perseguidores.

 

- Olha, desculpa eu interromper... – Sailor deu um passo adiante, levantando a mão – mas será que dá pra me explicar quem são esses três?

 

O GM sorriu e concordou com ela.

 

- Claro. Nada mais justo e natural, já que terão que enfrentá-los. Ouça então com atenção.

 

A mercenária sentou-se na frente do GM, segurando a cabeça com as mãos. Leafar, Aislinn e Bonnie se entreolharam e, dando de ombros, sentaram-se também. Namu, em outra situação, teria sorrido, pois gostava de contar histórias. Mas a gravidade da situação não o permitia sentir prazer naquilo. Com um suspiro, continuou narrando.

 

- Surtr é o líder dos Gigantes de Fogo, inimigos do todo-poderoso Odin e seu panteão. Em sua mais recente investida, ele usou um estratagema ardiloso: convocou um exército composto por oito dos maiores e mais poderosos heróis que já pisaram em Rune Midgard. Foram eles que lideraram os ataques na última semana da guerra, e que foram derrotados pela união dos seus poderes.

 

- Vai, Planeta! – Sailor e Bonnie falaram juntas. Namu balançou a cabeça negativamente, sem evitar um sorriso. Ao mesmo tempo, uma brisa gelada passou pelos três. Aislinn apertou o Yoyo. Instintivamente, buscou a mão de Leafar, mas, ao tocá-lo, notou como ele ficou surpreso e sem jeito. Ainda não tinha se acostumado com o fato de que aquele homem não era seu marido. Pediu desculpa com o olhar e a boca entreaberta, sem jeito, e voltou a ouvir a história.

 

- Como Bonnie deve lhes ter dito, três destes oito não se mataram, e realmente tombaram vítimas de batalhas diretas. O primeiro é Jestr. Acredito que Sailorcheer deva conhecê-lo.

 

Sailor concordou com a cabeça, ainda olhando interessada para a figura de branco na sua frente. Ele continuou falando, após agradecer com o olhar.

 

- Foi o gatuno mais famoso dos últimos anos, e era conhecido como o Mestre dos Ladrões. Nunca foi capturado, e provavelmente se uniu a Surtr naquela ocasião por alguma promessa de poder. Hrymm tem uma história admirável e, ao mesmo tempo, lamentável. Aos 16 anos já tinha sido nomeado Mestre-Ferreiro real. Nem tinha atingido a maioridade quando mostrou-se tão competente quanto o mais habilidoso mestre anão, e começou a forjar itens divinos. Era o responsável pelo armorial do Rei Tristan III. Obcecado pelo poder, forjou para si próprio os cintos Megingjard e as botas Sleipnir. Não satisfeito, conquistou o Martelo Mjolnir, e nomeou a si mesmo como a reencarnação de Thor, o Deus do Trovão.

 

Leafar franziu o cenho. Lembrava-se de ter ouvido algo sobre isso. A história deles não era assim tão distante. Era verdade que alguns membros da Ruína tinham sido trazidos de volta da morte, mas outros eram heróis de seu tempo.

 

- A última, Lady Jô Mungandr, foi a pior perda do lado dos heróis na luta contra a Ruína de Rune Midgard. Ela cresceu ouvindo as histórias sobre Naglfar, o primeiro Paladino que serviu ao Rei Tristan I, em Glast Heim. Elevou seu poder ao máximo, mas ficou cara a cara com o próprio Naglfar, que estava do lado de Surtr. Uma coisa não se pode negar: a fé dela era inabalável. Tanto que, sem questionar, se viu seu ícone lutando ao lado de Surtr, sem pressões ou dúvidas, foi para o lado dele.

 

- Com exceção de Jestr então... eles... eles eram heróis? Por que alguém se volta assim para o lado do mal?

 

A pergunta de Sailor deixou o grupo sem resposta. Leafar se levantou, e deu as mãos para que as mulheres se levantassem também. Por fim, o Lorde notou que o cachorro voltara, inquieto.

 

- Parece que Rush encontrou algo.

 

Os cinco foram até o oeste da ilha. Rush começou a latir para algo no chão, enquanto notaram outra figura de branco. As pernas surgindo ao final da mini-saia, porém, não deixavam dúvidas da presença feminina. Leafar não deixou de sorrir ao reconhecer a GM, dona dos dois rabos-de-cavalo azuis, com o cabelo cuidadosamente penteado por trás das orelhas pontudas.

 

- Wyla!

 

- Leafar! Então é você um dos convocados! – disse ela, dando um curto e sincero abraço. A seguir, Wyla abraçou as demais, e voltou-se para a direção do motivo dos latidos de Rush: quatro covas abertas no chão.

 

Aislinn sentiu-se incomodada com aquilo. Era a segunda mulher que ele abraçava calorosamente em menos de uma hora, e aquilo mexeu com ela. Ela sabia que Wyla ajudara o outro Leafar no passado, em um caso de roubo, e que o carinho do original por ela era enorme, mas ainda não era fácil ver “seu marido”, solteiro, sendo carinhoso com outras garotas.

 

Bonnie se aproximou para ver o que tinha, e rapidamente se benzeu, sentindo-se nauseada. Sailor amparou-a, enquanto Leafar foi ver o que era. Notou corpos em estado putrefato ali dentro. Olhou para Namu, que sequer esperou a pergunta.

 

- Mestre Hatii II, Mestre Garm, Fjalar e Naglfar – disse ele.

 

- Acho que perdi algo – Leafar piscou forte e balançou a cabeça – Não eram OITO? Esses quatro e os três que saíram de Nifleheim... isso dá sete, na minha terra.

 

- A oitava – disse Wyla – é a Mestra Fenrir. É o único corpo e alma que não sabemos o que houve. Na verdade, desde os tempos primordiais, ninguém sabe explicar o que ela é.

- E existe alguma chance de ela ter participação nisso, Wyla?

 

- Não está descartada essa hipótese, Leafar, apesar dela ser pouco provável. Creio que já saberíamos da volta de Fenrir. Os outros, por mais duro que pareça, sempre são descartáveis. Ela é a única que tem lutado ao lado de Surtr em todas as Eras. Não é o tipo de presença que se passa em branco, mesmo sutil.

 

O Lorde concordou com um movimento de cabeça. Ficou olhando para os corpos sem vida. Era assustador pensar que aquelas pessoas tinham tomado, sozinhas, todos os castelos dos feudos, durante os ataques. Ajoelhou-se ao lado do corpo de Naglfar e ficou observando o Paladino. Aquele homem era mais antigo que muitas das lendas que Leafar conhecia. Era fantástico poder contemplá-lo, assim como era proporcionalmente perturbador imaginar que alguém tão puro e honrado tinha se unido ao inimigo dos seres humanos.

 

- Essas pessoas não devem reviver, amigos. Se três já são um problema, sete então seriam capazes de trazer de volta aquelas três semanas de horror que vocês viveram – O GM soltou um breve suspiro, também contemplando os corpos.

 

- Tenho uma dúvida, Namu – Bonnie se aproximou da cova com o corpo de Fjalar, e ficou olhando para ele, enquanto falava – Será que eles têm mais daquelas folhas de Yggdrasil que o Rei usou?

 

- Aquelas folhas são extremamente raras. Não sei como o Rei tinha TRÊS delas. As chances de existir mais UMA são irrisórias. Acredito que eles seguirão o caminho normal.

 

- Que seria o que Bonnie nos falou? – Aislinn soltou Ayo e também ficou mais próxima.

 

- Sim. Recolhendo a essência fresca do máximo de MVPs que eles puderem, até o amanhecer. Com a força delas, é bem provável que eles consigam trazer estes quatro de volta das garras da morte também.

 

- E eles são poderosos o suficiente para vencer qualquer MVP, sozinhos – completou Wyla – E é essa nossa chance; eles estão separados enquanto fazem isso, pois precisam de muitas essências.

 

Os quatro ficaram em silêncio, olhando os GMs. A brisa se limitou a mexer a capa de Leafar. Nem os animais disseram nada. Namu olhou para o chão e, a seguir, olhou para os quatro.

 

- Agora – disse ele – vocês vão me perguntar por que não vamos nós mesmos atrás deles, não é?

 

- Na verdade, eu ia perguntar isso agora mesmo, moço – Sailor sorriu – Vocês são muito mais fortes que nós. Por que a gente é que tem que ir?

 

- Vocês preferem qual possibilidade: lutar separadamente contra três inimigos poderosíssimos, um por vez, com a chance de vencê-los, ou lutar contra os três juntos, ou talvez sete inimigos poderosíssimos ao mesmo tempo?

 

- Não entendi...

 

- Nós vamos ficar aqui e guardar estes corpos. Qualquer pessoa que não seja um de vocês e que entre nesta ilha, será atacado. Se vocês falharem, nós seremos a última resistência contra o poder combinado dos três. Sua missão é atacar cada um deles separadamente e... derrotá-los. Se eles planejam nos enganar e sair daqui e tiverem algum plano reserva que desconhecemos... acho que vocês entendem. Não podemos correr esse risco.

 

Leafar tocou a empunhadura de sua espada com o luvão metálico. Aislinn passou a mão na testa, enquanto olhava para baixo. Bonnie juntou as mãos abaixo do pescoço, apertando-as. Sailor colocou as mãos na cintura e olhou para o céu. Ao seu modo, cada um tentou disfarçar como pôde a tensão. Namu se aproximou e colocou a mão no ombro de Bonnie, olhando-a nos olhos.

 

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- Eu entendo que estejam com dúvidas e incertos, mas não podemos nos dar ao luxo de perder tempo. Neste exato momento, o trio já está coletando as essências dos MVPs. A luz do sol vai tirar o status de frescor delas, e eles terão que reiniciar uma caçada durante o dia, até que a noite faça a mesma coisa. Mas aí já será tarde demais. Sem ter que se esconder, em plena luz do dia, eles vão começar a matar pessoas.

 

- Como podemos encontrá-los? – Leafar soltou a empunhadura junto com um suspiro, olhando determinado para Namu. Wyla tocou sem ombro e lhe ofereceu um Espelho Convexo.

 

- Isto vai te mostrar a presença de um MVP em qualquer mapa que estejam e que exista um. Se vocês forem rápidos o suficiente, podem encontrar um dos três atacando o MVP e impedir.

 

- Nós temos que salvar o MVP do trio? – Aislinn quase gritou, indignada com a constatação.

 

- Eu tenho certeza de que pensarão em algo. Confiamos em vocês – Wyla olhou para ela.

 

Leafar pegou o espelho e guardou-o. Olhou a seguir para as três junto a ele. Não via medo nelas. Apenas percebia que elas sentiam o peso da responsabilidade que lhes fora confiada. Natural, assim como nele próprio.

 

- Estão prontas, moças? – perguntou, encarando-as com um sorriso no canto da boca.

 

As três responderam o “sim” em uníssono. Voltou-se então para os GMs, enquanto tirava do bolso do cinto um pouco de ração.

 

- Como faremos? Vamos para algum mapa com MVP e ficar vigiando, para ver se damos a sorte de encontrar um deles? – disse Leafar, dando comida para o cachorro pegar na sua mão.

 

- Vocês terão a ajuda de um aliado. Oromë está agora mesmo em campanha para encontrar os três. Ele está percorrendo todas as localizações com MVPs, e ao menor sinal de um deles, dará o sinal para vocês.

 

- Certo, Namu. Bem, então nós vamos nos arrumar. Pode nos mandar para alguma Kafra?

 

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- Claro. Separem seus melhores equipamentos e sejam fortes. Boa sorte, amigos.

 

- Confiamos em vocês – Wyla sorriu, prostrando-se ao lado de Namu.

 

- A confiança é mútua – Leafar sorriu e parou ao lado do grupo.

 

Com um movimento de mão de Namu, os quatro desapareceram. O GM abaixou a cabeça e olhou para as covas abertas. Sentiu a mão delicada de Wyla em seu ombro. Ele pousou a própria em cima da dela.

 

- Acalme-se. Vai dar tudo certo.

 

- Assim espero, Wyla. Assim espero...

 

***

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CAPÍTULO 3

 

 

 

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Capítulo III – A detentora do poder sagrado

19h30 – Kafra central de Juno

 

Em silêncio absoluto, Bonnie Heart, Leafar, Aislinn e Sailorcheer pegavam coisas de seus armazéns. A funcionária Kafra olhava curiosa. Estava acostumada a ver gente se equipar para as mais diferentes missões, mas aqueles quatro, em especial, pareciam estar se preparando para tomar um castelo sozinhos.

 

Olhou para a Caçadora. Seu Yoyo segurava suas luvas enquanto ela ajeitava duas aljavas nas costas, com dois tipos de flechas. As penas delas, visíveis, eram lindas, denunciando a excelente qualidade do material com os quais eram compostas. Viu-a ajeitar orelhas de anjo e colocar uma fina coroa dourada, com uma gema vermelha no centro. Guardou uma adaga na bainha da cintura, e ficou muitos minutos fuçando as coisas, até encontrar um Gakkung que enchia a vista de qualquer um. Deu o arco para Ayo segurar, desajeitado, enquanto amarrou cuidadosamente na cintura um frasco com líquido verde. Esticou então o braço para que seu fiel falcão, Aren, vindo direto da longínqua Payon, pousasse em sua proteção de couro.

 

A Mercenária, com uma rapidez incrível, testava adagas e katares. Conforme escolhia, ia prendendo as armas em locais distintos da armadura. Cada vez que a Kafra piscava, Sailor estava com uma arma diferente na mão, dando poucos golpes no vento e, ou devolvendo a arma para seu armazém, ou fazendo-a sumir em algum esconderijo da roupa. Por fim, cobriu-se com um manto – não antes de sacar uma última adaga e dar um beijo de olhos fechados em algum lugar da sua guarda.

 

O Lorde parecia uma parede viva de metal. Entretanto, a Kafra estava assustada com a agilidade dele. A armadura não o incomodava em nada. Ele retirou a capa vermelha padrão da Cavalaria e colocou na bainha das costas, de maneira horizontal, uma espada de origem óbvia de Amatsu. A Muramasa parecia implorar em silêncio para ser sacada. Fincou uma adaga embainhada no cinto de couro, ao lado de uma garrafinha presa, com um líquido vermelho, e puxou um manto. Prendeu-o com dois broches azuis e voltou a fitar o armazém, com o olhar perdido. Por fim, sacou o Elmo do Orc Herói – o mesmo que usara na batalha original contra a Ruína de Rune Midgard. Talvez sentisse sorte com ele, talvez fosse coincidência; a Kafra nunca soube. Apenas notou que ele parecia ter terminado de se arrumar, quando ele puxou a espada de lâmina larga e roxa e apoiou-a nos ombros. Eram poucos os que possuíam uma Katzbalger e que, mais raro ainda, sabiam utilizá-la.

 

Como contraponto a isso, a Kafra notou Bonnie Heart. A Suma Sacerdotisa não fazia outra coisa a não ser rezar. Mantinha-se ajoelhada, com os olhos fechados e mãos unidas, apoiadas nas coxas, murmurando em seqüência dezenas de orações. Apesar de alguns fios de cabelo escorrem em seu rosto, foi possível notar uma lágrima tímida escorrendo do canto de um de seus olhos, quando ela buscou o Rosário no peito e deu um beijo nele.

 

O ar estava pesado. Não sentiam vontade de conversar, apesar de saberem que era necessário dizer algo. Rush foi até os pés de Leafar e se deitou, com as orelhas abaixadas, sentindo o clima ruim que se abatia no grupo. Sailor, de braços cruzados sob o manto, foi até a ponte que ligava a cidade flutuante até a terra firme e ficou olhando para o nada. Aislinn queria se aproximar dela para conversar, mas estava incomodada com a idéia de deixar Leafar sozinho com Bonnie Heart. Tocou a aliança do falecido marido pendurada em uma fina corrente em seu pescoço e resolveu se sentar, aguardando. E ficaram ali por longos minutos, quietos, notando um ou outro aventureiro ocasional indo se equipar com a ajuda da Kafra.

 

Foi quando o silêncio foi quebrado. Todos ouviram o “venham” ao mesmo tempo e foram teleportados.

 

Olhando ao redor, notaram um gramado verde, com o som de pássaros cantando. Alguns Fabres e Porings passaram perto deles. Aislinn notou o castelo de Prontera ao longe, mas voltou sua atenção para a figura de branco na frente deles. O cabelo dele era castanho. Assim como Wyla, possuía orelhas pontudas, e utilizava Asas de Anjo.

 

- Oromë! – Leafar fez um rápido cumprimento com a cabeça, respondido pelo GM.

 

- Vocês precisam correr. O único MVP vivo neste momento é o Bafomé do Labirinto da Floresta. Os outros ainda estão para renascer. Provavelmente um dos três virá para cá.

 

- Pode nos mandar para o andar intermediário?

 

- Não posso, estou no encalço dos outros. Desculpem, boa sorte.

 

Tão rápido quanto eles foram para lá, Oromë sumiu. Leafar deu passo a frente, olhando a entrada do Labirinto.

 

- Muito bem, senhoritas. Vamos entrar sempre nos mesmos portais, não importa o que aconteça.

 

- O que faremos na hora da batalha, Leafar? – perguntou Bonnie.

 

- Uma coisa de cada vez. Vamos encontrar o segundo andar antes.

 

As três concordaram e, um a um, correndo, eles desapareceram na entrada.

 

***

 

20h – Igreja de Prontera

 

O sacerdote tinha sido chamado às pressas. Veio o mais rápido que pôde para a igreja, e notou que um salão estava com o acesso restrito. Entrou nele, e percebeu que um punhado de padres estava conversando em volta de alguém deitado. Cumprimentou rapidamente os demais e ficou surpreso ao notar que a pessoa era o rei de Prontera.

 

- O que... o que houve com ele? – perguntou assustado.

 

Não conseguiu ouvir a resposta de imediato, pois o rei dera uma golfada de vômito no chão, já sujo por outras reações iguais. Alguém lhe passou um pano úmido na testa, enquanto sangue escorria de sua boca.

 

- Você é exorcista, não? – perguntou uma das sacerdotisas, olhando o recém-chegado.

 

- Sou sim, irmã.

 

- Assuma daqui então. Preciso me recuperar.

 

Ela se afastou, enquanto pelo menos cinco sacerdotes se revezam em curar o rei com suas magias.

 

- Eu preciso saber o que está acontecendo, para saber como ajudar.

 

- O rei está com algum tipo de influência maligna. Precisamos expurgar este mal dele. Mas não estamos conseguindo.

 

- ME nele, amigo – disse outro sacerdote, com o rosto suando, entre a pausa de uma das curas no rei.

 

- C-claro... ME...

 

E enquanto o sacerdote invocava os poderes do Magnus Exorcismus, a Rainha dos Mortos, coberta com um manto e capuz negros, virava o rosto, do lado de fora da janela. Odiou-se por não ter percebido que o rei estava sob algum tipo de encanto. Agora era uma questão de honra restaurar-lhe a saúde mental. Ela sabia que o tratamento que estavam lhe dando na igreja não ia resolver. Sua única saída era encontrar a pessoa que tinha dado as Folhas de Yggdrasil de Prata para o governante de Rune Midgard.

 

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***

 

20h15 – Labirinto da Floresta

“1º Andar”

 

Sailorcheer era uma grande conhecedora do lugar. Costumava ir ali com Fei Akchart, quando ainda eram noivos. Era um lugar que passava uma tranqüilidade e uma paz incrível, apesar de ter tantos monstros. Na verdade, é muito difícil para alguém que nunca pisou nesse labirinto conseguir visualizá-lo apenas através de descrições. As clareiras possuem portais que enviam quem os atravessar para lugares diferentes do que simplesmente a direção óbvia. As árvores estão com suas folhas sempre farfalhando, enquanto a luz mantém-se suficiente apenas para ver o caminho – seja dia ou seja noite.

 

E de portal em portal, com precisão, a mercenária guiou o grupo até o segundo andar. Andaram em silêncio, passando por uma ponte de madeira que cruzava um rio. Leafar olhou e sorriu discretamente ao ver o lugar onde estava uma dupla com quem cruzara durante sua busca d’O Chamado. Rapidamente, porém, retomou a seriedade ao notar o portal. Pararam antes de entrar.

 

- Temos que ser rápidos, pois um dos três pode aparecer a qualquer instante – disse, enquanto tirava o Espelho de Wyla da bolsa do cinto.

 

- Qual o plano, Leafar? – Aislinn olhou para os lados, apreensiva.

 

- Bem, temos que pensar direito. Não viemos aqui para matar o MVP. Temos que protegê-lo do atacante e, vocês sabem, vencer esse atacante.

- Imagino que o senhor Bafomé vai adorar isso. Dois grupos se matando. Cinco presas fáceis para eles – Bonnie ajeitou a coroa na cabeça – Será que seus bichinhos conseguem levar nossos restos para a cidade?

 

- Eu não acho que... – Leafar parou de falar quando as moças olharam para os animais de estimação.

 

Rush e Ayo estavam sentados, observando eles. Um Creamy ia atacar Ayo pelas costas. Sailor tirou uma pedra do bolso, pronta para acertar o monstro, mas ele foi alvejado por Aislinn, mais rápida que a mercenária.

 

Leafar olhou aquilo e continuou em silêncio. Apertou os olhos e olhou o Espelho nas mãos. Observou Sailor e Aislinn, e sorriu.

 

- Tive uma idéia.

 

***

 

Poucas vezes o Labirinto da Floresta tinha recebido uma visita tão poderosa. Seus monstros não eram páreo para seu poder. Lobos do Deserto, Moscas Caçadoras, Argíopes... eles nem sequer atingiam-na. Determinada, Lady Jô Mungandr passava pelos portais. Ela sabia que faltavam boas horas para a volta de alguns dos MVPs cujas essências realmente compensavam. E estava pronta para destruir sozinha o Bafomé do Labirinto.

 

Exatamente como fizera Naglfar.

 

O primeiro paladino de Glast Heim, servo do Rei Tristan I. Jô lembrava-se ainda hoje de quando ouviu a história pela primeira vez. O poder de Naglfar era tão grande que seu Peco Peco emitia constantemente uma energia dourada. Nenhuma criatura maligna mundana conseguia ficar perto do Paladino sem fugir desesperada. E foi ele que, sozinho, derrotou o Bafomé Primordial, o primeiro e mais poderoso desses monstros, quando ele surgiu em Rune Midgard.

 

Era uma questão de honra para Jô caçar e matar todo e qualquer Bafomé que encontrasse. E se isso a ajudasse a trazer seu ídolo de volta à vida, ela assim faria. Era um alívio estar fora dos domínios da Rainha da Morte. Jamais imaginou que seria derrotada na batalha da Ruína de Rune Midgard. E, morta, não tinha percebido como era bom estar viva. Sentia falta do vento em seu rosto e do cheiro de mato durante a noite. Estava ansiosa para rever o sol, mas ainda faltava muito tempo para isso.

 

Com a espada em riste em uma mão e o escudo na outra – gravado com o mesmo brasão que estava em seu peito, a estrela branca de ponta cabeça dentro de um círculo – finalmente alcançou o segundo andar da floresta. Na verdade o “segundo andar” não era um piso mais elevado, como o nome sugere. Tratava-se de uma clareira que levava para o segundo labirinto, um pouco pior que o primeiro. Mas Jô Mungandr não se importava. Em poucos minutos atravessou o campo verde e entrou no portal.

 

Ouviu ao longe os berros do Bafomé. Ficou preocupada, pois tinha encontrado previamente um grupo lutando contra o Samurai Encarnado, e quase perdeu ele. As regras da vida são iguais para todos: quem fere mais o MVP é que tem o direito de pegar suas recompensas. E foi realmente por muito pouco que a Paladina não perdeu sua recompensa para o grupo que tinha começado a atacar o MVP em seu lugar.

 

Começou a passar rapidamente, de portal em portal, correndo alucinadamente. Ouvia a fera gritar, irritada. Aumentou a velocidade da corrida, até finalmente surgir na mesma clareira que o monstro. Ele segurava a foice, com os dentes afiados surgindo do focinho de bode. Seu corpo peludo estava sujo, com um pouco de sangue. Ao notar a mulher, avançou e atacou sem o menor pudor.

 

Os olhos da Paladina brilharam. Teve um rápido devaneio, imaginando o que teria se passado na cabeça de Naglfar quando ele lutou na então linda Glast Heim. Deu um golpe de espada e viu o sangue voar do monstro. Será que tinha sido assim com ele também? Será que a fera sabia que não era páreo para o poder de alguém tão forte quanto um deus?

 

Jô sorriu. Com seu escudo, parou todos os ataques do Bafomé. A foice dele, incessante, tentava tomar sua vida, mas ela estava, acima de tudo, saboreando o momento. Seus lábios sorriam de maneira quase orgásmica com aquele duelo. Por fim, em um momento de lucidez, lembrou-se que quanto mais demorasse, mais tempo levaria para trazer seu herói de volta. Assim, avançou. Arremessou o escudo, desequilibrando o Bafomé. Um, dois, três golpes de espada. Com uma das mãos, segurou a foice dele pelo cabo. O hálito fedido dele saiu das narinas, acima da cabeça dela, desarrumando seu cabelo. Ela, de olhos fechados, ainda sorrindo, invocou sua Crux Magnum. A explosão de luz transformou o inimigo num cadáver no mesmo instante.

 

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Para sua surpresa, porém, a Paladina notou que a aura “MVP” saltou de trás de uma moita. Olhou o resto do monstro e tentou pegá-lo, mas não conseguiu. Súbito, Sailor apareceu na frente dela, saindo da Invisibilidade. Pegou o troféu – os chifres do Bafomé – e guardou-os em um saco de couro grande. Deu uma piscada e Recuou, bem a tempo de evitar uma espadada.

 

A Paladina olhou surpresa para a Caçadora saindo de trás da moita, que jogou a Foice do Bafomé – seu prêmio de MVP – no chão. Notou também o Lorde e a Suma Sacerdotisa surgirem.

 

- É ruim que vou ficar protegendo um MVP, hein? – disse Leafar, com a Katzbalger apoiada no ombro direito – Ei, Jojô! Chegou tarde!

 

O plano tinha sido simples. Com o Espelho de Wyla, o grupo localizou o Bafomé. Leafar e Sailor ficaram contendo os ataques dele enquanto Aislinn o atingia de longe. Quando sentiram que ele estava bem fraco, se esconderam. Mesmo com o ataque poderoso, Jô Mungandr não conseguiu superar a quantidade de ferimentos que a Caçadora fizera previamente nele.

 

- Eu não tenho tempo a perder com vocês. Entreguem-me os Chifres dele – disse, resoluta em sua postura.

 

- Claro, claro! – disse Sailor, levantando o saco de couro – Não queremos encrenca aqui. Eu vou jogar ele, você pega.

 

A Paladina se virou para a Mercenária. Sailor jogou o saco bem alto, longe do alcance de um pulo normal. Aislinn, numa fração de segundos, disparou uma flecha, que atingiu o saco, viajando com ele até cravá-lo no alto de uma árvore. Jô se virou, acompanhando, e viu um certo Yoyo sorrindo, saindo dos galhos e pegando o objeto, sumindo nas folhagens, a seguir.

 

Quando ela se virou para xingar, notou a Mercenária colada nela. Parecia que ela tinha acabado de furtar algo. Irada, deu um golpe com a guarda da espada. Sailor voou alguns bons metros antes de aterrisar nos pés de Leafar. Olhou para ele, piscou e desmaiou.

 

- Não vou perder meu tempo matando vocês porque alguém muito especial precisa da minha ajuda. Mas eu marquei os rostos de vocês. Eu vou caçá-los depois.

 

Enquanto ela xingava, Leafar abriu a mão de Sailor. Pegou um punhado de Asas de Borboleta e mostrou para a Paladina. Guardou-as e deu um passo adiante.

 

- Sério mesmo? Teleporta aí, campeã. Quero ver como consegue fazer isso sem essas asinhas aqui – ao dizer isso, Leafar tomou um gole do líquido vermelho da garrafa que carregava. Balançou a cabeça, sentindo seu corpo se arrepiar.

 

Pela primeira vez desde que se tornara Paladina, Jô Mungandr estava pasma. Tinha perdido o MVP e ainda sido furtada. Aquilo lhe foi o suficiente. Segurou firme a espada e encarou o Lorde.

 

- Como se chamam? – disse, com fúria contida no olhar.

 

- Eu sou Leafar. Aquela é Aislinn e esta é Bonnie Heart. A Mercenária que foi mais rápida que você é Sailorcheer.

 

- Ótimo. Eu evito matar pessoas sem saber seus nomes. Ainda honro meu deus, e não enterro ninguém sem identificação.

 

- Vou me lembrar disso quando jogarmos seu corpo na vala... de novo! – Leafar coçou o nariz com a ponta do polegar e segurou a espada com as duas mãos – Vocês da Ruína têm esse péssimo hábito de voltar da morte, não? É só pra pagar promessa ou é burrice mesmo?

 

Aislinn não deixou de ficar chocada ao ouvir Leafar dizer aquilo. Ele mesmo não tinha muita moral para falar isso. Mesmo tendo sido clonado, de certo modo, também “voltara” da morte. Mas talvez fosse um plano dele para irritar a mulher antes da batalha – pessoas nervosas ficam com a defesa debilitada. O fato é que a Provocação funcionou. A Paladina deu um berro e partiu para cima do Lorde.

 

A lâmina roxa começou a voar no ar, defendendo os ataques do sabre dela. Era difícil acompanhar a luta. Os dois eram incrivelmente rápidos. Mesmo Leafar ficou admirado pelo fato da mulher, uma Paladina, estar atacando com tanta velocidade.

 

Bonnie olhou rapidamente para Sailor, mas o ataque começou antes que ela pudesse se concentrar na mercenária. Não quis arriscar perder Leafar, e começou a dar suporte a ele. Ao mesmo tempo, Aislinn correu e se posicionou. Apoiou um dos joelhos no chão.

 

- Vai, Aren! – gritou para o falcão. A ave deu um rasante na Paladina, mas suas garras apenas triscaram no escudo.

 

Leafar mantinha-se sem atacar, esquivando e defendendo com a espada os ataques da oponente. Bonnie espalmou as mãos para os céus, e a figura de uma mulher de branco surgiu acima de Jô. A imagem soltou algumas espadas translúcidas nela, enquanto a Suma Sacerdotisa sussurrava quase como uma oração as palavras “Lex Aeterna”.

 

Aproveitando o momento, Aislinn disparou uma Rajada de Flechas. Jô sentiu a dor amplificada e deu um passo para trás. Foi a vez de Leafar atacar. Com o Impacto de Tyr, ele arremessou a mulher alguns metros para longe. Ela bateu em uma árvore de tronco grosso e, tão forte foi a pancada, quebrou-a com o impacto.

 

Tomado pela chance, Leafar avançou contra a Paladina. Ia bater de novo, mas ela tinha começado a murmurar. Seu murmuro começou a ficar alto, como se ela entoasse algum tipo de cântico. O Lorde sentiu seu corpo se enfraquecer. Era como se tivesse perdido parte de sua força e velocidade. Teve espasmos de dor, e fez uma força enorme para não largar a espada. Tudo que sentiu foi um chute certeiro no peito; pôde sentir a bota metálica da inimiga em sua armadura. Deu três passos para trás e caiu. Por fim, soltou a espada e levou as duas mãos aos ouvidos, tentando se livrar do som da música de Jô.

 

Ela, pronta para atacar o alvo fácil, teve que recuar quando as flechas de Aislinn lhe vararam as pernas. Olhou irritada e segurou forte o escudo. Começou a avançar contra a Caçadora. Bonnie, que terminara de invocar Assumptio em Aislinn, se afastou, ficando no meio do caminho entre Leafar e a Caçadora.

 

Indignada, a Paladina não conseguiu se mover. Olhou para o chão, sentindo uma pressão na bota da armadura, e viu que uma Armadilha segurava com os dentes de metal sua canela. Aislinn, com o arco armado, deu uma piscadinha sem dizer nada e disparou sua Rajada de Flechas novamente. Como se fosse parte de uma dança, Aren voou junto com as flechas, pronto para atacar. Jô Mungandr, porém, segurou o escudo com as duas mãos. Ela brilhou forte por um instante, em uníssono com ele. A visão foi triste: o falcão bateu no escudo, soltou uma guinchada de dor e caiu. As flechas rebateram no escudo e voaram de volta na direção de Aislinn. O Assumptio diminuiu o estrago, mas ela foi cortada nos braços e barriga.

 

Ignorando a Caçadora, Jô se virou para Bonnie. Ia atacá-la, mas ouviu o berro de Aislinn. Notou as flechas em sua direção e, sem olhar, segurou o escudo firme novamente, com apenas uma das mãos. Mais uma vez as flechas bateram nele e voaram contra a loura, derrubando-a, agora muito ferida. Olhou orgulhosa por cima do ombro, para saborear a queda da Caçadora, mas sua prepotência lhe custou a vantagem. Bonnie não apenas tinha curado e fortalecido Leafar, como agora era ela quem sussurrava palavras especiais. Com o dedo dela apontado em sua direção, sentiu algo ser sufocado dentro de sua garganta.

 

- Ela não pode usar habilidades por algum tempo, Leafar! – disse Bonnie, tentando se posicionar para alcançar Aislinn e Sailor, que estavam caídas do outro lado da clareira.

 

- Não preciso de mais de cinco minutos!

 

Ao dizer isso, Leafar se concentrou. Utilizou todas as suas habilidades, com o corpo brilhando em dourado. Por fim, deu um grito, com uma luz vermelha explodindo de si, envolvendo-o. Seu coração ficou acelerado. Estava em Frenesi, sua técnica máxima.

 

Bonnie começou a abençoar Jô com Lex Aeterna, alternando Kyrie Eleisons em Leafar. O Lorde estava atacando estupidamente rápido. Era inconcebível algum ser humano conseguir bater com uma espada de duas mãos àquela velocidade, mas ele assim fazia. Alguns dos seus ataques rebatiam na técnica do escudo da Paladina, ainda ativa, mas ele era tão rápido que conseguia evitá-los. Seus braços, com as veias saltadas, faziam seus ataques serem muito mais poderosos que o normal. E como não fazia há muito tempo, Jô começou a recuar. Os ataques de Leafar começaram a abrir feridas nela, e seu sangue começou a escorrer. Ficou sem reação quando ele, com a força dos golpes, arrancou o escudo de sua mão. Mal notou quando a espada atingiu-a, de baixo para cima, jogando-a para o alto. Ela subiu alguns metros, vítima da pancada, até cair no chão, inerte. Ao mesmo tempo, a coloração do Lorde voltou ao normal. As veias de seus braços diminuíram, mas seu coração continuou batendo a mil. Ofegante, apoiou a espada no chão, olhando para a mulher caída.

 

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- V-vencemos... – disse com um pouco de dificuldade.

 

Bonnie se preparava para socorrer Aislinn e Sailor, mas parou. Ficou arrepiada ao ouvir uma risada vinda de Jô, caída. Com calma, a Paladina se virou. Mesmo suja de terra e sangrando, ergueu-se com imponência.

 

- Aqui está a diferença entre o que eu sou e o que vocês são – disse, olhando para Leafar, que mal conseguia ficar de pé – Vocês não são nada mais que.... humanos. Reles humanos. A força de vocês é admirável, mas ela acaba. Já, a minha...

 

Com um sorriso, Jô espalmou as mãos ao lado do corpo. Seu corpo vibrou, e uma explosão azul tomou conta dela. Bonnie reconheceu na hora a aura azul, símbolo do poder máximo que uma pessoa pode alcançar.

 

- Como... como você fez isso? Como escondeu sua aura? – disse ela, descrente.

 

- Já lhes disse. Eu não sou regida pelas mesmas regras que vocês. Meu poder é maior, assim como minha missão de vida. Vocês mal sabem o que fazem. Eu luto pela vida do homem mais importante deste mundo: Naglfar.

 

- Esse... esse cara...

 

Jô virou o rosto na direção de Leafar, lutando pra se manter ereto, exaurido pela técnica do Frenesi.

 

- ... esse cara... – continuou – é um perdedor.

 

- O QUE DISSE? – Jô agora tinha virado o corpo todo na direção dele.

 

- O cara é um idiota – Leafar finalmente tinha conseguido ar para falar – Ele consegue o status de lenda e joga tudo para o alto para se corromper por mais poder. É a segunda pessoa que conheço que faz isso. Idiota.

 

Leafar cuspiu com gosto, enojado com a idéia de alguém passar assim para o lado do mal. Porém, não teve tempo para falar mais nada. Levou um murro que o fez dobrar, caindo com as mãos na barriga, de olhos fechados. Rush, até então escondido no mato, saiu e começou a latir para a Paladina. Ela, por sua vez, começou a andar lentamente na direção de Bonnie.

 

- Vai fugir, Suma Sacerdotisa?

 

- De modo algum. Esta batalha ainda não acabou, Lady Jô Mungandr.

 

- É honrada por ficar até o final. Será a primeira que vou sepultar aqui, e orarei verdadeiramente pela sua alma.

 

Com um sibilo, o sabre cortou o ar na noite escura. O barulho do golpe atingindo algo fez Rush parar de latir, assustado com o que viu.

 

***

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Tirinha bônus by NIORI:

 

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CAPÍTULO 4

 

 

 

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Capítulo IV – Redenção

Pouco mais de um ano atrás – Hall das Valquírias

 

- Não se esqueça que a Guerra Santa está por vir. Prepare-se, e que Odin te abençoe.

 

Os olhos de Jô Mungandr estavam cheios de lágrimas. A Templária, reconhecida por seus feitos, dona de uma linda aura azul, tinha realizado uma longa jornada até o Coração de Ymir. Sem seus pertences, munida apenas de sua Fé, atravessara o longo caminho que a levara até o Hall dos Heróis. Na sua frente, o herói Paladino dava sua benção – exatamente como, imaginava, tinha acontecido com Naglfar.

 

Com humildade, ela levantou-se e foi até a frente da belíssima valquíria, que flutuava suavemente, sustentada por um lindo par de asas brancas.

 

- Bem-vinda ao Valhalla, o salão da honra. Agora você pode terminar sua vida atual e ir adiante com sua próxima vida. Honra aos guerreiros!

 

A Templária se ajoelhou e agradeceu o cumprimento. A figura em sua frente continuou falando, com a voz firme.

 

- Vejo que se libertou de todas as ligações mundanas. Isso é uma atitude muito recomendável. Honra vem ao se abandonar todos os desejos para benefício próprio. Primeiramente, pedirei à deusa Urd que remova toda a sua memória presente, mas que preserve seus momentos mais honrosos.

 

Jô sentiu um carinho reconfortante em sua mente. Foi uma paz como ela jamais tinha ousado sonhar em sentir antes. Lembrou-se de cada pessoa que ajudou em seu caminho e, a cada uma delas, sussurrava o nome de Naglfar.

 

- Por último – continuou a Valquíria – pedirei à deusa Skuld que te passe para a próxima vida.

 

- Eu estou pronta, senhora – respondeu, resignada.

 

A Valquíria contou até três. Quando abriu os olhos, Jô viu-se desprovida de sua força. Sua aura azul tinha se apagado.

 

- Desejo que a deusa Urd guarde registro de sua vida passada como preciosa. Que a deusa Verdani lhe garanta uma nova vida gloriosa, e que a deusa Skuld lhe prepare para o seu momento mais honroso.

 

Antes que pudesse agradecer, Jô notou que estava novamente em Prontera. Foi recebida por seus pais, com um longo e caloroso abraço. Finalmente seria uma heroína lendária, e rumaria para se tornar uma Paladina.

 

***

 

Setembro de 2006 – Pátios de Glast Heim

 

- Renda-se, ou encontre o castigo de teus pecados sob a forma de minha justiça, vilão!

 

Ao ouvir a ameaça, o Mercenário não deixou de dar um passo para trás. Ninguém menos que Lady Jô Mungandr, a Paladina, estava em sua frente, com a aura radiante. Acuado, ele caiu de joelhos diante dela.

 

- Eu me rendo. Não pretendo medir forças com a senhorita, milady.

 

- Então agora diz: por que roubou o Rei de Prontera? Qual tua necessidade doentia em praticar tal vandalismo?

 

- Na verdade, eu não roubei. Alguém roubou e me deu isso. Era pra eu encontrar uma pessoa aqui.

 

- E encontrou. Agora é chegada a hora de...

 

Jô foi interrompida de seu discurso quando uma adaga arremessada atravessou a cabeça do Mercenário. Olhou indignada ao ver o Desordeiro, com uma aura tão brilhante quanto a sua, sorrindo.

 

- Pô garota, tu fala demais! – disse o homem, ajeitando o colete roxo.

 

- Foi você quem roubou o Rei então, não foi? Jestr... e agora matou este homem na minha frente.

 

- Uau! Já me conhecia? Que delícia... imagino o tipo de coisa que podemos fazer juntos depois!

 

Com um pulo no ar, ele parou na frente dela. Imediatamente ela colocou o sabre no pescoço dele, dona de uma autoridade que poucas pessoas possuíam.

 

- Em nome do Rei Tristan III, governante supremo de Rune Midgard, está preso por roubo ao Tesouro Real e pelo assassinato deste homem.

 

- Eu não sigo as leis de seu Rei, Paladina – Jestr, ainda de cabeça baixa, sorriu – Meu mestre é Surtr.

 

- O quê?

 

Surtr, líder dos Gigantes de Fogo, era inimigo declarado de Odin e seu panteão. Os olhos de Jô brilharam diante de tamanha ousadia e, como jamais havia feito, apertou o sabre contra Jestr. Uma gota de sangue escorreu dele, que continuava imóvel.

 

- Dê-me apenas uma razão para que, em nome de Odin, eu não prive sua cabeça de continuar colada ao teu corpo, Jestr...

 

- Eu lhe peço para que não faça, Jô Mungandr.

 

A voz poderosa e rouca fez a Paladina tremer. Ela jamais tinha ouvido esta voz antes, não sabia quem era, mas seu coração gritava como um louco. Suas emoções tomaram conta de seu corpo. A menção de seu nome fez com que afrouxasse o aperto no ameaçador sabre, se esquecesse do Desordeiro e olhasse para o homem com o semblante que lembrava o de um santo.

 

- Não sabe por quanto tempo eu ansiei por este encontro, fiel Paladina.

 

- Naglfar... – foi tudo que sua boca conseguiu murmurar, antes de ser invadida pelo gosto das lágrimas salgadas, que escorriam aos montes de seus olhos.

 

- Preciso da tua ajuda, pois a Guerra Santa chegou.

 

- Tens à disposição minha espada, meu escudo e meu coração, meu lorde – disse, já de joelhos e cabeça baixa, com a mão trêmula segurando a empunhadura da espada.

 

- Saiba, pois, que não é por Odin que luto. Assim como tu, me iludi pelas mentiras do senhor do Valhalla. É a Surtr que sirvo, e é por ele que lutarei nesta iminente batalha.

 

Por um breve instante, Jô sentiu seu coração doer. Segurou mais firme a espada, cuja ponta estava encostando no chão de pedra de Glast Heim. Sentiu a dúvida dilacerando sua alma e sua Fé. Seu ouvido não lhe enganara. Não apenas aquele era Naglfar, o primeiro Paladino, homem de confiança do Rei Tristan I, como ele assumira que estava do lado de Surtr.

 

- Devo considerar o aperto forte no cabo de sua arma como vontade de derrotar Odin, ou como uma inimiga que se coloca entre mim e minha divina missão? – Naglfar, com o semblante tranqüilo, segurou no queixo de Jô Mungandr e fê-la levantar os olhos para que encontrassem com os seus.

 

- Você... é o meu maior herói, desde que eu me conheço por gente. Cada monstro que matei, cada pessoa que salvei... foi tudo por você. Por que, senhor, luta ao lado de Surtr?

 

- Se minha palavra não basta para que me siga, então não é digna de estar do meu lado. Levante-se e parta. Eu pessoalmente a procurarei no campo de batalha e tratarei de encerrar tua vida.

 

- Não! Nunca! Perdoa-me, meu lorde! Estou tomada pela surpresa e pela emoção, e não sou dona de minhas palavras. Mas garanto que é o dono do meu coração e de minhas vontades. E se luta ao lado de Surtr, é porque este é o caminho. E se é ele que segue, é quem também sigo. Tem a minha fidelidade e meu poder.

 

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Naglfar ofereceu a mão para que a Paladina se levantasse. Sorriu e deu-lhe um ornamento – um chaveiro com um poring. Jestr se aproximou dos dois e, juntos, contemplaram a lápide original do Paladino, com uma espada cravada, como memória das antigas batalhas e vitórias que travou enquanto defendia Glast Heim.

- Alcançamos a imortalidade, meus amigos – disse o Paladino, desprezando o abrigo de sua morte secular – Vamos nos reunir com os outros. Há muito a ser feito. Muito...

 

***

 

21h05 – Labirinto da Floresta

 

Era incrível. Bonnie tinha fechado os olhos. Pensou em seu marido, Lord Riddle. Murmurou um “Adeus, amor”, pronta para ser derrotada. Mas o sabre da Paladina tinha sido parado por um par de katares. A até então imóvel Mercenária, mordendo firme uma flor, encarava a Paladina nos olhos. Sailor empurrou Jô e ficou entre ela e a Suma Sacerdotisa. Leafar, ainda sem fôlego, como podia, se arrastava para perto de Aislinn, para ver como ela estava.

 

- Insistem em lutar? – perguntou, indignada – Que tipo de força os move contra mim? Seria a tolice?

 

- Moça – Sailor falou, enquanto sentia as proteções e bênçãos de Bonnie Heart lhe fortalecerem – se você parar para pensar, estatisticamente, temos cem por cento de aproveitamento contra você. Uma luta e uma vitória, na batalha em Prontera.

 

- Um exército inteiro foi preciso para me parar! Acham que apenas vocês quatro são capazes de fazer algo?

 

Sailor não respondeu, e correu na direção da Paladina. Bonnie mais uma vez murmurou sua benção, e novamente a Paladina sentiu o nó na garganta. Estava privada das habilidades por algum tempo de novo. Sentindo a oportunidade, os Katares reluziram na floresta. Os golpes foram sendo disparados, mas o escudo e a espada paravam todos. Mudando de técnica, a Mercenária ficou invisível. Jô segurou a espada, olhando ao redor. Na sua frente, Bonnie Heart se movimentava, acompanhada de Rush. Leafar, sem forças, não parecia apresentar perigo, e Aislinn ainda estava caída, sangrando.

 

Ouviu então um “oi!”. Olhou para trás a tempo de ver Sailor sorrindo, com os katares afiados brilhando.

 

- Lâminas Destruidoras! – falou Sailor, com certo prazer na voz, enquanto disparava uma seqüência de golpes devastadores nas costas da adversária. Acertou todos, terminando com um ataque lateral poderoso.

 

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A surpresa é que a Paladina mal se moveu. Apenas levou a mão até uma corrente no pescoço. Puxou uma cruz e, diante da boquiaberta Sailor, depois de dar um beijo no objeto, liberou a energia de uma grande cruz sagrada, que se desenhou no solo. Pega por uma das pontas desta cruz, Sailor também caiu prostrada, apoiada nas mãos. Era indescritível a dor que sentia, e dessa vez não se tratava de um engodo.

 

Sem se importar mais com os atacantes, deu passos lentos na direção de Bonnie. Ela, por sua vez, andou para trás, engolindo seco. Rush avançou contra Jô, apenas para levar um chute da bota metálica e se calar, chorando encolhido.

 

- Eu tenho Luz Divina – disse Bonnie – E dói! N-não se aproxime!

 

- Posso sentir o medo em sua voz, Suma Sacerdotisa. Como lhe disse, será a primeira que vou sepultar aqui. Prepare-se para receber plenamente a punição divina, por se colocar nos planos do Gran Lorde Surtr.

 

Uma mão segurou precariamente a bota esquerda da Paladina. Ela olhou para baixo e notou o cansado Leafar, caído na terra da floresta, tentando impedir seu avanço.

 

- Mas será possível? Não sabem aceitar a derrota? É tão difícil assim de entender que eu sou superior a vocês e que suas chances de vitória são nulas?

 

Uma força igual agora tinha sido sentida na bota direita dela. Assustada, viu Aislinn, mesmo ferida, também lhe segurar. Bonnie aproveitou e correu até Sailor. Pegou a cabeça dela, tirou-lhe o cabelo do rosto tentou reanimá-la.

 

- Por favor, Jô – Aislinn falou – Você foi uma pessoa boa. Por que precisa lutar contra a vida?

 

- Eu não estou lutando contra a vida – bradou a Paladina – Estou tentando salvar a mais importante delas; a vida do homem mais digno que já pisou nesse mundo. E juro pela minha honra que farei isso!

 

Leafar começou a se levantar. Com muito esforço, ficou de pé. Se Jô desse apenas um soco, seria o suficiente para fazê-lo dormir por três dias. Mas, curiosa, começou a ouvir as palavras dele.

 

- Você é uma guerreira Transcendental, Jô Mungandr. É esse o exemplo que você vai dar para as próximas gerações? “Fique forte e pise em todo mundo”?

 

- Você fala em honra – Bonnie, socorrendo Sailor, que começava a acordar, falou – mas se esqueceu do que a valquíria nos ensina no Hall dos Heróis? A verdadeira honra está em não ser egoísta. E o que você está fazendo é puro egoísmo!

 

- N-naglfar era um herói... – disse ela, com alguma dificuldade.

 

- Acorda, garota! – Leafar não resistiu e deu um tapa na cara dela – Seu herói tentou chacinar pelo menos quinze mil pessoas em outubro passado! Invadiu sozinho um castelo e matou todas as pessoas que estavam lá! Fala pra mim olhando nos meus olhos: é isso que um PALADINO faz?

 

- Ele serve a um deus, que tem propósitos maiores que os que os mortais podem conceber...

 

- Ridículo! Se esse cara fosse bonzinho, ele teria chutado pessoalmente o traseiro do Surtr, ao invés de ir para o lado dele como um cachorrinho – rapidamente Leafar olhou para Rush, abrindo a mão em sinal de desculpas – Sem ofensas, garoto.

 

Com o que tinha de poder, Bonnie curou superficialmente a Leafar, Aislinn e Sailor, e sentou-se, exaurida. Jô permanecia calada. As palavras estavam abalando suas crenças. Mas o orgulho estava doído. Não aceitaria que lhe provassem que estava errada; tampouco aceitaria dizerem que Naglfar era um traidor.

 

Aislinn suspirou de desgosto ao ver a Paladina novamente assumir a postura de luta. Leafar abaixou o olhar, triste, e mais uma vez ergueu a poderosa espada de lâmina roxa. Sailor tomou a frente de Bonnie, que ainda se recuperava, e esperou. Ficaram quietos por longos momentos, até que o sabre subiu, pronto para atacar a Caçadora. Porém, Leafar entrou na frente dela.

 

- O que está fazendo? – disse Aislinn.

 

- Você não consegue acertar ela enquanto ela está com esse escudo, certo? Eu vou tirar ele dela e aí você faz a sua parte.

 

- Mas você pode se ferir gravemente!!!

 

- É assim que uma equipe funciona, Ais. Eu me firo, desarmo ela e você ataca pra vencer. Vamos fazer JUNTOS!

 

Jô ficou paralisada, notando a determinação da dupla nos olhos. Pôde ver o reflexo de si mesma naqueles dois. Por um momento, deixou de enxergar Leafar e Aislinn, e viu a si mesma e a Naglfar. Ela sabia que seu ataque certamente mataria o Lorde e que, fraca daquele jeito, a Caçadora mal conseguiria fazer mira.

 

“Eles estão errados. Eles não podem me vencer” – pensou – “Eu sou mais forte que eles todos juntos. E, mesmo assim, estão dispostos a arriscar as vidas por algo que é obviamente errado”.

 

Sua cruz começou a pesar no pescoço, enquanto se encarava naquela dupla. Seu vacilo foi o suficiente para que Bonnie se recuperasse e restaurasse um pouco mais o grupo. Entretanto, a Suma Sacerdotisa estranhou ao ver Leafar afrouxar o aperto na Katzbalger. Olhou para Jô e viu que ela tinha deixado o sabre cair. A Paladina ficou segurando forte o escudo, com as duas mãos, como se ele pudesse protegê-la da vergonha que sentia.

 

- Ouvi histórias a seu respeito quando eu mal tinha virado uma noviça, Jô – Bonnie tomou a frente da dupla e se aproximou da mulher.

 

- Ouviu? – respondeu ela, ressabiada.

 

- Sim. Era impossível entrar na igreja e não ouvir falar de você. A mais poderosa mulher de Prontera, defensora dos desamparados, que muitas vezes fazia pessoalmente a guarda do Rei Tristan.

 

- Salvar Naglfar é tão especial assim a ponto de compensar a perda de milhares de vidas, Jô? – agora era Aislinn quem tinha se aproximado, com o arco abaixado, sem flechas.

 

- Ouça-me com atenção, por favor.

 

Bonnie colocou as duas mãos no escudo. A princípio, sentiu resistência. Porém, logo conseguiu baixá-lo, fazendo Jô soltá-lo também. Segurou então as mãos da Paladina, olhando-a nos olhos.

 

- Você, Jestr e Hrymm, estão prestes a trazer de volta à vida outras pessoas que podem destruir todas as cidades. Naglfar voltaria a viver, mas muita gente morreria por causa disso. Ele foi um herói em seu tempo, e foi assim que você cresceu e o conheceu. Todo mundo sabia da sua admiração por ele. Mas e agora? Até no momento em que ele cede à tentação você quer imitá-lo?

 

- Você já provou ser tão boa quanto ele, Jô – Aislinn colocou a mão no ombro dela – Agora é a hora de mostrar que pode superá-lo.

 

- Como? – A Paladina tinha abaixado definitivamente a guarda.

 

- Ele foi para o lado do inimigo – Bonnie retomou a palavra – Ele se corrompeu. Seu herói Paladino falhou. Se você insistir e continuar lutando conosco, terá falhado junto com ele.

 

Jô soltou-se devagar de Bonnie e Aislinn. Deu as costas para elas e apertou com força a cruz. Ficou muitos minutos em silêncio, observada pelo grupo, até que sua boca começou a se mover quase que automaticamente.

 

- Juro lutar pela vida. Serei a espada dos fracos e o escudo dos oprimidos. Que Odin seja meu guia, para que eu acerte o coração do inimigo, mesmo em meio às trevas.

 

- O que é isso, Leafar? – Sailor, confusa, perguntou baixinho.

 

- Me parece um juramento da Ordem dos Templários de Prontera – ele respondeu na mesma altura.

 

Por fim, Jô Mungandr se virou. Deixou cair a capa negra, e tirou o brasão – a estrela branca de cinco pontas virada para baixo, dentro de um círculo – do peitoral da armadura.

 

- Eu não preciso mais disso.

 

- Está conosco então? – Bonnie perguntou com os olhos cheios de esperança.

 

- Estou do lado do que é correto, Bonnie Heart. Se cabe a mim trazer justiça a este mundo, e se isso pode reparar o que fiz de errado há pouco tempo, eu assim farei.

 

As duas se abraçaram demoradamente. Leafar suspirou aliviado. Virou-se para Aislinn e sorriu, vendo o final da primeira parte da missão. Pensou consigo mesmo que aquele era apenas o começo da busca. Ainda faltavam Jestr e Hrymm. Talvez, agora com Jô Mungandr de seu lado, as coisas fossem mais fáceis.

 

A Caçadora, por sua vez, foi até a árvore onde estava seu Yoyo, e esticou os braços para recebê-lo. Aren, o Falcão, estava terrivelmente agitado. Alguma coisa o incomodava demais.

 

- Eles não são burros. Já sabem que eu saí da Ruína – disse a Paladina – Agora é uma questão de tempo até nos enfrentarmos.

 

- Você tem a essência de muitos MVPs, Jô? – Leafar se aproximou, preocupado.

 

- Sim. Eles também. Temos pouco mais da metade do que precisamos.

 

Todos ficaram em silêncio. Os olhos de Jô vertiam lágrimas silenciosas. Talvez de vergonha, talvez de arrependimento. Teria ficado assim, quando sentiu uma mão suave em seu ombro. Levantou o olhar e encontrou Bonnie em sua frente, sorrindo.

 

- Onde quer que ele esteja, ele tem orgulho de você, Jô. A alma de Naglfar com certeza recebeu um pouco dessa paz que você conquistou agora.

 

Emocionadas, as duas novamente se abraçaram. Sailor tirou as Asas de Anjo e mexeu no cabelo. Pegou a pequena adaga com a runa, até então oculta, e deu um beijo nela. Não sabia o motivo, mas estava com um aperto no coração. Notou que Leafar tinha agora se aproximado de Aislinn, e ficou olhando o casal, sentindo ela mesma saudades de seu marido, Fei.

 

- Leafar, – a Caçadora, com o Yoyo no colo e o arco pendurado, olhou o Lorde nos olhos – você não precisava se arriscar daquele modo.

 

- Como assim?

 

- Você tomou minha frente para tentar desarmar Jô. Eu podia alvejá-la.

 

- Eu não duvido, mas você sobreviveria aos ataques que voltariam, por causa da técnica do escudo dela? Se acha tão boa assim?

 

Sem dizer nada, Aislinn apenas abraçou o macaquinho, olhando para o chão. Tinha passado algum tempo liderando a Ordem do Dragão, quando matou seu marido, clone do Leafar original, ali na sua frente, e tinha se esquecido de como era receber instruções; ainda mais daquela voz tão familiar, que tantas vezes, mesmo vinda de outra pessoa, tinha lhe dado tanto conforto e carinho.

 

- Ais, não se trata de você acertar ela – o Lorde continuou, com a voz serena e um sorriso – Trata-se de trabalho em equipe. Cada membro de um grupo tem a sua função. Suas flechas são mais eficientes que minha espada. Meu papel é apanhar, enquanto o seu é bater. Se você atacasse sozinha... sabe o que ia acontecer, não?

 

- ... você está certo. Não sei o que me passou pela cabeça. Desculpe, Leafar.

 

De cabeça baixa, Aislinn ficou fitando o chão. Leafar deu um passo para a frente, tirou Ayo do colo dela e colocou as duas mãos nos ombros dela. O rosto da Caçadora corou no mesmo instante. Era quase possível ouvir seu coração disparado. Uma leve brisa quente mexeu no cabelo louro dos dois, com os olhares fixos um no outro.

 

- Eu confio em você – disse Leafar, sorrindo – Confie em mim também.

 

- Eu... quero confiar em você... Leafar...

 

Por instinto, Aislinn segurou a aliança do marido falecido com uma das mãos. Deu um puxão na corrente do pescoço, quebrando-a, e colocou-a na mão de Leafar. Ele sorriu. Os rostos se aproximaram devagar. Os olhos começaram a se fechar, e os lábios se entreabriram para dar um beijo inédito e esperado... que não aconteceu, por causa de uma guinchada de Aren. Os dois se afastaram rapidamente e olharam para o que o Falcão queria lhes chamar a atenção.

 

No chão, uma trilha de pegadas podia ser vista. Ao final dela, um homem surgiu – um Desordeiro. O abraço de Bonnie e Jô tinha sido bruscamente interrompido por uma adaga, que tinha atravessado a grossa armadura da Paladina e que atingia seu peito de maneira fulminante.

 

- Esse é o problema de se trabalhar com Paladinos! – disse o homem – Eles SEMPRE inventam de fazer algo bonito e honrado no final! Hahahahahahahahahahaha!!!

 

- J-Jestr... – Jô murmurou enquanto sentia o aço frio entrando em seu corpo.

 

Os olhos da Paladina abriram em sua plenitude. Sua boca também se abriu em um espasmo, com um filete de sangue escorrendo dela. Olhou dentro dos olhos de Bonnie, como se tentasse se segurar neles. Seus joelhos tocaram o solo. Sentiu-se como quando era uma Espadachim iniciante, derrotada por seu primeiro inimigo. A dor começou a dilacerar seu corpo. Tudo começou a ficar escuro. Mal ouviu quando a mão de Jestr atingiu a cabeça de Bonnie, provavelmente quebrando alguns ossos, nocauteando-a. Seu rosto tocou o chão pesadamente antes disso, enquanto sua aura se apagou. Seus olhos se fecharam, perguntando-se se realmente jamais veriam a luz do sol novamente.

 

Com um sorriso, o Desordeiro encarou Leafar, Aislinn e Sailor.

 

- Ok... próximo!

 

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Tirinha bônus by NIORI:

 

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CAPÍTULO 5

 

 

 

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Capítulo V – Te amo imensamente

22h – Prontera

 

- Você não pode entrar aqui.

 

O aviso do guarda não surtiu efeito algum na Rainha dos Mortos. Um fino sorriso surgiu em seus lábios, enquanto, um pouco mais atrás, duas aparições vinham da entrada do castelo de Prontera.

 

- E o que fará em relação a eles, mortal?

 

Desesperado, o guarda correu na direção dos monstros, para proteger o lugar. A mulher passou então pela porta dupla de madeira. Andou pelo tapete vermelho que cobria o chão de pedras lisas e polidas do castelo. Seguindo sua intuição, subiu um lance de escada. Um homem que lia algo, assustou-se. Deixou cair o Pince-Nez e afastou um pouco a cadeira.

 

-P-pois não? – disse, assustado.

 

- É você o tal que estava com Tristan, não era?

 

O homem olhou ao redor, procurando algum guarda. Mas ali, na calma da biblioteca, não encontraria nenhum. Levantou-se e foi andando de costas, até dar com elas na parede.

 

- Responda. Era você que estava com Tristan ultimamente, não?

 

- Eu sou convidado do rei, como tantos outros aqui, senhorita.

 

- Rainha. Dos Mortos – os lábios de cor escura tornaram-se um sorriso malicioso, junto com um olhar cheio de maldade, que arrepiou o cavanhaque do homem esguio.

 

- V-v-você veio me buscar? Minha vida terminou?

 

- Tsc tsc tsc... pare de ler histórias infantis. Eu não perderia meu tempo matando alguém pessoalmente. Qual seu nome? Diga!

 

- R. Ruts, de Lighthalzen.

 

- Erre? Erre do que?

 

- Era o nome de meu pai... não gosto de usá-lo, se não se importa.

 

- Entendo... Ruts. Você foi visto em Umbala com o Rei, no final da tarde de hoje. O que faziam?

 

- Eu não...

 

- PARE DE TENTAR ESCONDER! – a sala ficou imediatamente gelada, como se a própria sombra da morte pairasse ali – CONTE LOGO! TUDO!

 

O barão engoliu seco. Tremendo, voltou a se sentar. Suspirou, e começou sua narração.

 

***

 

22h15 – Labirinto da Floresta

 

Leafar, Aislinn e Sailor observavam as duas mulheres caídas. Bonnie ainda movia o peito, respirando. Parecia desmaiada, mas viva. Jô, porém, não dava sinal algum. Sua aura estava apagada. Seu corpo, imóvel.

 

- Ele... matou ela! – Aislinn falou descrente, segurando firme o Gakkung.

 

- Traidores merecem a morte – Jestr passou a língua no sangue em sua adaga, enquanto encarava o trio. Antes que alguém pudesse dizer algo, apontou a arma para eles, de maneira displicente.

 

- Vamos ser honestos. Vocês sabem o que vai acontecer. Nós VAMOS reviver os outros. Exércitos não foram capazes de nos parar. Não são três ou quatro que vão.

 

- Foi a mesma coisa que Jô disse... – Sailor interrompeu o Desordeiro.

 

- ... sim, mas quem matou ela fui eu, não vocês! Eu estava vendo. Ela ia desintegrar vocês. Se não puderam derrotar nem ela, que dirá de mim!

 

Leafar tomou a frente do grupo. Segurou firme a Katzbalger. Aquele homem era famoso. Jestr jamais tinha sido capturado. Era uma lenda, novamente viva. Notando o olhar de Leafar, que misturava curiosidade, surpresa e tensão, Jestr sorriu.

 

- É... ainda tenho tempo antes dos próximos MVPs voltarem. Vou matar vocês. Começando pela Mercenária!

 

O Desordeiro sumiu no ar. Os três ficaram juntos, em postura defensiva. Sailor notou pegadas no chão, vindo em sua direção. Mal teve tempo de empurrar Leafar e Aislinn, quando Jestr surgiu na sua frente. Habilmente, esquivou-se da estocada, mas não deixou de tomar um chute nas costas, que levou-a ao chão. Sacou as katares e preparava-se para enfrentar o homem, quando foi envolvida por uma aura rosa. Aislinn murmurou um “oh não”, quando, segundos depois, Sailor sumiu.

 

- Mas hein? – Jestr parou e coçou a cabeça.

 

- “Saudades de você” – disse a Caçadora, olhando a própria aliança no dedo – É uma habilidade que o casal recebe no ato do casamento. Com ela é possível chamar a pessoa amada para o seu lado, onde quer que ela esteja.

 

- Péssima hora pro Fei ter sentido saudade da Sailor – o Lorde balançou a cabeça e prostou-se ao lado de Aislinn.

 

- Tudo bem, tudo bem – Jestr guardou a adaga e sacou uma espada – eu mato o tempo com vocês dois mesmo... literalmente!

 

Com uma gargalhada que beirava a insanidade, ele avançou contra a dupla.

 

***

 

Ilha Tetra – 22h50

 

A chegada do ar gelado não intimidou Namu e Wyla. Os dois, vigiando os túmulos abertos, notaram a bruma que se aproximava, trazendo ninguém menos que a Rainha dos Mortos.

 

- Isso está começando a ficar realmente bizarro – a GM falou baixinho para Namu – O que ELA está fazendo aqui?

 

- Vamos descobrir.

 

- Saudações, GMs.

 

Namu respondeu com um leve aceno de cabeça. De expressão fechada, Wyla ignorou, com os punhos cerrados.

 

- O que quer, Rainha dos Mortos? – disse o líder dos GMs, encarando-a.

 

- Estou atrás de respostas. Vocês dois sabem que o Rei não será trazido de volta por meio de exorcismo. Vocês sabem que estes quatro túmulos já estavam abertos quando vocês chegaram. E não tentem dizer que não. Eu conheço tudo sobre a morte de todos.

 

Namu olhou Wyla brevemente. Voltou a observar a mulher na sua frente. Ela, por sua vez, encarava cada um dos quatro cadáveres. Fitou-os por vários momentos, como se estivesse lendo-os. Seus olhos se moviam com muita velocidade, buscando cada milímetro, cada trecho deles.

 

- Estamos protegendo eles. Ninguém irá revivê-los – Namu olhou determinado para a Rainha.

 

- Não agora. Não com seus heróis vivos. Vocês conhecem as leis deste mundo. Seus heróis têm uma pequena chance de impedir isso. Heróis... ou peões?

 

- Não fale assim dos escolhidos! – Wyla avançou, com fúria no olhar.

 

- Ah, “escolhidos”... é esse o nome agora? Fico aqui me perguntando por que é que vocês mesmos não foram enfrentar o trio. Vocês guardam todas as chaves, são senhores de todos os segredos e poderes. Ah... mas como é mesmo aquela regra?

 

Com passos lentos, valorizando as longas pernas pelo corte do vestido, a Rainha dos Mortos andou em volta de Namu. Abriu a boca devagar, proferindo palavras com calma.

 

- “Um GM não pode interferir na vida dos mortais. Jamais pode ajudar, proteger ou lutar ao lado de um. Tudo que ele pode fazer é aconselhar, observar e punir os que quebram as leis”.

 

Namu abaixou a cabeça. Wyla sentiu uma pontada no coração, e olhou boquiaberta para a Rainha dos Mortos. Ela, por sua vez, saboreava o momento.

 

- De qual lado vão ficar quando seus peões forem derrotados? Qual será a desculpinha esfarrapada dessa vez? “Venham, heróis! Vamos nos unir e salvar Rune Midgard!”? Vão ficar parados observando?

 

Os três ficaram em silêncio. A Rainha fixou seu olhar em um dos túmulos e apertou a sobrancelhas. Namu e Wyla, por um momento, pareceram assustados. Os dois se entreolharam. Algo fora dali tinha acontecido.

 

- Eu fico aqui, pode ir. Eu vigio ela – disse Wyla.

 

- Do que estão falando? – a Rainha questionou, inquisitiva.

 

O GM respirou fundo. Engoliu seco e começou a falar. Não havia motivo para esconder a informação daquela mulher.

 

- Hrymm quase atacou Geffen. Oromë conseguiu enviá-lo para o deserto de Morroc. Uma guilda local foi junto e está lutando contra ele agora.

 

- Ah, então hoje o inferno vai lotar? Que delícia... – dessa vez, o comentário dela saiu sem malícia. Estava realmente com o olhar fixo em um dos túmulos.

 

- Vai, Namu – Wyla repetiu – Eu fico aqui vigiando ela.

 

A Rainha olhou a GM nos olhos. Wyla deu um passo para trás, intimidada.

 

- Garota, se eu quisesse, já teria dado conta de você. Agora mesmo eu teria invocado algumas centenas de criaturas das trevas para distraí-los enquanto eu pudesse roubar estes corpos. Mas se você usar sua mente para pensar um pouquinho, além de apenas separar essas orelhinhas de elfa, saberia que eu não tenho o menor interessa na volta destas pessoas à vida.

 

- Vamos, Wyla. Temos que ir para o deserto de Morroc.

 

- Mas Namu! Ela...

 

O GM interrompeu Wyla.

 

- ... ela está certa. A Rainha dos Mortos não vai fazer nada com os corpos deles. Se a Ruína conquistar Rune Midgard, tomar Nifleheim seria questão de tempo. Vamos.

 

Ao dizer isso, Namu desapareceu. Wyla olhou assustada para a Rainha dos Mortos. Ela, notando que era observada, devolveu o olhar.

 

- Já escolheu de qual lado vai ficar, GM? Vá lá... vá “observar”.

 

Sem dizer nada, Wyla também sumiu. A Rainha então voltou sua atenção para o túmulo que estava olhando antes.

 

- Então foi logo você? Mas... por quê?

 

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***

 

Labirinto da Floresta - 23h

 

O barulho do impacto foi alto. Leafar fazia força para se levantar. Se não fosse a armadura, teria quebrado as costas na árvore na qual tinha sido arremessado por Jestr. Olhou para a Katzbalger caída nos pés do Desordeiro, assim como o Gakkung de Aislinn; ele os tinha desarmado e eles mal tinham visto o que aconteceu.

 

- Olha, isso realmente está divertido, mas daqui a pouco alguns MVPs começam a voltar. Tenho que matá-los logo – com um suspiro, Jestr embainhou a espada e sacou novamente a adaga – Quem será o primeiro?

 

- Ais! – Leafar, com determinação, parou entre Jestr e Aislin – Tente acordar Bonnie. É nossa única chance. Eu seguro ele.

 

A Caçadora, entretanto, ficou parada. Olhou o falcão, Aren, caído. Seu arco estava longe de ser recuperado. Encarou o Desordeiro nos olhos.

 

- Você está me subestimando, Jestr – disse ela, determinada. Conseguiu arrancar uma curta gargalhada do adversário.

 

- Subestimando uma fraca como você? – falou com o ar divertido – Quem você pensa que engana, Caçadora? Acha que eu não sei o que há por trás dessa carinha bonitinha?

 

- Do que está falando?

 

- Eu me lembro de você na batalha da Ruína – o Desordeiro continuou, com o sorriso maldoso no rosto – Você fugiu pelo menos duas vezes, sob o pretexto de “proteger o Rei”, não foi? Ou seria para proteger a própria vida? De maneira egoísta... que vergonha! Alguém da sua guilda não deveria agir assim...

 

- Ais! Vai ajudar a Bonnie! – o Lorde começava a ficar preocupado, dividido entre socorrer Bonnie e ajudar Aislinn. O fato é que, sem a Suma Sacerdotisa, nenhum deles teria alguma chance ali.

 

- Conheço muito bem tipinhos como você. Não sei por que se tornou Caçadora. Teria dado uma bela Mercenária – Jestr mediu-a de cima a baixo, irônico.

 

- Cale a boca! Eu não sou como você! – disse ela, de punhos cerrados.

 

- Não mesmo. É fraquinha demais. Vai lá ajudar a Suma, deixa eu matar o Lorde primeiro, vai?

 

- Ais! – Leafar gritou, desesperado – Pára de bater boca, saco! Acorda a Bonnie!

 

- Falta pouco para eu Transcender, Jestr! E não sou uma Caçadora vulgar! Estou quase no final do meu treinamento!

 

- Sei... se depender de mim, você não termina ele – O Desordeiro começou a andar para o lado, tentando sair da frente de Leafar – E o que acha que vai fazer sem seu arco e seu falcão, além de morrer?

 

Com o olhar sério, Aislinn sacou da bainha do cinto uma adaga. O desenho da lâmina não deixou dúvidas: era uma Adaga da Boa Ventura. Jestr sorriu e apertou sua própria adaga com vontade.

 

- Aislinn! – insistiu o Lorde – Não faça isso! Eu paro ele! Acorda a Bonnie! Vai lá!

 

- Eu posso me esquivar dele, Leafar. Eu sei o que eu faço – disse ela, andando calmamente, tomando a frente do Lorde.

 

- Não seja BURRA! Somos uma equipe! – disse, segurando-a pelo braço.

 

- Me solta! Eu não sou tão frágil assim. Sei me cuidar, não cheguei tão longe à toa. Eu me esquivo melhor que você. Me deixa, Leafar!

Com um tranco, ela soltou seu braço da mão do Lorde. Jestr nem esperou, e em segundos os dois já estavam se digladiando, com as lâminas das adagas se tocando em alta velocidade, soltando faíscas. Em um misto de dúvida e desespero, Leafar não sabia qual a melhor opção: interferir na luta, socorrer Bonnie ou ficar assistindo. Jestr, estrategicamente, não saía de perto das armas caídas. Leafar chegou a colocar a mão na empunhadura da Muramasa, mas sem Bonnie para livrá-lo da maldição inerente à arma, seria presa fácil. Correu então para a Suma Sacerdotisa.

 

- Bonnie... acorda, por favor! – com as mãos no rosto dela, Leafar alternava entre socorrê-la e assistir ao duelo entre Aislinn e Jestr.

 

O rosto dela estava escuro, devido à forte pancada que levou do Desordeiro. Leafar pegou uma Folha de Yggdrasil e esmagou-a. Sua essência começou a voar na direção da ruiva. O barulho das lâminas o fazia ter medo de virar e acompanhar a batalha. Via o poder da árvore da vida começar a agir em Bonnie. Tenso, voltou o rosto para ver a luta.

 

Aislinn e Jestr estavam com as adagas cruzadas no alto, e as mãos prensadas em defesas no lado, medindo forças. Separaram-se e recomeçaram a troca de golpes. Ambos eram extremamente rápidos. As esquivas eram realmente muito boas. Mas Jestr mal estava suando. Aislinn, por outro lado, parecia no limite de suas forças.

 

- Muito bom – disse o Desordeiro – Mas não é o suficiente para me enfrentar. Você vai morrer.

 

Leafar não se conteve. Bonnie mal começava a se levantar, e ele tinha ficado de pé. Sacou a Muramasa da bainha nas costas. Aislinn e Jestr novamente partiram um para cima do outro. Leafar notou o golpe fatal indo na direção da Caçadora. Tudo que desejava era ter algum ataque de longa distância ou magia, mas não possuía. Tinha apenas aquela espada, a adaga na cintura e o anel no dedo... o anel!

 

- Aislinn!! Eu amo você! – gritou ele, com a aliança firme.

 

A adaga de Jestr alcançou o pescoço da Caçadora. Sua lâmina começou a rasgar a pele. Entretanto, sangue nenhum saiu dela. Conforme a lâmina ia passando, o ferimento ia se fechando em seguida. Uma aura rosada envolveu a Caçadora, recobrando instantaneamente o dano causado pelo ataque do Desordeiro. O anel de casado do clone de Leafar tinha funcionado com o Lorde também, reconhecendo-o como marido legítimo de Aislinn. Ele tinha conseguido usar a transferência de saúde para ela. Porém, suportar um ataque que ia tirar a vida da amada, realmente exauriu Leafar. Suas pernas tremeram. A Muramasa tocou o solo. Ele sentiu a dor da morte que ela teria encontrado. Caiu no chão, de frente. O Elmo de Orc Herói escorregou de sua cabeça, deslizando até quase alcançar a dupla combatente.

 

Bonnie se levantou também e, instintivamente, se curou, recuperando-se do ferimento causado previamente, que a levara a desmaiar. Por reflexo, tentou curar Aislinn, mas lhe faltou poder para isso – também estava em seu limite. Sua boca se abriu desesperada, vendo o Desordeiro preparar um novo ataque. Leafar superava o limite de suas forças, erguendo-se, segurando a Muramasa debilmente, usando sua lâmina apoiada no chão para se manter de pé.

 

- Ais... lute do... meu lado... Aislinn!!! – gritou com o resto de ar que tinha nos pulmões. Foi ignorado. A Caçadora apertou o cabo da Adaga da Boa Ventura. Confiou em seu poder de defesa e avançou. Jestr também correu. E os dois, no meio da floresta que já se preparava para o outono, se encontraram.

 

Primeiro veio o barulho seco de metal contra carne. Depois, o suspiro abafado de dor, quase reprimido. Então, a Adaga da Boa Ventura, antes segurada com firmeza, tocou o solo. O sangue umedeceu o top da Caçadora. Escorreu por sua barriga. Com um giro de lâmina, que aumentou o ferimento, rios de sangue começaram a pintar o chão de vermelho. A visão de Aislinn ficou turva. Ninguém poderia dizer o que se passou na cabeça dela. Não era possível para ela enxergar mais nada. Não via mais sequer um palmo diante do nariz. Suas pálpebras começaram a se fechar, escondendo para sempre os belos olhos verdes. Os braços, tensos com o combate, relaxaram, assim como suas pernas. Seu corpo tombou para cima do de Jestr. Ironicamente, seu último abraço – indireto – era em seu algoz. Ele, sentindo o calor do sangue dela em seu corpo, olhou maliciosamente para Leafar e Bonnie. Deu um beijo no rosto da Caçadora, imóvel.

 

- Descanse em paz, querida – disse com ironia, soltando seu corpo, que tombou pesado no chão, em cima do próprio sangue.

 

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Lágrimas silenciosas inundaram os olhos de Bonnie. Leafar estava em silêncio. Podia ouvir o próprio coração batendo, pulsando em cada milímetro do seu corpo. Como último recurso de seu corpo e sua alma em desespero, teve uma breve recomposição de forças.

 

- Magnificat, Bonnie.

 

Tudo que a Suma Sacerdotisa fez foi soluçar ao tentar invocar a magia. Ela a invocou do mesmo jeito, mas não conseguia falar, lutando contra o soluço do choro que queria sair de sua garganta. Leafar, por sua vez, tomou outro gole da poção vermelha que carregava na cintura. Sentiu seu corpo se arrepiar. Brilhou uma vez em dourado, com a Muramasa firme nas duas mãos.

 

- E aí, lourão? Agora é a hora que você fala que nunca vai me perdoar e que vai me matar? – Jestr provocou, jogando a adaga para o alto, segurando-a pela lâmina, sorrindo.

 

Leafar não respondeu. Deu um passo para frente, mas sentiu a mão trêmula de Bonnie em seu ombro. Olhou para ela. O queixo dela tremia, segurando o choro. Com muita força, ela sussurrou, quase que implorando.

 

- N-não faz a m-mesma coisa que ela... – as lágrimas escorriam aos montes de seu rosto – v-vamos j-juntos... Leafar...

 

O Lorde parou. Olhou para Lady Jô Mungandr, imóvel. A seguir, fitou Aislinn. Ambas caídas em suas próprias poças de sangue. Apertou os dentes dentro da boca.

 

- Vamos pegar esse cara, Bonnie.

 

Com um suspiro de alívio, Bonnie curou Leafar. Rapidamente distribuiu suas bênçãos. Leafar andou calmamente na direção do Desordeiro.

 

- Aí, paquito, não sei se te disseram, mas eu nunca fui captu...

 

A frase foi interrompida. A Muramasa, rápida, abriu o primeiro corte no peito de Jestr. Ele andou para trás, descrente. Há quanto tempo não era atingido? Tinha se esquecido de como era a dor de um ferimento. Leafar permanecia impassível. Limitou-se a dar um chute em seu próprio elmo caído, tirando-o do caminho. Segurava a espada apontada para a frente.

 

- Deu sorte, mas não ache que isso vai acontecer de no...

 

Uma nova seqüência de ataques atropelou o Desordeiro, ao som da Glória da Suma Sacerdotisa. Leafar não errara nenhum ataque. Jestr olhava assustado para os ferimentos.

 

- I...im...impossível!!! – O Desordeiro olhava indignado para a roupa, que começava a ficar suja com seu próprio sangue – Ninguém neste mundo é capaz de me atingir!

 

- Minha especialidade é acertar coisas inatingíveis em qualquer situação, ladrão – Leafar falou sem a menor emoção, com o rosto frio – É este o meu treinamento, e esta é a espada que vai te fazer entender isso por meio da dor.

 

Babando sangue, Jestr partiu para cima do Lorde. Sentiu-se mais lento, vítima de uma magia de Bonnie. Em seguida, sua garganta ficou apertada, e nenhum som mais saía dela. Leafar continuou atacando. Cada golpe era um acerto; preciso, perfeito. Ocasionalmente, um fantasma avermelhado de uma criatura esquelética aparecia e agarrava seus braços, diminuindo sua força; esta era a maldição da Muramasa – o espírito do dono anterior da espada tentava possuir o portador. Mas bastava uma benção de Bonnie para que Leafar voltasse a brilhar em dourado, atacando em sua força máxima.

 

O corpo de Jestr parecia uma colcha de retalhos, tantos eram os cortes. Ao contrário de Leafar, ele não tinha alguém que lhe curasse e mantivesse forte. Sua voz finalmente voltara, mas ele já não tinha mais forças. Assustado, via o Lorde crescer em sua frente, a cada ataque. Tentou se defender de um ataque rápido e foi atingido por uma dor incrível, em algum lugar do corpo que não reconheceu de imediato, de tão forte que era. Um novo golpe o fez erguer a adaga para se proteger, mas lhe faltava algo: sua mão direita. Notou com desespero ela caída do lado, arrancada em um corte reto e perfeito da Muramasa. Prostrado de joelhos, sentiu a lâmina encostada em seu pescoço, arrancando sangue onde tocava.

 

- Vai me matar, Lorde? – pela primeira vez em anos, o Desordeiro falava algo sem ironia, com medo no olhar.

 

Leafar engoliu seco. Seus olhos explodiam em raiva. Sua respiração estava pesada. Com o aperto da espada no pescoço de Jestr, fez com que ele se levantasse.

 

- Você....................... está preso – disse com os dentes cerrados, lutando para não perder o controle.

 

- ... preso?! Eu?! – segurando o ferimento onde antes havia sua mão, Jester ficou com os olhos arregalados.

 

- Em nome do Rei Tristan III, soberano de Rune Midgard, você está preso pelo assalto realizado há alguns anos ao Tesouro Real de Prontera, pela morte de milhares de inocentes na invasão da Ruína de Rune Midgard e pelos assassinatos de Jô Mungandr e Aislinn Cerridwen Belmont.

 

Uma lágrima finalmente escorreu de um dos olhos de Leafar, mas ele manteve a pose séria e dura. Sua voz não tremeu em nenhum momento.

 

- PRESO?! – repetiu Jestr, indignado – EU?! Está querendo insinuar que EU fui CAPTURADO?

 

- Você terá direito a um julgamento justo e a alguém que possa garantir seus direitos – continuou o Lorde, com a respiração profunda, o corpo pronto para explodir, como a sensação de uma grande onda no mar calmo, que inevitavelmente vai se quebrar.

 

- Ninguém jamais prenderá o Rei dos Ladrões! – o berro saiu com cuspe, típico de alguém ensandecido – Isso é loucura! Eu sou Jestr!

 

Talvez o Desordeiro, indignado pela situação em que se encontrava, não tenha percebido quão delicada era sua posição. Talvez não tenha considerado que estava sem a mão direita, embriagado por sua lenda e seu nome. O fato é que, com a mão esquerda, tentou puxar a espada da cintura. Mas, antes disso, Leafar brilhou. Em vermelho. Mais uma vez, acionara o Frenesi. Sua velocidade e sua força ultrapassaram qualquer limite humano. Os dedos de Jestr não chegaram a alcançar a empunhadura, pois já tinham sido decepados. A Muramasa voou, calada, como se dançasse, desenhando arcos e riscos no ar, cingidos de escarlate. O rosto de Leafar começou a ficar respingado de sangue. Sua mente não acompanhava mais nada. Ele apenas batia.

 

E batia. E batia. Não havia mais o que acertar, mas continuava batendo.

 

Quando sua respiração finalmente voltou ao normal, suas veias diminuíram e sua coloração se normalizou, a mente retomou o controle. Em sua frente, o que restava das pernas de Jestr estava caído, separado. Um sem fim de órgãos, carne, pele e sangue estavam em mais uma poça vermelha em sua frente. Andou alguns passos. Um princípio de insanidade tomou conta de seu corpo, enquanto seus olhos ficaram nublados de lágrimas. Começou a bater nos restos do Desordeiro. Golpes lentos e fracos, com o pouco que tinha de forças. Sentiu a mão feminina e delicada de Bonnie em seu pescoço. Virou-se e viu ela com os olhos vermelhos, com mais lágrimas esperando para cair.

 

- Calma... você matou ele. Calma, por favor, Leafar.

 

Finalmente a Muramasa caiu no chão, banhada de sangue. O Lorde passou reto por Bonnie, quase pisando em Jô Mungandr. Ajoelhou-se ao lado de Aislinn, caída de bruços. Virou-a de frente. Passou a mão em seu rosto e chamou-a. Uma vez, duas, três... insistiu, e seus chamados tornaram-se gritos. O nome dela ecoou por todo o Labirinto da Floresta, berrado pela voz mesclada ao gosto do choro do Lorde, até ir ficando cada vez mais fraco, morrendo de volta na boca dele, baixinho. Leafar virou o rosto para o lado. Caiu, espalmou as mãos no solo e, em uma golfada, vomitou sangue. Trêmulo, sem conseguir ficar de pé, sentindo a plenitude do peso de sua fiel armadura, se arrastou para o lado de Aislinn novamente. Pegou-a e deitou a cabeça dela em seu colo. Sem ter mais como lutar contra aquilo, se entregou ao choro. Parecia uma criança desamparada. Lembrou-se dos momentos com ela no Lago das Valquírias, como o que tiveram horas antes de começar essa missão. Seu coração se apertou com a lembrança do beijo que nunca foi dado, instantes antes de Jestr aparecer.

 

- Por que você fez isso, Ais... por quê?

 

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Suas lágrimas tocaram o rosto agora frio e sem vida da Caçadora. Em silêncio, ficou ali abraçado a ela, como ninguém, fora Bonnie, agora, jamais tinha visto o Lorde. Não se importava com mais nada; quem era, o que tinha ou o que precisava fazer. A mulher que tinha amado estava morta.

 

Bonnie, por sua vez, sofria tanto com a morte de Aislinn quanto a de Jô Mungandr. Tentou puxar o corpo de Jô para perto do de Aislinn, mas não tinha forças para isso. Foi até Leafar, que balançava a cabeça negativamente, descrente.

 

- Me ajuda, Leafar, por favor. Temos que tirar elas daqui.

 

Ele não respondia, chorando. Bonnie insistiu mais duas vezes, e nada. Por fim, se ajoelhou ao lado dele e pegou em seu rosto, muito sujo em uma mescla de sangue, suor, vômito e lágrimas.

 

- Leafar – disse ela, tentando manter o controle, claramente emocionada, passando a capa dele em seu rosto, limpando-o – Nós temos uma missão. Se não fizermos nada, mais gente vai sofrer a perda de pessoas amadas como nós. PRECISAMOS continuar. Ainda falta um...

 

Foi impossível fazer outra coisa quando os olhos dos dois se encontraram. Em um impulso, se abraçaram. Como duas pessoas normais, os dois finalmente se entregaram e fizeram o que qualquer um com o mínimo de sentimento faria: choraram, sem se preocupar com mais nada.

 

***

 

Deserto de Morroc

Alguns momentos antes

 

Sailor estava estupefata. Viu o rosto de Fei em sua frente, suado. Ele, que geralmente usava um disfarce de sacerdote, estava com sua roupa típica de espadachim, exibindo o longo rabo-de-cavalo azul.

 

- Fei! Espero que seja realmente urgente! Você não faz idéia de onde eu...

 

O Espadachim, marido da Mercenária, não disse nada. Apontou para trás dela. Sailor notou os corpos caídos de dezenas de companheiros de guilda – os Guerreiros Rúnicos. Ouviu o berro “Punho Supremo de Asura”, vindo de MettaKill, atingindo algo – ou tentando. Após a explosão de luz, causada por um choque, o Mestre foi arremessado aos pés da dupla.

 

Quando a luz cessou, Sailor encarou o poderoso Mestre-Ferreiro, com um martelo lindo, que beirava o divino, enchendo os olhos de qualquer pessoa, apoiado em seu ombro.

 

- Meu... DEUS! – Sailor deu um passo para trás.

 

- Esse – disse Hrymm – é o termo EXATO que me define.

 

***

 

A vida é feita de escolhas. E a pessoa para quem eu escolhi dedicar esta história, escolheu morrer – ou, mais triste, viver uma mentira. Que ela descanse em paz, na minha memória mais profunda e carinhosa. Assim, a dedicatória deste capítulo é para todos que, de algum modo, sem saber o que houve, deixaram uma palavra de conforto, pública ou particular.

 

Obrigado. A ela, por quem foi um dia, e a vocês, por quem são, hoje e sempre.

- Rafa

 

 

***

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CAPÍTULO 6

 

 

 

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Capítulo VI – O deus do trovão

 

23h – Arredores do portão sul de Morroc

 

Dezenas de corpos estavam caídos nas areias quentes do deserto. De pé, absoluto, um Mestre-Ferreiro, ostentando um belíssimo martelo, observava Sailorcheer e o espadachim, Fei, ao lado dela. A areia quase pedia licença antes de tocar suas botas, que pareciam forjadas pelo próprio Odin. Do mesmo modo, dois cintos fabulosos estavam em sua cintura, reluzindo a luz da lua.

 

- Hrymm... – disse a mercenária, estupefata.

 

- Viram? Ela conhece o meu nome!

 

Sailor olhou ao redor. Ficou arrepiada com a cena: todos os GMs cercavam o local daquela batalha. Viu Namu, Oromë, Wyla, Teri, Keyji, Fenrir e tantos outros. Sorriu, segurando firme os katares.

 

- Tá perdido, Hrymm! Ninguém pode derrotar tantos GMs juntos!

 

Sentiu então a mão de Fei em seu ombro.

 

- Não tão rápido, querida. Os GMs não estão fazendo nada – disse ele.

 

- C-c-como assim? – a mercenária olhou firme para o marido.

 

- Oromë tirou Hrymm de Geffen e mandou-o para cá. Viemos junto, mas só restei eu. E agora você.

 

Hrymm olhava o casal, impassível. Seu cabelo curto mal se mexia com o vento. Tinha o olhar de moleque. De fato, era bem novo. Tinha conquistado o poder ainda como adolescente, e sempre se gabou disso, mesmo quando era vivo, antes da Ruína de Rune Midgard.

 

- Vocês vão nos ajudar, não vão? – Sailor olhou assustada para os GMs. Notou Wyla apertar forte os punhos, mas continuar calada. Namu fechou os olhos, observando quieto.

 

- Eles não farão nada, tolos! – Hrymm andou devagar na direção dos dois – Eles não vão me impedir! São os seres mais poderosos do nosso mundo, mas possuem a maldição de jamais interferir! E eles não podem fazer nada quanto ao fato de eu matar vocês dois!

 

Fei e Sailor se olharam rapidamente, de canto de olhos. Com um sorriso de cumplicidade, foram para cima do Mestre-Ferreiro. Fei, segurando firme uma espada, pulou. Seu cabelo azul, preso em um rabo-de-cavalo, acompanhou seu movimento, enquanto ele desferiu um golpe frontal. O toque da lâmina em Hrymm causou um brilho. Sailor, a essa altura, já tinha se posicionado atrás do homem. Com uma velocidade espantosa, liberou todo o poder de suas lâminas destruidoras. Hrymm foi arremessado alguns metros para a frente e caiu.

 

- Acho que o Metta já tinha ferido ele um pouco! – comemorou Fei, referindo-se ao Mestre que tombara por último no combate prévio.

 

- Nossa, eu juro que achei que seria mais dif...

 

A frase da mercenária não terminou. Hrymm se levantou, gargalhando. Seu corpo ficou vermelho, e seu martelo estava fumegante. Antes que Fei conseguisse piscar, o Mestre-Ferreiro já tinha passado por ele. Tudo que o espadachim viu foi a amada sendo atingida fortemente. Restos do que foram os Katares dela caíram em seus pés, assim como a pequena adaga que ela trazia escondida. Súbito, o martelo foi batido forte, de cima para baixo. Uma pancada fez o chão tremer. Um novo ataque ocasionou na queda de algumas moedas dos bolsos de Hrymm. Sailor quicou na areia duas vezes antes de cair imóvel no deserto. O Mestre-Ferreiro mal se virou e notou Fei já em cima dele. O espadachim foi extremamente rápido, e com a espada acertara um dos cintos do inimigo, tirando uma lasca. Imediatamente, Hrymm segurou Fei pela cabeça, com apenas uma das mãos, erguendo-o do chão.

 

- Está louco, espadachim? Tem noção do que tentou fazer? Queria estragar um dos lendários Megingjard?

 

Com habilidade, Fei puxou a adaga que Sailor derrubara previamente e, em um golpe rápido e preciso, atingiu forte o braço de Hrymm. Surpreso, o Mestre-Ferreiro deu um passo para trás.

 

- Doeu? – disse Fei, pegando a espada caída – Que coisa... não senti nada!

 

- Ah, mas eu garanto que vai sentir. Você e todos os seus amigos hão de pagar por me atrapalhar assim!

 

Sailor, que se levantava com dificuldade, andou até o lado de Fei. Deu uma das mãos para ele. Seu rosto estava sangrando. Sua cabeça já não ostentava mais as Asas de Anjo. Ele segurou firme a mão dela. Cada um empunhava suas armas. Hrymm estalou o pescoço. Olhou sério para Namu, o líder dos GMs.

 

- Observe o que faço com estes pobres coitados. Dêem adeus a Rune Midgard, otários.

 

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***

23h30 – Prontera

 

As pessoas começaram a se sentir estranhas. Era como se estivessem vazias. Um grande mal parecia abater-se sobre todos. Os mercadores começaram a tombar no chão. Os passantes, sem entender nada, também caíram. A cidade ficou silenciosa. Não se ouviu um ruído em Prontera.

 

***

 

23h44 – Labirinto da Floresta

 

O silêncio estava destruindo os dois sobreviventes. Leafar e Bonnie estavam sentados, olhando indignados os corpos de Aislinn e Jô Mungandr.

 

- Tenta de novo, Bonnie... – murmurou Leafar, com os olhos ainda nublados de tanto chorar.

 

A Suma Sacerdotisa se levantou. Ela sabia que não funcionaria. Sabia que não teria efeito algum. Mas tirou uma gema azul do bolso da roupa. Concentrou-se na Caçadora caída. Leafar, segurando a mão gélida, ficou esperando. Ouviu Bonnie sussurrar “Ressuscitar”, mas nada aconteceu. O Lorde abaixou a cabeça, de olhos fechados.

 

- Leafar, eu já expliquei e você SABE disso. Eu só posso trazer “de volta” uma pessoa nocauteada ou ferida gravemente. O fato é que ela precisa ter um pouco da chama da vida, para eu reacender com a minha magia divina. Eu não posso CRIAR essa chama da vida. Elas estão definitivamente m...

 

Ela parou de falar. Não havia sentido continuar, pois eles sabiam. As duas estavam mortas. Finalmente Leafar tirou sua capa. Abriu-a no chão e deitou o corpo de Aislinn nela. Enrolou-a então, como se fosse uma mortalha. Sentiu um frio na espinha, e virou-se, junto de Bonnie. Notaram uma mulher trajando um vestido negro, com um corte generoso, exibindo suas belas pernas. Seu cabelo era tão escuro quanto o vestido, e era dona de belos lábios finos.

 

- Bonnie, Leafar – disse ela, séria.

 

- O que é que você está fazendo aqui, Rainha dos Mortos? – um pouco assustada, a Suma Sacerdotisa deu alguns passos para trás.

 

- Não sentiram a onda de energia que se espalhou a partir de Morroc?

 

Os dois se entreolharam. Não responderam, e voltaram a olhar a Rainha dos Mortos, curiosos. Ela balançou a cabeça, complacente.

 

- Tolice a minha. Este Labirinto está acima de muitas das leis deste mundo. Bem, vocês deram sorte. Ou azar. São os dois únicos combatentes de pé em toda Rune Midgard.

 

Leafar se levantou, com os olhos arregalados.

 

- Todos os outros estão mortos?

 

- Pro azar deles, não. Mas o ataque de Hrymm foi tão forte que causou esta onda de energia, que tirou de combate todos que estavam em todas as cidades e lugares pertencentes ao reino de vocês.

 

Em silêncio, a Rainha andou e passou pela dupla. Olhou para os restos de Jestr. Observou então, quieta, os cadáveres de Aislinn e Jô Mungandr.

 

- Engraçado como a energia que irradia do amor é semelhante à energia irradiada pela loucura – disse, olhando as duas mulheres – Ela lutou por amor até o fim. E teria lutado mais, se tivesse continuado viva.

 

- Aislinn era uma boa combatente e companheira – disse Bonnie.

 

- Eu falava da Paladina – a Rainha deu um breve olhar para Leafar – Sinto muito por isso, Lorde.

 

Com um movimento de mão, a Rainha dos Mortos fez com que as duas espadas caídas – a Muramasa e a Katzbalger – voassem e caíssem aos pés de Leafar.

 

- E agora? Vocês dois ficarão aqui velando eternamente estes corpos, ou vão enfrentar seu destino?

 

Bonnie foi até Leafar e segurou-o pelos ombros. Olhou-o diretamente nos olhos.

 

- Leafar... se não lutarmos, mais gente vai sofrer o que sofremos aqui. Você quer que outros sintam a dor da perda que você está sentindo?

 

Os olhos dele, vermelhos de choro, buscaram então a Rainha dos Mortos.

 

- Qual o plano? – disse ele, com a voz claramente amargurada.

 

- Eu mando vocês para Morroc, para o local da batalha. Eu posso ver em seus olhos a preocupação com estes corpos. Não se preocupem, pois há apenas uma alma, das três, que posso reclamar. E se fazem tanta questão, eu mando as duas com vocês. Se por ventura sobreviverem, podem fazer-lhes um enterro digno. Caso contrário, já compartilham a mesma cova no meio do deserto... isso SE sobrar algo de vocês, depois que lutarem contra Hrymm.

 

- Você não vem conosco? – agora foi Bonnie quem perguntou, apertando as mãos, nervosa.

 

- Não. Tenho uma pendência na Ilha Tetra. O Rei precisa voltar ao seu estado normal; é uma questão de honra para mim. Além disso, talvez a sua única chance real de vitória dependa do que acontecer lá.

 

Leafar pegou o Elmo do Orc Herói caído no chão e ajeitou-o na cabeça. Bonnie sorriu, e começou a lançar suas magias nele. Ele prendeu a Muramasa na bainha e segurou firme a Katzbalger.

 

- Mande-nos para Morroc. Isso acaba hoje.

 

- Ah, acaba sim, Leafar. É inevitável – pela primeira vez desde que começaram a conversar, a Rainha deu seu típico sorriso cheio de malícia. Nem esperou eles dizerem mais nada e, com um estalo, viu eles desaparecerem. Porém, assim que eles sumiram, junto com os corpos das duas mulheres, seu sorriso também se foi.

 

- Espero que resistam tempo o suficiente – falou sozinha, enquanto olhava para os restos de Jestr.

 

***

 

0h00 – Arredores do portão sul de Morroc

 

A brisa gelada da noite do deserto recebeu Leafar e Bonnie. Atrás dos dois, os corpos da Caçadora e de Jô também surgiram, como prometera a Rainha dos Mortos. Assim como acontecera com Sailor, ficaram estupefatos ao notar a presença de todos os GMs, rodeando Hrymm.

 

- Ah, então é por isso que não consigo sair daqui! Ainda tem gente querendo pagar de herói!

 

- Hrymm! – Leafar segurou firme a espada.

 

- Mas que mundo pequeno! Os dois generais que ficaram enchendo o meu saco durante a invasão! Bonnie Heart e Leafar Belmont!

 

- Morra, monstro! – Leafar tomou a frente de Bonnie, apontando a espada para o Mestre Ferreiro – Você não pertence a este mundo*!

 

- Rá! Não foi pelas minhas mãos que fui revivido! Eu fui chamado aqui por HUMANOS, que desejavam me pagar tributo.

 

- Tributo?!? Você rouba as almas dos homens e faz deles seus escravos!

 

- Talvez o mesmo possa ser dito de todas as guildas e seus líderes...

 

- Suas palavras são vazias como a sua alma! A humanidade não precisa de um salvador como você!

 

- Humanidade, é? E o que é um homem? – Hrymm deu uma rápida e curta risada – Uma pequena pilha miserável de segredos! Mas chega de papo! Por que não vem pra cima?

 

Novamente, Leafar deu um gole na garrafa, sorvendo o líquido vermelho. Sua coloração mudou para avermelhada e, em seguida, passou para dourada. A lâmina da Katzbalger brilhou duas vezes, ficando translúcida. Sob as bênçãos de Bonnie, avançou contra o Mestre-Ferreiro.

 

O martelo dele, sendo segurado firme, de ponta-cabeça, aparou cuidadosamente os rápidos ataques. Em um jogo de pernas rápido, girou por trás de Leafar e deu-lhe um chute nas costas, fazendo-o cair. No mesmo movimento, arremessou sua arma na Suma Sacerdotisa. Bonnie não conseguiu dizer todo o “Lex Divina”, voando alguns metros na areia do deserto.

 

Aproveitando o momento, Leafar se levantou e bateu forte contra o pescoço de Hrymm. Normalmente o Lorde teria atacado ele nas pernas ou algum outro ponto não-letal. Porém, as perdas recentes tinham tirado-lhe qualquer vontade de pedir para que o inimigo se rendesse ou colaborasse. Tudo que queria era terminar com a vida de Hrymm ali, para finalmente desabar em sofrimento. Mas não teve essa oportunidade. Ficou pasmo ao ver que o Mestre-Ferreiro segurara sua espada pela lâmina, com a mão nua.

 

Bonnie, por outro lado, sentia-se grata por ter utilizado seu sagrado Assumptio no começo da batalha. Ficou imaginando que a dor seria pior se tivesse sentido tamanha força em sua plenitude. Contemplou admirada a arma que a acertara, caída na areia. Passou os dedos na superfície dela e arregalou os olhos.

 

- Por Odin... este é Mjolnir! O martelo do Deus do Trovão!

 

Antes que pudesse ter alguma outra reação, viu a arma voar de volta para a mão livre de Hrymm, que ainda segurava com a outra a espada de Leafar.

 

- Diz pra mim, Leafar – falou ele, com os olhos fechados e um sorriso no rosto, saboreando a surpresa do Lorde – O que vocês acreditam que podem fazer? Quantos mais eu terei que matar para que entendam que a única opção que têm é a rendição?

 

- Jamais vamos nos render, Hrymm. Nosso poder vai...

 

- “Nosso”? – O Mestre-Ferreiro interrompeu, ainda de olhos fechados – Seu e de Bonnie, você quer dizer, não? Porque os GMs ali não farão absolutamente NADA. Foi assim contra seus amigos, os Guerreiros Rúnicos. Uma guilda INTEIRA, Leafar. Dizimados. E seus preciosos GMs não fizeram nada.

 

O Lorde olhou para a linha de GMs que os rodeava. Buscou Namu, o líder.

 

- Isso não é verdade, é, Namu? – Leafar parecia desesperado – Vocês... vocês vão nos ajudar, não é?

 

Hrymm se desatou a rir. Leafar tentou puxar a espada, mas não conseguiu. Viu Bonnie voltando, andando devagar, enfraquecida com o impacto de Mjolnir.

 

- Namu! Oromë! – Leafar voltou a encarar Hrymm, tentando puxar em vão sua espada do aperto da mão dele.

 

- Quer tanto assim sua arma? – finalmente o Mestre-Ferreiro abriu os olhos – Pois eu digo que não!

 

Bateu então com o Mjolnir, estilhaçando a belíssima e larga lâmina da Katzbalger. Apenas a empunhadura e um toco do metal ficaram nas mãos de Leafar, ao mesmo tempo em que sua coloração voltou ao normal. Porém, a seguir, sentiu uma pancada que fez seu corpo inteiro tremer. Perdeu o controle de seus movimentos e ficou sem conseguir nem andar direito – tudo que ecoava em sua cabeça era um baque seco. Sua visão ficou debilitada. Apenas notou o vulto de Hrymm avançar contra o que parecia ser Bonnie. O vulto vermelho dela então tombou no chão.

 

Os olhos de Leafar se firmaram novamente. Já conseguia se mover. Viu a Suma Sacerdotisa caída na areia, desfalecida. Deu um breve suspiro de alívio ao notar o peito dela se movendo com a respiração. Procurou Hrymm com os olhos, mas não achou. Levou então a mão na empunhadura da Muramasa, presa na bainha das costas. Porém, sentiu o punho de Hrymm segurando sua mão; de algum modo, o Mestre-Ferreiro estava atrás dele.

 

- Conhece o significado da palavra “dor”, Leafar? – sussurrou ele, atrás do Lorde.

 

- Eu já apanhei muito nessa vida, acredite.

 

- Ah! Não tanto quanto irá apanhar agora, meu caro...

 

Com um movimento rápido, Hrymm arrancou a Muramasa, com bainha e tudo, das costas de Leafar, emendando-lhe um chute nas costas. Quebrou a espada com um golpe de perna, estilhaçando-a também. O Lorde se virou, apenas para tomar um ataque do martelo no rosto. O elmo do Orc Herói voou longe. Com uma gargalhada insana, o Mestre-Ferreiro atacava sem dó. Seus golpes foram, aos poucos, moendo a armadura metálica de Leafar. Primeiro, destruiu as braçadeiras. Os braços começaram a ficar com hematomas enquanto ele tentava debilmente aparar os ataques. Depois, as ombreiras foram despedaçadas. Mal conseguia levantar os braços, de tanta dor, quando foi atacado nas pernas. Caiu, e Hrymm, de pé, começou a bater no Lorde. Deu algumas dezenas de golpes em alta velocidade e largou o martelo no chão. Arrancou então a placa peitoral com as mãos nuas, erguendo-a acima da cabeça. Levantou-se e virou para os GMs, com o pedaço de armadura no alto, como se fosse um troféu. Deu alguns passos, ainda sorrindo.

- Não resta mais nenhum deles de pé! A vitória é m...

 

Hrymm foi interrompido. Sentiu uma mão puxar seu ombro, virando-o. A seguir, levou um murro na cara. Leafar, de pé, com o rosto inchado, tinha lhe acertado o golpe. Viu Bonnie, se arrastando para perto do Lorde, conjurando curas e bênçãos como podia.

 

- Mas que p**** é essa? – Hrymm, que largara o resto da armadura de Leafar, deu alguns passos para trás enquanto ia sendo atingido. O Lorde continuava atacando. Os golpes eram fortes, mas o que perturbava o Mestre-Ferreiro era que aqueles dois não entendiam que já tinham sido derrotados. Uma Suma Sacerdotisa exaurida e um Lorde sem equipamentos não eram absolutamente nada.

 

Bonnie invocou com sucesso sua Lex Divina no inimigo. Ele, porém, puxou um frasco com um líquido verde do bolso. Um único gole desfez o nó em sua garganta. Ele arremessou então o vidro na Suma Sacerdotisa, atingindo-a no rosto. Correu em sua direção para atacá-la, mas levou uma rasteira de Leafar. Sem perder tempo, o Lorde pulou em cima dele e começou a bater violentamente em seu rosto. Bonnie aproveitou e se jogou em cima dos braços dele, segurando para que Leafar pudesse bater.

 

O Mestre-Ferreiro, por sua vez, além de não estar se ferindo significativamente, começara a rir descontroladamente.

 

- Então é isso? Vocês dois querem brigar comigo? Querem se fazer de exemplo? Pois saibam que são idiotas! Dois idiotas!

 

Hrymm se levantou, ignorando completamente os ataques e o agarrão. Bonnie ficou pendurada em seus braços, enquanto Leafar caiu sentado na areia. Com a mão esquerda ele ergueu a Suma Sacerdotisa, encarando-a nos olhos.

 

- Sabe o que são os cintos que estou usando? São os Megingjard. Dois. Qualquer criança consegue demolir uma casa, de mãos nuas, usando UM deles. Imagine o poder que eles têm em mim!

 

[img[https://2img.net/h/i3.photobucket.com/albums/y84/rafamask/Hora_Zero-capitulo6-cena-2-next_Her.jpg[/img]

 

Bonnie deu um tapa na cara de Hrymm. Ele sorriu e jogou-a para cima. Assim que ela caiu, atingindo a altura do rosto dele, ele bateu forte, um murro certeiro. A Suma Sacerdotisa foi arremessada nos pés da GM Wyla, que virou o rosto, de desgosto e dor.

 

- Oromë... – sussurrou a GM para o amigo ao lado. Ele, porém, olhava indignado para Hrymm, que agora avançava contra Leafar.

 

- Quer brincar de lutinha, Leafar? É isso? – Hrymm deu socos rápidos no rosto do Lorde, que tentava se segurar de pé – Acha que vou te dar o gosto de uma morte rápida?

 

O Mestre-Ferreiro bateu forte no rosto do Lorde, fazendo-o girar e quase cair. Leafar se segurou de pé, em pose de luta, com os punhos fechados e erguidos, mas claramente em situação precária.

 

- Não, Leafar. Você vai me ajudar a mostrar pra eles quem está no topo da cadeia alimentar!

 

Rindo, Hrymm começou a bater. Golpe atrás de golpe, murro atrás de murro, ele começou a massacrar Leafar. O Lorde tombou a primeira vez. Sentiu a textura dos grãos de areia arranhar seu rosto e a lateral de seu peito, já sem a proteção de seu tabbard da Cavalaria de Prontera. Abriu os olhos e viu os GMs. Fitou-os pedindo ajuda, mas notou que eles continuavam imóveis. Ergueu-se, no limite de suas forças. Foi para cima de Hrymm, que defendia sem o menor problema todos os ataques do Lorde, fraquíssimos.

 

- Namu, – Oromë, até então quieto, virou-se para seu líder – nós temos que ajudar eles!

 

- Nossa missão é apenas observar e orientar. Não podemos interferir nas lutas dos aventureiros de Rune Midgard.

 

- Mas ele vai ser morto! – agora foi Wyla quem falou, desesperada.

 

- Mantenham-se em seus lugares.

 

Oromë e Wyla se viraram. Hrymm tinha voltado a atacar. Ele castigava Leafar com seus murros. Era quase possível ouvir as costelas do Lorde rachando com os ataques. Com um olho fechado, roxo, Leafar tentava se defender como podia, mas estava tomando a pior surra de sua vida. Com um ataque direto no rosto, o Lorde tombou pela segunda vez, encontrando a areia do deserto, que invadiu sua boca.

 

- Vocês são um lixo! – Hrymm apontou para os GMs – Eu faço o que quiser com os seus aventureiros! Eu sou mais poderoso do que um deus! Nada pode me deter! Nad...

 

Todos se assustaram. Leafar, débil, estava de pé novamente e tinha dado um murro na boca de Hrymm. O Mestre-Ferreiro deu um passo para trás. Levou um dedo até a boca e passou-o na gengiva. Ao contemplá-lo, notou sangue. Seu punho ficou cerrado, encarando o Lorde ofegante – praticamente um cadáver animado – em sua frente.

 

- Você jamais se gabará de ter arrancado sangue de um deus, mortal! Jamais!

 

Hrymm puxou a mão para trás e bateu com toda sua força. Porém, ao mesmo tempo, ouviu-se um grito alto e determinado, um “Kyrie Eleison”. O golpe atingiu Leafar do mesmo jeito, mas, protegido pela magia, ele apenas tombou de costas. Hrymm olhou para Bonnie, que estava desmaiada. Notou então a GM Wyla em postura de quem tinha acabado de lançar uma magia. Ficou surpreso.

 

- Wyla – Namu falou, com a expressão serena – você não deve interferir diretamente na vida dos homens. Todas as batalhas e glórias são deles... assim como eventuais derrotas.

 

- Pro inferno com isso então! Me recuso a ficar parada aqui, olhando!

 

Com um flash de luz rápido, a roupa alva de GM sumiu do corpo da elfa, sendo prontamente substituída por uma roupa de Suma Sacerdotisa. Um Elmo Angelical verde, finamente trabalhado, surgiu em sua cabeça, enquanto um bastão delicado e um broquel apareceram em suas mãos. Ela correu, se colocando entre Hrymm e Leafar. O Lorde, caído, tentava balbuciar um “obrigado”, mas não tinha forças para isso. Hrymm não deixou de sorrir novamente.

 

- Acredita que, sozinha, é capaz de me deter, GM? – disse ele, olhando-a nos olhos.

 

- Sozinha não.

 

Wyla e Hrymm se viraram para ver o autor da frase. Oromë encarava Namu, que continuava calado.

 

- Sozinha não – repetiu ele – Ela terá ajuda.

 

Oromë tirou o manto alvo de GM e deixou-o nos pés de Namu. Apenas de calça, correu na direção de Wyla. Deu um pulo e, a exemplo dela, em um flash rápido, estava trocado. Usava uma armadura completa de Lorde. Tinha uma espada de duas mãos presa nas costas. Estava montando um Peco Peco, no qual tinha um Bardiche pendurado, além de segurar firmemente uma espada e um escudo. Uma linda Coroa do Deus Sol estava protegendo completamente sua cabeça.

 

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- Agora sim isso ficou interessante! – Hrymm espalmou a mão. Mjolnir voou da areia direto para ela, sendo segurado com firmeza.

 

O Mestre-Ferreiro encarou a nova dupla de Suma Sacerdotisa e Lorde. Leafar tentou acompanhar, mas a dor começou a ficar insuportável. Pendeu a cabeça para trás e fitou o céu estrelado. Ouviu os brados de batalha de Wyla e Oromë que, junto com o som das armas se batendo, começaram a ficar distantes, como se tudo aquilo fosse um sonho. Seus olhos se fecharam. Leafar então não ouviu mais nada.

 

***

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CAPÍTULO 7

 

 

 

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Capítulo VII – Adeus, amigos

 

 

Data desconhecida

Hora desconhecida

Local desconhecido

 

- Aqui estão suas coisas, Leafar.

 

A GM entregou um punhado de itens, enrolados em um manto, para o Cavaleiro. Havia algo errado, mas ele não sabia dizer o que era. Balançou a cabeça e piscou forte. Usava uma roupa de cavaleiro novinha, com os tons em marrom, típicos da cavalaria de Prontera, além da capa da mesma tonalidade.

 

- Obrigado, Wyla. Eu não sei como fui tolo a ponto de ser roubado dessa maneira.

 

- Não crie uma úlcera por isso, amigo. Não vale a pena. Infelizmente, muita gente ruim circula por Rune Midgard. Você deu sorte de termos recuperado suas coisas. A maioria perde assim, por pura inocência.

 

- É... sabe, eu ainda acredito nas pessoas.

 

- Eu sei, Leafar. E não mude por causa disso. O que uma pessoa lhe faz de errado não pode servir de parâmetro para que você julgue todas as outras. Cada ser humano é de um modo. E se você aprendeu sua lição, transmita para os demais, para que eles não percam, igual a você quase perdeu.

 

- Você está certa. Bem, eu vou voltar para a minha casa agora.

 

Wyla sorriu, olhando o Cavaleiro. Ele segurava suas coisas com as duas mãos. Parecia muito sem jeito. Um sorriso bobo estava em seu rosto, mesclado a um olhar extremamente confuso.

 

- Eu moro em Payon, sabe? – disse ele, inseguro – Tenho uma casa pequena, ao lado da guilda dos arqueiros. É bem gostoso de morar lá. Tem barracas de frutas e legumes ali perto...

 

A GM olhou compadecida para Leafar. Ele olhava ora para os equipamentos em suas mãos, ora para ela.

 

- Tenho uma esposa e uma filha também. – seus olhos se apertaram, como se ele tentasse se lembrar – São... bem fortes. Você tem que ver como ela usa o arco! E a menina sabe lutar... ela... ela sabe lutar! Tenho muito orgulho delas.

 

Lentamente, Wyla andou até Leafar. Pegou os itens de suas mãos e colocou-os no chão. O Cavaleiro passou a mão na cabeça, confuso. Não conseguia ver onde estava.

 

- Isso... nada disso aconteceu... não comigo, não é? Foi com o clone...

 

Wyla assentiu lentamente com a cabeça. Leafar olhou para os próprios trajes. Segurou o tabbard com o brasão da cavalaria de Prontera, esticado pelos dedos metálicos das luvas que usava.

 

- Eu nunca vivi essa vida. Eu era um sacerdote. E eu ia viver escondido, até que mataram meu clone, o que foi Cavaleiro. E aí eles apareceram...

 

Atrás de Wyla, uma grande bandeira negra surgiu. Era possível ver nela uma estrela de cinco pontas branca, de ponta-cabeça, rodeada por um círculo da mesma cor.

 

- A Ruína de Rune Midgard, liderada pelo Gran Lord Surtr. E eu, por intermédio de Odin, abri mão dos dons do sacerdócio. Recebi as habilidades de Cavaleiro do meu “outro eu”. Mais que isso, eu ganhei minha armadura, aprendi novas técnicas e fui nomeado Lorde.

 

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Tudo ficou claro. Leafar notou que estava em Prontera, na praça com o monumento das Mãos da Aliança. A estátua, originalmente, representava a aliança entre Rune Midgard e a República de Schwatzvald, como presente de Juno para Prontera. Depois da guerra contra a Ruína de Rune Midgard, porém, o monumento agregou o valor da amizade entre os aventureiros, o Rei Tristan III e os GMs.

 

A bandeira negra tremulava atrás de Wyla, fincada na base do monumento. Leafar andou até ela e arrancou-a. Não se assustou quando notou que vestia agora sua armadura metálica de Lorde, reluzindo um sol gostoso, com a capa escarlate sendo agitada pelo vento. Alguns fios de cabelo dourado agitavam-se em sua testa.

 

- Eu assumi o lugar do meu clone, liderando a Ordem do Dragão. Reuni todos os lutadores aptos do reino e defendemos as cidades. Junto com Bonnie, Fei e Sailor, enfrentamos cada criatura que ousou profanar o solo de nossa terra. E com o poder de todo o povo, derrotamos o doutor Eggther, Surtr e todos os seus asseclas.

 

O Lorde sentiu um arrepio. Virou-se, na direção do castelo. Viu a si mesmo, como Cavaleiro, abraçado à Aislinn, sentados na ponte ao lado do castelo. A garotinha ruiva, filha deles, corria atrás de uma borboleta azul, em volta do casal.

 

- Mas tudo que eu queria, Wyla, era viver como ele. Só isso. Só queria viver minha vida em paz. Com uma família, a mulher que amo e tudo isso que esperamos, sabe?

 

Wyla pegou Leafar e puxou ele pela mão. Começaram a andar na direção da Catedral de Prontera. O sol desenhava no solo a sombra da construção magnífica. Um som de órgão podia ser ouvido, vindo de dentro dela, complementando aquela que parecia uma agradável tarde de verão.

 

- Não foi seu clone que lutou contra a Ruína de Rune Midgard, Leafar. Não foi ele que conheceu Bonnie Heart, que se tornou uma de suas melhores amigas.

 

Leafar olhou para Wyla. Seu coração estava disparado. Ainda sentia um pouco de confusão. Ela continuou andando com ele, conduzindo-o para a parte posterior da Catedral.

 

- Não foi ele que se tornou um dos generais de confiança do Rei. Também não foi ele que batalhou ao lado de todos os heróis e venceu a Ruína de Rune Midgard. Foi VOCÊ!

 

Os dois pararam em frente a um jazigo, no pequeno cemitério. Leafar rapidamente reconheceu o lugar: era onde estavam enterrados os Belmont – membros de sua família – já falecidos. Assustou-se, pois o jazigo estava aberto, pronto para receber mais um caixão. Ajoelhou-se e leu os nomes “Julian Belmont” e “Elessar Cerridwen Belmont”, gravados em placas douradas, cravadas na lápide. Seus olhos, porém, pararam no terceiro nome: “Leafar Cerridwen Belmont”.

 

- Por outro lado, quem está enterrado aí também não é você. Você não tem o nome do meio, porque você nunca se casou, nem com ela, nem com ninguém. E nunca teve uma filha.

 

Wyla se abaixou, do lado do Lorde confuso, e colocou sua mão no ombro dele. Olhou-o com carinho e ternura.

 

- Eu realmente queria uma vida como a dele – disse Leafar, olhando o nome do clone, morto, ironicamente, por Aislinn, em uma situação que pertence à outra história, e enterrado ali há alguns meses.

 

- Você falou tudo agora. “Vida” e “dele”. Deixe o que passou em seu lugar; no passado. Agora é a hora de viver sua própria vida e escrever a sua história, meu amigo.

 

O Lorde notou uma placa de nome para o jazigo. Pegou-a, e reparou que ela estava em branco. Olhou novamente para a GM.

 

- É fato, Leafar. O jazigo de sua família receberá mais um caixão no final disso tudo. E cabe a você escolher se será apenas um caixão... ou dois.

 

Ele largou a placa e se levantou. Notou que as árvores soltavam folhas – exatamente como no Labirinto da Floresta.

 

- Nós não estamos no verão – disse Wyla – Estamos no Equinócio de Outono. É o momento de renovação, quando as coisas velhas morrem, para dar lugar às novas.

 

Leafar olhou a aliança de casado no dedo. Moveu seu olhar lentamente para encontrar o de Wyla.

 

- Ela está morta, não está? Definitivamente...

 

A GM apenas assentiu lentamente com a cabeça. Abaixou-se e pegou uma folha, seca sob o efeito da estação do ano, e colocou-a na mão direita do Lorde, que segurou-a com a luva metálica.

 

- Quem não está pronto para mudar, não está pronto para viver, Leafar. Vá e viva a sua vida. E faça o que você tem que fazer.

 

- E o que eu tenho que fazer?

 

- O que você sempre fez.

 

Leafar deu alguns passos para o lado. Olhou aquela família, ao longe, sentada na frente do castelo, aproveitando o sol. Um pequeno sorriso nasceu no canto de sua boca. Olhou então a luva de metal da mão esquerda. Removeu-a e notou a aliança, previamente recebida da Caçadora. Retirou-a devagar e foi até o jazigo. Abriu a mão e deixou-a cair na escuridão do túmulo. Respirou fundo e olhou a GM, com sua roupa alva, observando-o pacientemente.

 

- ... ... ...eu lutarei – disse ele.

 

- Então acorde, Leafar. Acorde...

 

Wyla sorriu. Leafar olhou para o céu, que começou a ficar mais intenso. Parecia que o sol estava engolindo Prontera. Tudo ficou claro. Não se ouvia mais sons, ou folhas, ou vento. O silêncio tomou conta do local, seguido por uma escuridão sem fim.

 

***

 

Deserto de Morroc

 

O Mestre-Ferreiro estava suando. Os músculos de seus braços nus estavam rígidos, segurando firme o Mjolnir. Seria uma situação tipicamente tensa de batalha, se não fosse pelo sorriso que não saía de sua boca.

 

- Finalmente um pouco de desafio! – comemorou, encarando a dupla em sua frente – Enfim enfrento pessoas dignas de meus golpes mais poderosos!

 

- Não vejo motivo para esse tipo de comemoração - Oromë apontou o Bardiche para Hrymm – Sua vida findará em mais alguns momentos.

 

- Mas eu estou elogiando vocês! São a melhor dupla de Lorde e Suma que enfrento hoje!

 

Wyla atacou Hrymm com sua Lex Divina, mas ele habilmente sorveu um gole de um frasco que continha uma bebida verde. Fez então um “não” com o indicador da mão livre.

 

- Linda, esquece. Não é assim que vão me vencer. Aliás, não sei por que insistem. Vocês eram GMs. Conhecem o nível do meu poder. E admitam: vocês dois, sozinhos, não são capazes de me derrotar.

 

Oromë e Wyla trocaram um rápido olhar. A Suma Sacerdotisa esticou sua mão para a frente, e um anjo surgiu em cima do Mestre-Ferreiro. Espadas translúcidas desceram do anjo até o homem. O Peco de Oromë bateu em disparada, na direção do inimigo. Seu Bardiche atacou em alta velocidade, com o Perfurar em Espiral. A ponta rodou em movimentos circulares, e a arma atingiu várias vezes Hrymm. Para a surpresa de ambos, porém, ele continuou de pé.

 

- Você QUASE me machucou, Oromë. Mas queria ver você fazer isso de novo sem a sua arma!

 

O Mjolnir bateu forte, fumegante. A poderosa lança foi destroçada. O Peco se assustou, dando alguns passos para trás. Na seqüência, Hrymm bateu com a arma divina, mas uma aura branca, que envolvia o Lorde, amenizou consideravelmente o ataque. Oromë sacou então o sabre da cintura e o escudo pendurado no Peco.

- Malditos Híbridos – Hrymm suspirou pesadamente, um pouco irritado.

 

- Essa luta está longe de terminar, traidor! – Oromë apontou o sabre para ele, enquanto Wyla renovava suas bênçãos.

 

Hrymm não respondeu de imediato. Na verdade, um sorriso surgiu em sua boca. Gostou do Elmo do Deus Sol que o Lorde usava, e ficou imaginando como ele ficaria em sua própria cabeça. Porém, teve que parar de viajar em seus pensamentos. O sabre do Lorde rasgava o ar, violento, em sua direção.

 

***

 

Uma sensação de calor e bem estar tomou conta do corpo de Leafar. A primeira coisa que ouviu foi o som de batalha. Seus pensamentos começaram a se reorganizar. Lentamente abriu os olhos. Tinha alguém ajoelhado do seu lado. O borrão vermelho começou a tomar forma, até ficar nítido.

 

- ...Bonnie... – disse com alguma dificuldade.

 

- Viu? – disse ela, piscando, mesmo com o rosto ferido – Só posso “Ressuscitar” alguém que foi nocauteado e ainda tem a chama da vida. Aliás, não sei por que os padres deram esse nome a essa magia...

 

A Suma Sacerdotisa ajudou Leafar a ficar sentado. Ele estava sem a armadura, com o tabbard rasgado. Sentia a dor penetrante de costelas quebradas. Rapidamente, Bonnie usou sua Cura no Lorde. A magia tirava instantaneamente a dor, mas não curava os traumas da batalha; tampouco lhes renovava o vigor ou tirava o cansaço da luta.

 

Ela, com a roupa também rasgada, sangrando e com hematomas, utilizou seu Magnificat e sentou-se ao lado de Leafar. Ficaram olhando o combate de Oromë e Wyla contra Hrymm. O Mestre-Ferreiro agora não estava brincando. O som de seus golpes seria suficiente para quebrar janelas, caso houvessem algumas por ali, no deserto. Wyla e Oromë eram excelentes combatentes e pareciam muito bem equipados.

 

- Eles lutam como titãs – disse o louro, com as mãos espalmadas na areia, olhando.

 

- Aquilo é luta de gente grande. Ainda bem que eles resolveram fazer alguma coisa.

 

“Eles?” A frase despertou a revolta do Lorde. Ele se virou e notou o restante da equipe de GMs ali. Estavam todos parados, olhando.

 

- Escuta, - disse Leafar – vocês querem uma pipoca? Eu posso providenciar bebidas também!

 

Ninguém disse nada. A dupla se levantou e parou na frente do líder dos GMs.

 

- Você nos agradeceu pela ajuda na batalha contra a Ruína, Namu! – Leafar balançou a cabeça negativamente – Faça alguma coisa!

 

- Foram muito bem em sua missão – disse ele, sem tirar os olhos da luta de Oromë e Wyla – Derrotaram Jô Mungandr e Jestr. Basta Hrymm tombar e a paz novamente reinará.

 

- Você tá brincando? – Bonnie foi para mais perto de Namu – Duas amigas morreram! A pobre coitada da Jô nem era malvada, no final das contas! A Aislinn foi morta na nossa frente! A Sailor sumiu... e você vem falar que fomos muito bem?

 

- Por falar nisso, o que foi que Hrymm falou sobre ter derrubado os Guerreiros Rúnicos? Essa é a guilda da Sailor!

 

- Sinto muito pelos seus amigos, Leafar. – Namu continuou olhando a batalha, notando que Wyla e Oromë não estavam tendo muito sucesso.

 

- Como assim? O que aconteceu?

 

- É sabido que o martelo do deus do trovão acumula certa quantidade de energia – disse o líder dos GMs, com a voz calma de sempre – E essa energia pode ser liberada ocasional e periodicamente.

 

Bonnie sentiu o coração disparar. Olhou para o chão e notou um colar com uma pedra amarela, com uma runa marrom desenhada. Era igual ao que Sailor usava quando partiram para enfrentar Jô Mungandr. Pegou-o e, sem dizer nada, chocada, entregou-o para Leafar.

 

- Namu! O que isso significa?

 

- Significa que ou Hrymm utilizava este poder, ou seus amigos teriam tido uma chance. Por outro lado...

 

- Por outro lado o quê? – Bonnie interrompeu, segurando inconsciente a própria saia, nervosa.

 

- Por outro lado, o sacrifício deles garante que Hrymm não usará este poder novamente por algum tempo.

 

O líder dos GMs voltou a se calar então, olhando a luta. Leafar e Bonnie se entreolharam. “Sacrifício?”. Isso só podia significar uma coisa, e os dois não queriam aceitar. Não bastassem as mortes de Aislinn e Jô, agora, pelo visto, Sailor e Fei, com os demais companheiros de sua guilda, estavam mortos?

 

Um grito então chamou a atenção da dupla. Viraram-se a tempo de ver Wyla aterrissando, arremessada por Hrymm. O Elmo Angelical dela saiu de sua cabeça. Seu cabelo azul cobriu sua cabeça, caindo por cima das orelhas de elfa. O Mestre-Ferreiro sorriu e avançou contra Oromë.

 

- Bonnie...

 

Leafar não precisou continuar. O entrosamento da dupla era perfeito. A Suma Sacerdotisa entendeu e correu. Espalmou as mãos, invocando suas bênçãos sobre Oromë. Leafar, por sua vez, correu até Wyla, caída na areia do deserto de Morroc. Ajoelhou ao lado da GM, colocando cuidadosamente a cabeça dela em seu colo.

 

- Ei... acorda...

 

Ela abriu os olhos, devagar. Sorriu, reconhecendo o Lorde louro.

 

- Eu que devia ter dito isso... – disse ela, com sangue escorrendo do canto de sua boca.

 

O Lorde ajudou-a a ficar de pé. Pegou o Elmo Angelical caído e entregou para ela. Wyla recusou, deixando-o na mão dele. Tossiu e invocou sua Cura.

 

- É impossível derrotá-lo enquanto ele possuir o poder de um deus.

 

- Não pode ser! – retrucou Leafar – Nós o vencemos em Prontera!

 

- Todas as pessoas, juntas, tinham o poder equivalente ao de um deus. Nem Oromë e eu, nem Bonnie e você, neste momento, temos. As botas e o martelo são itens espetaculares, sem dúvidas. Mas enquanto ele estiver usando aqueles cintos, não há esperanças.

 

Leafar sentiu-se impotente. Estava sem sua armadura. Suas duas espadas estavam quebradas. Não fazia a menor idéia de onde estava seu elmo – isso para não dizer dos ferimentos e hematomas. Olhou para Oromë, em seu Peco, que agora usava a espada de duas mãos – Hrymm tinha destruído também seu sabre – e sentiu-se um nada. “Que falta faz uma funcionária Kafra por aqui!”, pensou.

 

- Não fique triste pelo que aconteceu com Sailor e seus amigos – disse a GM, tirando a areia do rosto.

 

O surrado Lorde não respondeu de imediato. Eram tantas as dores das perdas que simplesmente não tinha por onde começar qualquer tipo de sofrimento.

 

- Eles foram corajosos. – continuou ela – Fei era apenas um espadachim, mas não deixou de lutar. E ele arrancou uma lasca de um dos Megingjard de Hrymm.

 

Pobre Fei. Leafar lamentava demais por não ter tido tempo para conversar com o amigo, marido de Sailor. Nem com a própria mercenária. Wyla se aproximou do Lorde e olhou-o nos olhos.

 

- Sabe o que isso significa?

 

- Não, Wyla.

 

- Que é possível.

 

- O que é possível?

 

Wyla não respondeu. Virou o rosto na direção dos outros GMs, em suas vestes brancas. Uma lágrima tímida nasceu em seus olhos, deixando-os marejados. Voltou a olhar ternamente para o Lorde.

 

- Até onde você lutaria pela paz, Leafar?

 

- Até o fim.

 

- Daria sua vida por ela?

 

- Sim – a resposta foi rápida.

 

Wyla olhou para Leafar. Sorriu e se aproximou. Deu um beijo em seu rosto, deixando-o perplexo. Ainda sorrindo, voltou a olhar o duelo de Hrymm e Oromë.

 

- Eu também, meu amigo... – disse ela, sumindo, como efeito típico do Teleporte.

 

Bonnie não acreditou no que aconteceu a seguir. Na verdade, aquela cena povoaria seus pesadelos nas próximas semanas. Mas ela viu Wyla surgir na frente do Mestre-Ferreiro e, rapidamente, passar seus braços em suas costas, abraçando-o. Oromë, por um breve segundo, hesitou. Viu então a Suma Sacerdotisa deitar a cabeça no ombro de Hrymm, que não conseguia se mover – e se defender, conseqüentemente. O Lorde então ficou de pé em seu Peco. Olhou de soslaio para os GMs, em uma fração de segundos. Seus olhos então buscaram os de Bonnie, com determinação. Voltou a encarar Hrymm plenamente, de dentes rangidos. Flexionou as pernas e saltou para a frente, em um ataque suicida, expondo todo o seu corpo, com a espada sendo segurada firme pelas duas mãos, acima da cabeça.

 

Hrymm ficou desesperado. Tentava mover o martelo, mas o abraço de Bonnie, segurando pela frente, não deixava. Notou com horror a espada se aproximando, com a lâmina translúcida. O metal acertou Wyla ao lado do pescoço, e começou a descer, cortando-a tão fácil quanto faca quente na manteiga. O Mestre-Ferreiro berrou, enquanto a lâmina também feria seu corpo.

 

Quando o corpo de Wyla, dividido, tombou no chão, Hrymm balançou o Mjolnir. Foi tudo muito rápido, muito sincronizado; algum expectador que tivesse piscado, não teria visto absolutamente nada. Mas Hrymm acertara Oromë exatamente no final do golpe do Lorde, na cabeça. A Coroa do Deus Sol caiu no chão, banhada de sangue.

 

O silêncio foi macabro no deserto. O rosto de Bonnie estava salpicado com o sangue de Oromë. Hrymm, por sua vez, apenas soltou ar pelo nariz, em tom de deboche, se abaixou e pegou a Coroa do Deus Sol. Balançou a cabeça negativamente.

 

- Amassei a p**** da coroa. Mas que d...

 

Parou de falar ao notar Leafar observando algo. A princípio, pensou que o inimigo estava chocado, assim como a Suma Sacerdotisa, pelos assassinatos na frente deles. “Ou pode ser por causa da minha cicatriz nova”, pensou, referindo-se ao ferimento causado por Oromë. Mas notou que Leafar olhava para o chão perto do Mestre-Ferreiro.

 

Hrymm também olhou e abriu a boca, assustado. Deu alguns passos para trás, descrente: na areia, os dois Megingjard estavam caídos, cortados ao meio.

 

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A fúria começou a tomar conta de Hrymm. Ele virou o olhar na direção dos GMs, que continuavam estáticos. Com a expressão tomada pela fúria, olhando Leafar, levou a mão para trás, apertando com força o cabo de Mjolnir.

 

- Com ou sem meus cintos, você vai morrer, seu lixo! – Hrymm babava de tanta raiva – Quero ver o que vai te salvar agora!

 

O martelo foi arremessado com toda a violência possível. Leafar cruzou os braços na frente do corpo e fechou os olhos. “Morri”, pensou. Mas ouviu um som metálico, alto, bem na sua frente. Abriu os olhos, e percebeu que algo ofuscava sua visão – era o brilho dourado de uma armadura de Paladino, em forma de um homem de pé, parando o ataque na sua frente.

 

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Boquiaberto, viu, a alguns metros, a Rainha dos Mortos com a mão espalmada na mesma posição da armadura que o salvara.

 

- Essa armadura... – Hrymm abriu os olhos, indignado, enquanto o martelo voltava para suas mãos.

 

- ... esta armadura – continuou a Rainha dos Mortos – é a armadura que você reconheceu. É a armadura de Naglfar!

 

- Impossível! – Hrymm, com os lábios secos de raiva, gritou – Naglfar é meu aliado e está...

 

- ... arrependido. – novamente a Rainha dos Mortos interrompeu o Mestre-Ferreiro – No final das contas, Hrymm, ele é um herói.

 

- VOCÊ ESTÁ MENTINDO!

 

- Se estou mentindo, como poderia saber que você, Jestr e Jô tinham combinado com Surtr seu “plano reserva”? Vocês sabiam que, sem se matar, iriam para Nifleheim.

 

Hrymm ficou calado. Apertou os olhos, assustado. A Rainha dos Mortos soltou seu típico sorriso malicioso.

 

- Como eu saberia, se minto, que seu plano incluiria um alguém indo lhes pedir uma “lasca da árvore de Yggdrasil”, como sinal de que era o momento de sua escapada? E mais... como eu saberia que Jestr, no meio da fuga, atingiu Tristan com uma adaga embebida em veneno de Morroc?

 

- Quer dizer que... – Hrymm estava quase sem palavras - ... quer dizer que Tristan não morreu?

 

- Sua farsa pelo menos serviu para que aquela pobre Exorcista, exilada de Prontera, pudesse se redimir.

 

O Mestre-Ferreiro não aceitava aquilo. Apenas os membros da Ruína de Rune Midgard tinham aquelas informações e sabiam daquele plano. Surtr, entendendo que havia uma chance de derrota, deixou esse plano reserva combinado com seus seguidores. O trio devia lutar até o final sem se matar, para ir para o círculo “normal” do inferno ao invés do círculo dos suicidas. Ao receberem o sinal, deveriam reunir as essências de MVPs e reviver Naglfar, Fjalar, Garm, Hatii e Fenrir, para que, juntos, trouxessem ele próprio de volta da morte. O veneno de Jestr também era outro segredo, para tirar de modo discreto a vida do Rei, em forma de doença. E a Rainha dos Mortos esfregava-lhe isso na cara. Ela sabia. Isso significava que ela tinha realmente falado com Naglfar. E ele traíra o grupo.

 

- Reconheço que foi “sagaz”, Rainha – disse Hrymm, apertando forte o cabo de Mjolnir – Mas também reconheço que não está em seu reino. Está no mundo dos vivos. E eu estou vivo. Seus poderes não me assustam aqui. O máximo que pode fazer é invocar monstros mundanos, desses que eu posso vencer com um mero espirro. Quem vai me impedir de te destruir, “linda”? – falou, com sarcasmo no elogio.

 

- Ele vai – ela olhou para Leafar, que devolveu o olhar com uma expressão assustada de “eu?”.

 

- Não costumo fugir de batalhas – disse o Lorde, com o coração disparado – e nem pretendo fazer isso agora. Mas... eu conheço os meus limites. Apanhei até agora, Rainha. Pra piorar, ainda estou desarmado e sem armadura...

 

- Quem disse?

 

Ao dizer isso, a Rainha dos Mortos levantou os dois braços. Leafar sentiu uma força invisível erguê-lo no ar. As mãos da Rainha se juntaram, e a armadura dourada de Naglfar reagiu. As peças se desprenderam da formação em que estavam e voaram na direção do corpo ferido do Lorde. Primeiro, as botas, caneleiras e joelheiras se prenderam em suas pernas. Os restos de suas luvas metálicas, quebradas, foram substituídas pelas da armadura de Paladino. Por fim, a placa peitoral se encaixou em seu peito e costas, tendo ombreiras e capas finalizando a montagem. Do mesmo modo que fora erguido, Leafar pousou no chão. Novos movimentos de mãos da Rainha dos Mortos fizeram o Elmo Angelical de Wyla e a espada de duas mãos que Oromë usara irem para as mãos do Lorde, inusitadamente vestido como um Paladino de armadura dourada.

 

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Leafar não sentia mais a dor dos ferimentos. Parecia renovado, sem cansaço ou estafa. Segurou firme a espada e ajeitou o elmo na cabeça. Sorriu ao ver sua poção da Fúria Selvagem na areia. Pegou-a e tomou um gole.

 

O brilho chamou a atenção de Bonnie. A aura dourada da armadura do primeiro herói de Rune Midgard, no corpo de Leafar, teve um efeito moral positivo momentâneo e fundamental. A Suma Sacerdotisa se levantou e correu para o lado dele.

 

- Vocês não vão me vencer... – Hrymm falou baixo, dando um passo para trás.

 

Bonnie, rangendo os dentes, invocou todas as suas magias sobre Leafar, de Angelus a Assumptio, terminando ao som da Glória. A Rainha dos Mortos puxou um chicote. Com um estalar de dedos, um bandolim surgiu flutuando do seu lado. Ela olhou para Leafar e mandou um Beijo da Sorte. A seguir, virou para o instrumento musical flutuante que a acompanhava.

 

- Anel dos Nibelungos, em Ré sustenido maior – disse ela.

 

Ao som do bandolim, a Rainha dos Mortos começou uma dança especial, que poucas Odaliscas e Ciganas conheciam. Seu corpo movia-se com sensualidade, como se estivesse aumentando a intensidade das notas tocadas pelo bandolim flutuante. A espada de duas mãos de Leafar reagiu com a melodia. Algum tipo de aura a envolvia por causa da música. Como se não bastasse, Leafar ainda fez a lâmina brilhar duas vezes em dourado, com suas próprias técnicas da Lâmina de Aura e da Dedicação.

 

- Vamos sim – concluiu a Rainha dos Mortos, em meio aos movimentos sensuais de sua dança – Acredite, “lindo”...

 

***

 

 

 

CAPÍTULO 8

 

 

 

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Capítulo VIII – A batalha final

 

Dedicado a Daniel "NIORI" Uires - sem você, não teria acontecido. Foi uma honra trabalhar do seu lado, amigo!

 

***

 

O som da melodia da Rainha dos Mortos invadia os arredores. A areia do deserto era tomada pela sinfonia, enquanto os corpos dos três combatentes brilhavam com uma leve aura branca – cortesia do Assumptio de Bonnie Heart. A espada de duas mãos de Leafar reagia com o som dos acordes do bandolim flutuante. Hrymm não acreditava no que via. Há alguns instantes, o Lorde mal era um candidato a cadáver. Agora ostentava um brilho dourado forte e vivo, proeminente de suas técnicas e sua nova armadura.

 

- Vocês não podem me vencer. Não têm o poder suficiente para isso!

 

Com um berro, Hrymm avançou. O Mjolnir ficou fumegante em suas mãos. Não queria mais perder tempo, não iria mais brincar. O martelo, com um rastro de fogo, cortou o ar escuro da madrugada. A expressão de surpresa, já não mais inédita, repetiu-se no rosto do Mestre-Ferreiro – seu ataque não destruíra a espada de Leafar, igual fizera com as armas de Sailor, Fei, Oromë, Wyla e tantos outros.

 

Notando a expressão do inimigo, Leafar segurou firme a espada, apontando-a para Hrymm.

 

- Você se gaba tanto de seus itens divinos que não dá atenção para os outros tipos, não é? – Leafar falou olhando nos olhos dele – Pois saiba que a espada de duas mãos de Oromë é a Zweihander. É a mesma arma que o Doppelganger usa, Hrymm. Força nenhuma do mundo pode danificá-la.

 

- Mas eu ostento o poder de um deus! – com raiva, o Mestre-Ferreiro repetiu o ataque. Leafar, com precisão, aparou todos eles, segurando firme a Zweihander, cuja lâmina permanecia translúcida e dourada, por causa de suas técnicas.

 

Os ataques continuaram. O Mjolnir dançava furioso. Leafar bloqueava todos os ataques. Sua própria velocidade e agilidade rivalizavam com as de Hrymm. Bonnie, de dentes cerrados, mantinha o Lorde com suas habilidades maximizadas, graças às magias que utilizava. A Rainha dos Mortos, com um sorriso nos lábios, assistia ao combate enquanto dançava, gerando bênçãos para seus amigos. Os GMs, passivos, mesmo diante dos corpos de Oromë e Wyla, continuavam apenas olhando.

 

Mudando de técnica, Hrymm ergueu Mjolnir acima da cabeça. Deu então um golpe no chão, fazendo tudo tremer. Em um movimento rápido de mão de Bonnie, anjos passaram abençoando Leafar e a Rainha dos Mortos; nem mesmo o ataque atordoante de Hrymm era eficiente. Atormentado, viu naquela luz dourada da armadura a causa de seus problemas. A arma divina novamente ficou fumegante. Com ódio, bateu no peitoral metálico de Leafar. O som de metal contra metal ecoou na noite, morrendo no fundo dos olhos de Hrymm, arregalados, vendo que não tinha nem arranhando a fabulosa armadura.

 

- É minha vez – disse o Lorde.

 

Leafar normalmente teria sorrido. Mas gente demais já tinha morrido. Muito sofrimento os aguardaria na manhã seguinte, se sobrevivessem. E aquilo precisava acabar o quanto antes. Avançou e bateu. Hrymm começou a recuar. Enquanto um anjo, invocado por Bonnie, o atingiu com várias espadas translúcidas, outro abençoava Leafar, aumentando sua força.

 

O que aconteceu, porém, foi que o Mestre-Ferreiro também conseguiu se defender dos ataques do Lorde. Com rapidez em manusear o Mjolnir, bloqueou cada ataque. Leafar era naturalmente rápido; era raro alguém que conseguisse contar quantos ataques ele conseguia desferir por segundo. Hrymm, porém, sem piscar, defendia todos. Leafar olhou a Muramasa quebrada caída. Com ela, certamente teria acertado todos os golpes. Porém, pela experiência, sabia que não existia uma arma ou armadura definitiva. Cada ocasião pedia um tipo de arma e de estratégia. E o ganho de uma arma indestrutível tinha a perda de ataques certeiros, como parte do sistema natural de equilíbrio do mundo.

 

Os dois se afastaram. Encararam-se por breves segundos, em silêncio. Como se tivessem combinado, correram um contra o outro, com as armas em riste. Bateram-se, e uma pequena explosão de luz aconteceu. Quando o brilho diminuiu, os dois estavam medindo forças – espada contra martelo. Por fim, Hrymm afastou o Mjolnir e bateu, fazendo Leafar voar para trás. O Lorde rolou na areia e parou de pé, entre Bonnie e a Rainha dos Mortos.

 

- Não tem como... – Leafar engoliu seco, olhando o Mestre-Ferreiro.

 

- Não pode ser – Bonnie se adiantou, ficando ao lado do Lorde – Tem que ser possível. Já vencemos ele uma vez.

 

A Suma Sacerdotisa olhou para a Rainha dos Mortos, determinada.

 

- Vamos atacar ele juntos – disse, erguendo os punhos fechados na altura do peito. A seguir, correu para a direção de Hrymm. Ele, quando a distância mínima foi alcançada, bateu com o Mjolnir. Bonnie, porém, se teleportou, fazendo-o acertar apenas o ar. Apareceu a alguns metros dele. Espalmou as mãos e disparou sua Luz Divina. A Rainha dos Mortos, de onde estava, estalou o chicote, disparando um verdadeiro vulcão de flechas. Tão logo os projéteis acabaram, Leafar veio correndo e bateu com seu Impacto de Tyr. Hrymm foi arrastado alguns metros para trás, com as mãos cruzadas diante do corpo. O sorriso em seus lábios denunciava que os ataques não foram o suficiente para lhe ferir.

 

Leafar e Bonnie olharam para a Rainha dos Mortos, na esperança de alguma orientação ou solução. Mas ela parecia tão aflita quanto os dois. O Lorde sentiu então a mão suave da Suma Sacerdotisa, como em tantas outras vezes, tocar seu ombro.

 

- Vocês podem evitar que ele me ataque por algum tempo? Preciso fazer algo.

 

Leafar olhou para a Rainha, perguntando se sim com o olhar. Ela confirmou. Ele então voltou a olhar Bonnie.

 

- Claro, faça o que tiver que fazer. Eu não tenho mais nenhuma idéia, e acho que o nosso estoque de milagres se esgotou por hoje – disse ele.

 

Antes que o Lorde de armadura de Paladino pudesse avançar, porém, sentiu a mão da Rainha segurar suas braçadeiras metálicas douradas.

 

- Não se afaste muito de mim, ou o efeito pode passar.

 

- Efeito do quê?

 

Com uma piscadinha, a Rainha dos Mortos ficou com uma coloração roxa e translúcida. Feixes finos de luz da mesma cor saíram do seu corpo e atingiram Leafar, dando-lhe o mesmo aspecto.

 

- Controle de Marionete, querido – disse ela, com o sorriso malicioso.

 

- Nossa, agora eu sei como o Doppelganger se sente.

 

A Rainha então fechou os olhos. Começou a murmurar algo. Sua voz foi aumentando, e apenas o final de sua reza foi ouvido: “Eht monstah lohd uan”. Entre Leafar e ela, então, uma criatura começou a se formar. O cavalo enorme, branco e abissal, carregava um cavaleiro de armadura branca, pavoroso e assustador.

 

- O Senhor dos Mortos e o Leafar vão te dar algum tempo, Bonnie – disse a Rainha, totalmente concentrada em compartilhar suas forças com o Lorde – Vai!

 

Leafar, sem perder tempo em se assustar com a companhia amistosa do MVP, avançou contra Hrymm. O som do bandolim se intensificou enquanto a Rainha voltava a dançar, auxiliando os companheiros de batalha.

 

Bonnie, por sua vez, andou até as figuras de branco. Parou na frente de Namu, e abençoou-o. O líder dos GMs ficou surpreso e sem jeito.

 

- Por que faz isso? Seus amigos precisam da sua ajuda – disse ele.

 

- Eu não sou mal-agradecida, Namu. Foram muitas as vezes que vocês lutaram do nosso lado e nos deram esperanças. Sempre nos incentivaram e foram motivo de orgulho para todos nós.

 

Com carinho, Bonnie pegou a mão de Namu e beijou-a. Seus olhos estavam lacrimejados. Um a um, abençoou todos os GMs, que não entenderam nada.

 

- Provavelmente nós vamos morrer aqui. – disse ela – Mas morreremos fazendo o que vocês nos ensinaram a fazer. Morreremos lutando. Obrigada por tudo, Namu. Obrigada, GMs.

 

Com um sorriso molhado de lágrimas, Bonnie se afastou. Deu as costas para o grupo de pessoas de vestes brancas e voltou sua atenção para Leafar e a Rainha. Correu, curando o Lorde enquanto conjurava sua Glória.

 

Os GMs deram um passo para a frente. Viram a batalha entre o grupo e Hrymm, que era ainda mais feroz que a entre o Mestre-Ferreiro, Wyla e Oromë. E a lembrança dos dois fez os GMs olharem seus corpos caídos, sem vida. Não se sacrificaram para dar uma chance de vitória para Leafar e Bonnie; sacrificaram-se para lhes dar esperança. E era com ela que os dois lutavam.

 

Namu cerrou os punhos. Fechou os olhos e, de costas para seus companheiros, começou a falar.

 

- Todos nós já estivemos ali antes. Cavaleiros, Monges, Bruxos, Alquimistas, Mercenários... nós já nos aventuramos em Rune Midgard como pessoas comuns. Sabemos o que aqueles dois passam agora. E o que tantos outros já passaram e ainda passarão.

 

Alguns dos GMs abaixaram a cabeça e fecharam seus olhos também. Lembranças de seus tempos antigos vieram às suas mentes. Todos tinham sido aprendizes um dia, com suas facas e camisas de algodão. Emocionaram-se, recordando-se da bonita época em que iam em grupo matar Poporings. Recordaram-se de quando ajudaram e receberam ajuda, e como foi boa a sensação de fazer a diferença pelo próximo – atitudes que chamaram a atenção de Odin, que elegeu-os seus escolhidos, promovendo-os a “Guardiões de Midgard”, tutores e protetores dos aventureiros. Era possível notar um sorriso saudoso, tímido, nos lábios de um ou de outro.

 

Ouviram então um grande estrondo. Namu abriu os olhos e, com os demais GMs, contemplou Leafar sendo arremessado para trás pela enésima vez. O Lorde girou no ar e cravou os pés na areia. O MVP invocado virava nada, murchando no chão, derrotado por Hrymm. A Rainha dos Mortos agitou o chicote, forçando o Mestre-Ferreiro a se esquivar, enquanto Bonnie aumentava a velocidade da dupla. Namu sorriu. Olhou então para os corpos de Oromë e Wyla.

 

- O sacrifício deles não será em vão. Eles lhes deram esperança. Nós lhe daremos a chave para a vitória.

 

Sem falar mais nada, os GMs se deram as mãos, formando um grande círculo. Ajoelharam-se, enquanto Namu murmurava uma oração antiga, em um dialeto esquecido – oração que não era ouvida há séculos.

 

O som das palavras suspendeu a batalha. A Rainha dos Mortos, ouvindo os dizeres de Namu, se arrepiou. Ela reconheceu e ficou admirada com a atitude dele e dos demais. Leafar, Bonnie e Hrymm olharam curiosos para a cena atípica. Os GMs começaram a ficar pálidos. Seus cabelos começaram a perder o tom, ficando esbranquiçados. No céu, uma figura humanóide, translúcida, começou a se formar, no que seria o centro do círculo. Pequenos fachos de luz saíram dos corpos dos GMs, enquanto eles caíam na areia, dando consistência a essa nova figura, também trajada como um GM. Apenas Namu ainda parecia ter força para falar alguma coisa, enquanto o homem, de cabelo castanho e comprido, tocava o solo, de pé.

 

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- Por que evocaram esta oração, GM? – disse o homem, sério.

 

- P-porque precisamos de a-ajuda...

 

- Minha presença em definitivo, pelas leis do plano superior, demanda que suas essências sejam removidas daqui. Todos vocês estão cientes disto?

 

- S-sim – Namu começou a perder as forças, enquanto o novo GM olhava para ele.

 

- E qual seu último pedido, líder dos Guardiões de Midgard?

 

Tremendo, Namu respirou fundo. Reuniu suas forças para falar sem gaguejar, fazendo um discurso digno do líder que era.

 

- Em nome de tudo que é justo e honrado, em nome de todos que se sacrificaram, em todas as lutas, em todas as Eras, peço para que restaure a justiça neste momento, onde o poder de dois aventureiros e uma semi-deusa não são o suficiente para deter um homem sozinho.

 

- Eu aceito seu pedido, Namu. Descansem em paz agora.

 

- O-obrigado, G-Ganfal...

 

Ao balbuciar seu agradecimento, Namu tombou no solo do deserto. Não vestia mais as roupas de GM, mas usava um manto de Sumo Sacerdote. Um a um, os demais GMs também tombaram, com trajes de Algozes, Criadores, Lordes e tantas outras classes.

 

- Tá aí algo que não se vê todos os dias... e quem será esse “Gagânfal”? – Leafar comentou baixinho com Bonnie, que estava tão assustada quanto ele. Ficaram olhando para a nova figura de branco, que sorriu para a Rainha dos Mortos.

 

- Saudações, Rainha.

 

- Saudações, Ganfal. Já faz alguns séculos. Não envelheceu nada, hein? – a Rainha dos Mortos deu uma breve piscada, medindo-o de baixo a cima.

 

- Nem você, minha cara. Aliás, não esperava reencontrá-la assim.

 

- Assim como?

 

- Lutando, no mundo dos vivos, e com humanos. Isso é raríssimo.

 

- Assim como ter presenciado a sua volta. Os GMs deram a vida para invocá-lo.

 

- Que história é essa? – Hrymm berrou, indignado com o bate papo – Quem é você?

 

- Que falta a minha! Perdão. Permita que eu me apresente. Eu sou Ganfal. Sou um dos líderes dos Guardiões de Midgard, e existo há incontáveis Eras.

 

Leafar e Bonnie se entreolharam, notando que tinham errado o nome dele. Tinham se confundido com o gaguejar de Namu. Sussurram então para si próprios, para ter certeza de que não esqueceriam mais.

 

- E o que você está fazendo aqui? – Bonnie agora perguntou, tão confusa quanto Hrymm.

 

- Os GMs me evocaram por meio de uma oração antiga, para ser usada apenas em casos de emergência. Isso, infelizmente, os drenou definitivamente.

 

- “Drenou”... morreram? – Bonnie questionou com medo da resposta.

 

Ganfal não respondeu. Apenas espalmou as mãos diante deles. A Rainha dos Mortos saiu da frente com calma, enquanto uma luz atingiu Leafar, Bonnie e Hrymm.

 

- O que é isso? – perguntou Leafar, assustado, enquanto notava que uma espécie de aura saía de seu corpo, formando um tipo de janela de energia a alguns metros dele, no alto.

 

- Essa é a Visão das Nornas. Elas mostram a vida de uma pessoa. Vamos ver se vocês estão se enfrentando com dignidade e se são merecedores de seus títulos, Lorde, Suma Sacerdotisa e Mestre-Ferreiro. Não posso interferir em sua batalha, como nenhum GM poderia, mas posso garantir que lutarão em total e completa justiça.

 

A aura que saiu de Leafar mostrou seu passado na “tela” de energia. Todos puderam ver um aprendiz entrando em um laboratório, e sendo colocado em um tubo cheio de líquidos, entrando em animação suspensa. Viram-no sair no que parecia ser alguns anos depois e contemplaram-no na igreja de Prontera, como noviço e, posteriormente, como Sacerdote. Viram então um anjo entregar-lhe a armadura de Lorde, e a benção de Odin tomar-lhe as habilidades divinas, dando-lhe as perícias de Cavaleiro.

 

- Você recebeu seus dons por direito, Leafar Belmont – disse Ganfal – Suas armas, habilidades e posses foram herdadas do seu clone, o Leafar Cerridwen, que as conquistou por esforços e méritos próprios. Não há nada a fazer com você.

 

A aura de Leafar se apagou. Ganfal se voltou então para Bonnie e intensificou a luz nela. Assim como houve com o Lorde, a jornada de Bonnie passou resumidamente na tela de energia. A aprendiz, em Al De Baran, viajou sozinha para Prontera, enfrentando muitos perigos, determinada a alcançar a Catedral e praticar o bem. Passou fome enquanto estudava de maneira ferrenha os ensinamentos religiosos, e jurou proteger todas as vidas humanas na guerra contra os monstros. Foi honrada como Sacerdotisa, e atingiu a aura máxima de seu poder. Foi agraciada no Valhalla, no Hall das Valquírias, e tornou-se uma Einherjar, escolhida de Odin, com a bênção da chamada Transclasse, agora como Sumo Sacerdotisa.

 

- Você merece cada centelha de seu poder, Bonnie Heart. Conquistou com honra e dignidade seu caminho. Não há nada a fazer com você.

 

A exemplo do que houve com Leafar, a aura de Bonnie também se apagou. Ganfal voltou-se para Hrymm. A mesma coisa aconteceu com ele, e sua vida pôde ser contemplada. O pequeno aprendiz, de cabelo azul, foi para Alberta, onde se tornou Mercador. Na estalagem, ouviu dois marinheiros conversando sobre os lendários itens divinos. Passou todo seu tempo como Mercador sonhando com eles. Como Ferreiro, reuniu recursos para descobrir os caminhos para forjar esses itens. Um dia, conseguiu um dos itens que serviriam para forjar o Mjolnir. Porém, ao invés de tentar conquistar os outros itens, Hrymm começou a manipular um misto de alquimia e forja em sua oficina. Em pouco tempo, tinha descoberto o segredo negro da duplicação de itens. Sem perder tempo, vendeu a cópia de seu item e recebeu muito dinheiro por isso. Empolgado, começou a copiar seu item original e vendê-lo a compradores ricos, por preços elevadíssimos. Em pouco tempo, acumulou fortuna suficiente para não apenas forjar o lendário Mjolnir, mas para forjar as botas Sleipnir e não um, mas dois cintos Megingjard. Não satisfeito, tornou-se um dos homens mais ricos do mundo – sempre agindo sob outros nomes ou disfarces, para não ser pego, até atingir a plenitude de sua força como Mestre-Ferreiro e como um dos homens mais poderosos de Rune Midgard.

 

- Clonagem... cada vez eu odeio mais essa palavra... – Leafar olhava pasmo para o Mestre-Ferreiro, sem reação inicial.

 

- Seu... copiador barato! Canalha! *****! – Bonnie olhava ao redor, procurando alguma coisa para jogar em Hrymm e aplacar sua fúria – Por isso que você é tão forte!

 

- Você usou conhecimento proibido, que alterou o equilíbrio do mundo, Hrymm – prosseguiu Ganfal – Quebrou as regras e ignorou a justiça. Você não é digno do poder que possui, pois não conquistou-o como um homem de verdade. Sua sentença é a perda imediata dele e de tudo que conquistou com ele.

 

A aura de Hrymm tornou-se vermelha. Aos berros, ele viu seu Mjolnir e o Sleipnir se desmancharem em pó, levados pelo vento – assim como seus cintos danificados, caídos na areia, perto do corpo de Oromë. A massa de seu corpo diminuiu, e quando a luz da justiça cessou, ele estava vestido como um Mercador.

 

Leafar ficou olhando para Hrymm. Suas sobrancelhas se apertaram. Largou a Zweihander e tirou o Elmo Angelical de Wyla, revelando novamente o rosto ferido, com um dos olhos inchado e roxo.

 

- Tira isso de mim – falou, olhando de soslaio para a Rainha dos Mortos.

 

- Não entendi, querido.

 

- Tira essa armadura de mim.

 

- Leafar? – Bonnie arregalou os olhos com o pedido do Lorde.

 

- Eu entendo que Naglfar quis se redimir, Rainha. Sem a armadura dele, é fato: eu já estaria morto. Mas esse canalha – Leafar apontou o dedo para Hrymm – estava roubando! Ele roubou o tempo todo! Não somente aqui, nesta situação, mas desde que ele começou sua jornada em Rune Midgard! E a armadura dourada de Naglfar já me manteve vivo tempo o suficiente para que você e Ganfal acabassem com essa mentira.

 

Leafar olhou com raiva para Hrymm, que tremia.

 

- Não quero mais a força dessa armadura! Eu vou lutar com a minha própria força! Não preciso disso para vencer ele!

 

- Como quiser...

 

Com um movimento de mão, a Rainha dos Mortos ergueu Leafar novamente no ar. As peças douradas foram saindo de seu corpo. Bonnie levou as mãos até a boca, vendo o amigo ferido e sangrando. Enquanto usava a armadura, Leafar parecia revigorado e forte. Agora, sem ela, voltava a apresentar o corpo cheio de hematomas.

 

Ele, mesmo enfraquecido, de mãos nuas, avançou contra Hrymm. Começou a bater forte em seu rosto, sem a menor piedade. A lembrança de cada perda o fazia avançar, dando murros que ecoavam no silêncio da noite do deserto, sob os olhares de Bonnie, Ganfal e da Rainha.

 

Dessa vez, foi Hrymm quem caiu de costas na areia. Leafar rapidamente o ergueu pelo colarinho, fazendo-o ficar de pé novamente. Com raiva, continuou batendo, soco atrás de soco, com raiva, fazendo o barulho das pancadas ecoar na noite. A cada golpe, lembrava-se da dor da perda. Sailorcheer, Aislinn, Jô Mungandr, Oromë, Wyla... cada nome o fazia afundar mais a mão no rosto do Mercador. E a cada vez que Hrymm tombava, Leafar o levantava para continuar batendo; estava determinado a não lhe dar descanso.

 

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Por fim, puxou Hrymm com uma das mãos, quase desmaiado, pelo pescoço. Bonnie se aproximou e segurou a mão fechada de Leafar, impedindo-o de continuar.

 

- Calma. Deu... você derrotou ele. Chega de mortes, Lea... – disse ela, com a voz suave.

 

Leafar engoliu seco. Por pouco não perdeu a cabeça e cometeu outro assassinato, como fizera com Jestr. Não era assim que ele tinha se formado. Não viveu sua vida matando pessoas à toa ou perdendo o controle. O louro respirou fundo. Com o olho que ainda estava aberto, encarou Hrymm.

 

- Onde estão Sailorcheer e os Guerreiros Rúnicos? O que você fez com eles?

 

- Eu liberei o poder de Mjolnir neles. Eles foram... – Hrymm abaixou a cabeça, mas Leafar pegou-a e fê-lo encará-lo.

 

- Diga!

 

- ... eles foram exterminados dessa realidade.

 

Bonnie olhou para o céu, tentando segurar em vão as lágrimas. Reuniu as mãos e murmurou uma oração em memória de Sailor, Fei e seus amigos de guilda. Leafar, por sua vez, apertou mais as mãos no pescoço de Hrymm. Tremeu, lutando internamente contra a vontade de esganá-lo. Por fim, falou resoluto, sério.

 

- Seu ladrãozinho miserável e nojento... em nome do Rei Tristan III, soberano de Rune Midgard, você está preso pela traição ao reino de Rune Midgard, pela morte de centenas de inocentes na invasão da Ruína de Rune Midgard, pelos assassinatos de Oromë e Wyla e pelo extermínio dos Guerreiros Rúnicos.

 

Ao contrário de Jestr, Hrymm parecia ciente de sua condição. Não reagiu inicialmente, limitando-se a dar alguns passos para trás, observando o louro que o soltava do aperto.

 

- Você terá direito a um julgamento justo, assim como foi o de Ganfal sobre sua pessoa.

 

- Eu acho que não...

 

Hrymm voltou a sorrir. Sacou uma adaga e, sem dizer mais nada, levou-a ao coração. Covarde, preferia a fuga da morte a ter que viver com a vergonha de ser julgado e condenado. O peso da revelação do farsante que era não o permitiria viver. Porém, sua mão travou. Notou que seu corpo estava roxo e translúcido.

 

- Eu citei que o Controle de Marionete, ao invés de apenas emprestar parte do meu poder divino, também me permite CONTROLAR o corpo do alvo? – disse a Rainha dos Mortos, com um suspiro de prazer.

 

- Sagaz, Hrymm – disse ela, maliciosa – Cometendo suicídio você não iria para o MEU inferno. Mas, “cara, que triste isso”... – com um movimento de sua própria mão, ela fez Hrymm largar a adaga.

 

Pegou a arma do chão e aproximou-se, levando a boca ao ouvido dele - ...você não conseguiu se matar.

 

Com uma estocada, a Rainha então cravou a adaga no coração do agora Mercador. Ele tombou de joelhos, tentando estancar inutilmente o próprio sangue. Ela, deliciando o momento, andou ao redor dele.

 

- Tadinho... você está morrendo agora, Hrymm! Em mais alguns segundos estará MORTO. E pro seu azar eu não sou a Rainha do baralho, nem a Rainha da “Bateria”. Sou a RAINHA DOS “MORTOS”!

 

Hrymm caiu no chão, de olhos fechados. Seus dedos começaram a se afrouxar, na tentativa vã de remover a adaga. Seu último sopro de vida serviu para ver aquela mulher se abaixando do seu lado, olhando com prazer quase orgásmico para sua morte.

 

- Nós teremos séculos de diversão em Nifleheim, querido... você verá o que acontece com gente que tenta me enganar. Te vejo lá embaixo.

 

Ficando de pé novamente, a Rainha olhou para os boquiabertos Leafar e Bonnie. Limitou-se a sorrir para eles, enquanto abria um portal negro sob seus pés.

 

- Foi um prazer lutar com vocês dois, lindos. Não deixem de me visitar quando forem fazer Água Amaldiçoada na fonte da minha mansão!

 

- Até breve, Rainha – disse Leafar, fazendo uma mesura com alguma dificuldade, por causa dos ferimentos.

 

- Até mais, Rainha. Obrigada – Bonnie também fez uma reverência respeitosa, que tirou um sorriso sincero da mulher, momentos antes dela desaparecer com Hrymm em seu portal.

 

Sem saber o que fazer, Leafar e Bonnie olharam para Ganfal. Ele se aproximou dos dois.

 

- Gostaria de lhes dar parabéns, mas isso soaria extremamente deselegante e descabido neste momento. Tiveram perdas profundas, e entendo que tudo que querem é ir embora daqui o mais rápido possível.

 

Os dois concordaram com a cabeça, sem dizer nada. Ganfal mediu a dupla com os olhos. Leafar estava sem nada de armadura, de peito nu, com mais da metade do corpo com ferimentos e hematomas, além do olho roxo. Bonnie estava com a roupa toda rasgada, os olhos vermelhos de tanto chorar e o cansaço impresso em sua face.

 

- As curas dos Sacerdotes lhes restauram o vigor e ânimo, mas não revitalizam seus corpos. Eu, porém, tenho este dom. Vou recobrar seus ferimentos, se me permitirem.

 

- Não – disse Leafar, no mesmo momento – Os meus não.

 

- Claro. Mas posso saber por quê?

 

- Cada dia que eu tiver que viver com essa dor será para me lembrar da noite de hoje, até que eu me cure, Ganfal.

 

- É... – Bonnie girou os olhos e assentiu com a cabeça – pensando desse modo, faz sentido. Eu também quero me curar naturalmente.

 

Ganfal sorriu. Espalmou as mãos e abriu um portal.

 

- Imagino que queiram ir para Prontera.

 

- Por favor. – disse Leafar, cansado.

 

- Posso lhes pedir um último favor?

 

- C-claro... – Bonnie engoliu seco.

 

- Fiquem calmos – Ganfal notou a hesitação na dupla – Não é nenhuma missão perigosa ou que os faça ter esforços sobre-humanos. Apenas gostaria de pedir que dessem um funeral digno para Oromë e Wyla.

 

- Será uma honra, Ganfal – Leafar se adiantou, olhando firme com o olho bom para o GM – E quanto a Namu e os demais?

 

- Fiquem tranqüilos. Eu mesmo os conduzirei para o palácio de Odin.

 

Bonnie andou até o lado de Leafar. Estava preocupada com a reação dele pós-luta. Ganfal olhou para os dois combatentes e sorriu novamente.

 

- Boa sorte em suas jornadas, heróis.

 

Tudo ficou momentaneamente claro para Leafar e Bonnie. Quando a luz cessou, os dois viram-se em frente à Catedral de Prontera. Seis badaladas fortes do sino, junto com os primeiros raios de luz solar, denunciavam que Ganfal não apenas os enviara para Prontera, mas também tinha feito com que avançassem algumas horas, poupando-os do restante da madrugada.

 

- Mais uma missão cumprida, hein? – Bonnie sorriu para o amigo, que olhava para os corpos de Jô, Aislinn, Wyla e Oromë deitados no chão.

 

- A mais dolorida delas, de longe. E não falo de dor física.

 

Bonnie sentou, encostando as costas na parede de pedra da Catedral. Puxou Leafar pela mão com carinho, fazendo-o sentar também.

- Olha, eu sei que tudo isso doeu. Seria hipocrisia minha dizer que entendo, por exemplo, a dor da sua perda, porque não foi o meu marido que morreu. Mas por mais que nossos caminhos tenham espinhos, ou pedras... ou Mestres-Ferreiros com itens divinos pra clonar e vender, não podemos nos privar da sensação de dever cumprido! Chegamos ao final, Lea! Todos os sacrifícios, todas as perdas, toda a dor... tudo isso nos trouxe até aqui! O trio de Surtr foi derrotado. Nós vencemos! E quando eu digo “nós”, não digo apenas “você e eu”. Se não fôssemos nós dois, teriam sido outros; fossem eles Lordes, Sumo Sacerdotes, Arruaceiros, Bruxos, Alquimistas, Sábios, Monges, Paladinos... nosso povo é abençoado, com muita gente forte por aí, e nenhum trio do mal ou do inferno que for será capaz de superar a nossa força.

 

O barulho de pássaros chamou a atenção da dupla. Um casal de bem-te-vis parecia curioso com os cadáveres de Aislinn e Jô caídos perto de uma árvore. Alguns raios de sol atingiam Leafar e Bonnie, aquecendo-os.

 

- Ainda tem muito a ser feito – Bonnie continuou, segurando com carinho a mão de Leafar – Mas, por alguns minutos, tira um pouco todo esse peso dos seus ombros. Nós vencemos, Lea. Nós vencemos...

 

Leafar não falou nada. Sob os lábios sujos de sangue, sorriu. Libertou, como Bonnie recomendou, sua mente de qualquer preocupação ou dor. Junto com seu sorriso, veio um relaxamento espontâneo. Afrouxou o aperto na mão da amiga. Sua cabeça tombou para o lado, até encontrar o ombro dela. Bonnie passou a mão por cima dos ombros de Leafar, aconchegando-o. Os olhos dos dois se fecharam e, apenas com o sol e o casal de bem-te-vi como testemunhas, adormeceram.

 

Seria pouco tempo de sono intocado, mas ambos sonharam com um mundo onde não haveria nem dor, nem sofrimento. Um mundo onde não existiriam malucos que querem exterminar a vida, nem traições e perdas. Um mundo onde todos vivem em harmonia, em paz.

 

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***

 

 

 

EPÍLOGO 1

 

 

 

Epílogo #1

Catedral de Prontera, 1º de fevereiro

12h34

 

Os bancos de madeira da Catedral estavam apinhados de gente. No altar de mármore, quatro corpos eram velados, protegidos por mortalhas. Aislinn Cerridwen, Jô Mungandr, Oromë e Wyla estavam deitados, inertes, sob o manto que cerrava suas vidas. Vestiam trajes claros e longos, limpos e macios. De pé, em frente a eles, Bonnie Heart terminava de falar sobre Jô. Olhou então para a primeira fileira. Leafar estava sentado, cabisbaixo. Do seu lado, a Sacerdotisa ruiva Miara e a Bruxa de cabelo púrpura, Visolela, tentavam lhe dar algum conforto, ora passando a mão com cuidado em seus braços, evitando os ferimentos, ora acariciando seu rosto, tirando o cabelo que caía eventualmente em sua face.

 

- Creio que, agora, Leafar tenha algumas palavras para nos dizer sobre os demais que se foram.

 

Bonnie saiu do altar. Miara ajudou Leafar a ficar de pé. Ele não usava armadura alguma. Vestia uma roupa normal de Cavaleiro. Estava com faixas visíveis em várias partes do corpo. Para disfarçar as deformidades temporárias dos ferimentos da surra que levou de Hrymm, usava uma Máscara de Fantasma. Porém, para enxergar melhor o caminho, retirou-a, revelando um tapa-olho, para disfarçar pelo menos o olho roxo. Era difícil para alguém de olhar o seu rosto com tantos ferimentos. Com o apoio da Sacerdotisa, andou até o altar. Fitou os corpos e ficou entre os corpos de Oromë e Wyla. Virou-se então para os presentes.

 

- É triste que, em nossa sociedade, só reconheçamos o valor do sacrifício em seu extremo: quando ele o é, literalmente. Mas é sabido que o mundo é justo e, a natureza, sábia. O equilíbrio é perfeito. E não se tem nada se não se dá algo em troca. Não vou me alongar lembrando o que foi feito por Oromë e Wyla, além deles terem nos dado algo precioso: a esperança. Deixarei que cada um se recorde, da sua própria maneira, como eles dois foram especiais. Sorriam com cada lembrança boa, e motivem-se para fazer o melhor pelos seus próximos. Eles deram a vida pelo que acreditavam e, por todos nós, lutaram até o fim.

 

Leafar foi então até o corpo de Aislinn. Seu tapa-olho ficou umedecido no mesmo momento, enquanto lágrimas escorriam do olho descoberto. Ensaiou levar a mão até uma das mãos dela, mas a lembrança do inexplicável surto de arrogância dela na luta contra Jestr o fez recuar. Voltou a encarar, com dificuldade, os presentes.

 

- “Aislinn”... em uma língua antiga, significa “visão, sonho”. Era isso que ela... que... ...

 

Um breve desespero se abateu em Leafar. As palavras lhe fugiram. Suas pernas tremeram, assim como seus lábios. Desde que voltara a liderar a Ordem do Dragão, sabia da importância em conduzir um grupo. Sabia do poder que os discursos tinham em seus companheiros, antes e depois de uma batalha, aumentando a moral e confiança. Porém, ali, naquele exato momento, onde finalmente aceitou que a batalha havia acabado, não conseguiu dizer mais nada. Por baixo do manto do líder, era um ser humano normal. E esse ser humano pediu licença para o Lorde. Assumiu o controle e caiu de joelhos ao lado do altar de mármore. Segurou as bordas com as duas mãos, fazendo força para não cair, e começou a chorar. Chorou copiosamente, como tantas e tantas outras pessoas já tinham feito e ainda fariam neste mundo. Seus dedos apertavam o mármore gelado. Ocasionalmente, ouvia-se um ou outro choro reprimido vindo dos bancos da igreja, em complacência com o sofrimento dele. Suas lágrimas pingavam no chão aos montes, vertendo impiedosamente dos olhos. Sentia vergonha por estar se expondo daquele jeito. Mas aquele choro, que durou alguns minutos, foi o melhor que pôde fazer para se expressar.

 

Por fim, se ergueu. Olhou para os presentes. Notou alguns casais apertando forte as mãos uns do outros. Percebeu os olhares de condolências dos amigos. Passou a mão por baixo da mortalha que cobria Aislinn, e retirou-a, olhando seu rosto. Os olhos dela, fechados para sempre, passavam a tranqüilidade que lhe faltara no momento decisivo. Leafar se perguntava o que teria acontecido se ela tivesse ido com ele e Bonnie até o fim. Surpreendeu-se por ver que não sentia vontade de acariciar o rosto dela ou lhe dar um beijo de “descanse em paz”. Tudo que fez foi buscar a mão esquerda dela. Tirou a aliança dourada de seu dedo, e guardou para si o que pensou no momento. Colocou-a no bolso e olhou para Miara e Bonnie. As duas se aproximaram.

Ao som de uma sineta, todos ficaram de pé. Leafar cobriu o corpo de Aislinn novamente e parou ao lado dele. Bonnie foi até o corpo de Jô Mungandr. Todos se admiraram ao notar que uma das pessoas que estava sentada na primeira fileira, até então de capuz, era ninguém menos que o recuperado Rei Tristan, que foi até o corpo de Oromë. Por fim, vindo da entrada da Catedral, o GM Ganfal foi até o corpo de Wyla.

 

Leafar olhou de canto de olho para Miara. A Sacerdotisa abençoou-lhe com o Impositio Manus. Grato, ele passou as mãos por baixo do corpo dela e ergueu-a, auxiliado pela magia de Miara, já que seu estado atual não o permitia fazer muita coisa. Do mesmo modo, Bonnie, o Rei e Ganfal pegaram Jô Mungandr, Oromë e Wyla, respectivamente.

 

Em silêncio, caminharam pelo corredor central. E conforme o cortejo passava, as pessoas iam saindo de seus lugares, seguindo-os. Sem soltar palavras, todos foram para a parte posterior da Catedral, onde quatro túmulos, separados, esperavam por seus novos e eternos moradores.

 

O quarteto passou, carregando os corpos. O sol os iluminava timidamente. Leafar e Bonnie notaram diversos rostos conhecidos. Eram amigos de aventuras passadas; companheiros de aventuras que eles nem imaginavam ainda que iriam acontecer; mas, acima de tudo, independente da situação, amigos.

 

Sob aplausos, os corpos de Oromë e Wyla foram colocados na mesma lápide. Uma lágrima escorreu do canto do olho do rei, mas Ganfal repousou a mão sobre seu ombro, confortando-lhe. O soberano de Rune Midgard virou-se para o GM.

 

- O que será de nós sem todos os Guardiões que se foram, Ganfal?

 

- Tem a minha palavra que isso não ficará assim, Rei Tristan. Pode ficar tranqüilo. Uma nova safra de Guardiões será selecionada o quanto antes.

 

Os dois olharam então enquanto Bonnie depositava suavemente Jô Mungandr em seu túmulo. Em um caixão claro, a Paladina foi sepultada, perto de uma árvore. A exemplo do que houve com Naglfar, em Glast Heim, sua espada também foi crava sob sua lápide, eternamente. As pessoas não reagiram com o sepultamento. Independente de qualquer coisa, Jô, há alguns meses, tinha assassinado milhares de pessoas, junto com a Ruína de Rune Midgard. E, para alguns, seu arrependimento nos momentos finais da batalha contra o grupo de heróis não a livrava da culpa.

 

Com pesar, então, as atenções de todos se voltaram para Leafar. Miara o mantinha constantemente sob efeito do Impositio Manus, de tão fraco que estava. Ele repousou o corpo de Aislinn em um belo caixão branco. Recordou-se da bela história que ela e seu clone construíram, e que inspirou tanta gente. Sorriu, orgulhoso deles. Teve então uma sensação de Déjà Vu, naquele mesmo lugar que freqüentara horas antes, em seu sonho, desmaiado, conversando com Wyla.

 

“Estamos no Equinócio de Outono. É o momento de renovação, quando as coisas velhas morrem, para dar lugar às novas”.

 

- Você estava certa, Wyla – sussurrou, ajeitando com carinho o cabelo da Caçadora – Você estava certa o tempo inteiro.

 

Aproximou-se do rosto de Aislinn, soltando um suspiro.

 

- Estou te devendo um beijo...

 

Deu um beijo carinhoso e curto em sua testa, seguido de um inaudível “até algum dia”. Sentiu a pele dela gelada, sem vida, pronta para o descanso final. Afastou-se, pegou a tampa do caixão e fechou-o. O choro dos companheiros e amigos da Ordem do Dragão foi inevitável – especialmente da pequena noviça Elizabeth Sarah Belmont, órfã do casal Belmont. Enquanto girava os fechos da tampa do caixão, lágrimas escapavam de seu olho descoberto, além de umedecer o tapa-olho. Fazia questão de segurá-las; soltaria novamente seu choro em lugar apropriado. Afastou-se do caixão, enquanto os coveiros desciam-no para a escuridão, para junto de seus outros parentes já falecidos: o ancestral Julian Belmont, seu irmão Elessar Belmont e seu clone, Leafar Cerridwen Belmont.

 

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Não houve reação por parte dos presentes. Ninguém sabia o que dizer ou como consolar o Lorde. Ele, porém, não parou por ali. Ao lado do seu jazigo de família, um tipo de ossário – local para se depositar os restos mortais de parentes falecidos há muito tempo – estava aberto. Leafar olhou para Bonnie. Em silêncio, ela trouxe uma pequena caixa de madeira. Leafar abriu-a, e os dois olharam um conjunto de amuletos amarelados, com runas desenhadas neles, além de uma pequena adaga.

 

- Descansem em paz, Guerreiros Rúnicos, onde quer que estejam. Sailor, Fei... obrigado pela ajuda.

 

A caixa foi depositada no ossário, que a exemplo dos outros túmulos, foi selado. As pessoas que costumavam rezar, rezaram. As que não eram disso, foram se afastando, respeitando o momento a seu modo. Aos poucos o pequeno cemitério foi ficando vazio. Por fim, apenas Leafar, novamente com sua Máscara de Fantasma, sendo cuidado por Miara, e Bonnie e sua família – o Arquimago Lord Riddle e a Algoz Rinoa Beldandy – estavam ali.

 

- Ei – disse ele, com alguma dificuldade, olhando a Suma Sacerdotisa. Prontamente, Bonnie se ajoelhou ao lado dele, que estava sentado, encostado na parede da Catedral.

 

- O que houve?

 

- Obrigado por tudo, Bonnie.

 

Bonnie balançou negativamente a cabeça e beijou a mão de Leafar. Ele soltou o corpo contra a parede, olhando para o céu.

 

- Você não vai parar, não é? – disse ela, preocupada, vendo que Miara fazia uma tipóia para o braço mais ferido dele.

 

- Não sei, Bonnie. Perdi coisa demais em um período de tempo muito curto. Eu realmente não sei.

 

A Suma Sacerdotisa se abaixou e retirou um dos anéis dos dedos. Pegou com carinho a mão de Leafar e colocou o artefato em seu dedo. Ele, confuso, olhou-a, através do orifício da Máscara de Fantasma.

 

- Bonnie! Eu não posso aceitar esse anel! Ele não é o anel que...?

 

- Sim. O anel que Namu me deu, em nome do Rei Tristan, pelos esforços de defesa dos reinos. Fique com ele. Cada vez que olhar para ele, lembre-se que existe uma amiga que preza a companhia de um dos melhores companheiros de batalha que ela já teve.

 

Leafar sorriu. Junto com Miara, Bonnie deu a mão para Leafar se levantar.

 

- E você precisava de um anel novo para ocupar o espaço do perdido, não? Vão-se os anéis, ficam os dedos. Argh, odeio essas frases clichê!

 

O sorriso de Leafar se intensificou. Ele beijou a mão da amiga. Cumprimentou o Arquimago e a Algoz que acompanhavam Bonnie e, apoiado em Miara, começou uma caminhada, descendo a rua principal de Prontera. Seu destino era viajar de Izlude para Alberta, e de lá para Louyang, onde um quarto com enfermeiros e médicos o esperava. Bonnie segurou forte a mão do marido, vendo a dupla sumir na longa rua principal de Prontera.

 

- Acabou, Riddle – disse para o marido – Finalmente acabou.

 

***

 

 

 

EPÍLOGO 2

 

 

 

Epílogo #2

1º de março de 2007 (um mês depois)

 

Mais uma vez amanhecia em Prontera. O sol despontava forte no belíssimo céu azul, testemunha de tantos acontecimentos maravilhosos e especiais nos reinos. Da murada do castelo, em sua caminhada matinal, o Rei Tristan III olhava orgulhoso para sua cidade, satisfeito com tantos heróis reunidos sob seus muros e nas demais localidades do reino.

 

A vida parecia normal. Os primeiros negociantes do dia procuravam os melhores preços nas lojas montadas nas ruas. Um casal de aprendizes, observado por uma funcionária Kafra sorridente, se divertia alimentando um Poring. Da Catedral, um noivo e uma noiva levavam uma chuva de arroz de algumas dezenas de convidados. Outro casal saía da enfermaria com um bebê no colo, enquanto um grupo de amigos comemorava a conquista de uma arma extremamente rara.

 

Algumas pessoas nem sonhavam o que tinha se passado naquela madrugada, há um mês atrás. Outras, que viram os túmulos novos atrás da Catedral, se perguntavam o que tinha acontecido. As que sabiam de toda a história, por sua vez, acordavam todos os dias agradecendo por terem condições de lutar pelo que acreditam ser o correto.

 

Longe dali, na Vila Orc, um grupo via-se em dificuldades. O Algoz empurrou o Monge para o lado, para, em seguida, esquivar-se de um ataque mortal do Orc Herói. Ia comemorar, quando o Sacerdote de seu grupo protegeu-o com a benção do Kyrie Eleison, evitando que um golpe traiçoeiro do Senhor dos Orcs acabasse com sua vida. O trio correu para socorrer seu amigo Bruxo, desmaiado por um ataque prévio de Grand Orcs – criaturas humanóides monstruosas, com a pele azulada.

 

Os dois MVPs iam avançar contra a dupla, mas o berro de “Lex Aeterna” os fez olharem assustados para a dupla no alto do pequeno morro, atrás deles. Um Lorde louro, com uma belíssima armadura polida de metal os encarava, com um sorriso de canto de boca, segurando uma espada de lâmina extraordinariamente larga, de cor roxa. Sob o outro braço, segurava um Elmo Angelical, verde, com as pequenas asas laterais. Do seu lado, uma Suma Sacerdotisa ruiva, com uma pequena coroa dourada na cabeça. Em suas mãos, um broquel reluzia a luz do sol, além de um bastão de madeira, imbuído de muito poder.

 

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O Senhor dos Orcs deu um passo para a frente, erguendo sua espada. Seus Grand Orcs, assim como um grupo de Orcs Arqueiros, que acompanhavam também o Senhor dos Orcs, berraram. O Lorde fez um breve não com a cabeça, enquanto colocava o Elmo Angelical, lembrando-se da antiga dona dele. Fez um rápido movimento de mão, chamando alguma coisa. O som parecia o do rufar de tambores, mas extremamente mais alto. Acompanhando a dupla, um sem-fim de aventureiros apenas esperava a ordem de ataque. Os MVPs, então, deram um passo para trás, observados pela ruiva.

 

“...nosso povo é abençoado, com muita gente forte por aí, e nenhum trio do mal ou do inferno que for será capaz de superar a nossa força.”

- Bonnie Heart, 1ª General do Rei Tristan III

 

FIM

 

***

 

 

 

EPÍLOGO 3

 

 

Epílogo #3 – Hora Zero

(Aviso: possui spoilers do desenho “Ragnarök, The Animation”)

Al De Baran

Maio de 2007

 

- Esperem, suas pestes! Calma!

 

As crianças correram em volta da Suma Sacerdotisa, desesperada com a algazarra delas. Estava com medo de perder alguma, no meio da confusão da cidade, na entrada da Torre do Relógio. Parou então, e começou a invocar Glória e Angelus repetidas vezes. A molecada fechou os olhos e colocou as mãos nas orelhas. Bonnie parou com as magias e olhou para todas.

 

- Sossegaram? Acho bom! Bora ali pro restaurante logo, antes que alguém se meta em alguma encrenca!

 

No tempo livre, Bonnie era voluntária do lar de adoção da cidade, de crianças abandonadas ou órfãs. E hoje era dia de levá-las para almoçar no restaurante da cidade – tudo graças às doações dos colaboradores da causa. Adorava aquilo, pois ajudava a se distrair da disputada Guerra do Emperium – isso para não dizer sobre o bem social.

 

Ela e sua pequena tropa entraram no restaurante, na ala leste da cidade, um pouco depois das mesas perto da Torre. Um a um, ajeitou todos em uma grande mesa e fez o pedido das refeições, sem se esquecer das sobremesas preferidas das crianças: sorvete de morango em taças de Poring e biscoitos recheados, com figuras dos monstros. Depois de pedir suco para todos, distribuiu gizes de cera, para que eles desenhassem na cobertura de papel das mesas – separada especialmente para isso, para as crianças.

 

- Tia Bôni Rar! – disse uma garotinha, erguendo o bracinho – Conta de novo o finalzinho daquela história pra nóis? Eo num intendí direito...

 

Bonnie sorriu. As crianças adoravam histórias, e isso as faria ficarem quietas até a refeição chegar. Sentou-se à cabeceira da mesa e tirou a pequena coroa dourada, pendurando-a no encosto.

 

- Hmmm vocês querem ouvir o final da história do Roan e da Yuufa de novo?

 

Um “siiiiim” foi gritado em coro. Bonnie arrumou o cabelo e começou sua narração.

 

- Bem, vamos lá. O Roan, depois de salvar a Yuufa, com o poder do amor deles, encontrou a Judia e a Maya.

 

- Ai, isso é tãããão romântico! – uma garotinha, um pouco acima do peso, apoiou os bracinhos na mesa e suspirou. Bonnie riu e continuou falando.

 

- Eles lutaram contra o Senhor dos Mortos, que tinha revivido. Foi uma batalha super difícil.

 

- Não entendi essa parte, ein, Nob! – disse um garoto pra Suma Sacerdotisa.

 

- Já falei pra não me chamar de noob, Cirilo. O que você não entendeu?

 

- Ué, como o Senhor dos Mortos reviveu.

 

Um menino, usando uma longa touca verde, com pontas que cobriam suas orelhas, apontou o dedo para Cirilo.

 

- Ai, que burro! Dá zero pra ele!

 

- Parem, meninos! Roberto, - disse Bonnie, para o menino de touca – se você é tão esperto, então explica pro Cirilo como foi que o Senhor dos Mortos voltou!

 

- Pif! Simples demais!

 

Roberto se levantou e ficou de pé na cadeira. As crianças ficaram olhando para ele, se divertindo.

 

- O Senhor dos Mortos usou a essência de sentimentos de seus asseclas para reviver! Enquanto eles pensavam que estavam ajudando ele, estavam só seguindo o plano secreto dele, de morrerem e virarem o poder que o traria de volta! Deeeer! Burro, você, hein?

 

- Ah, agora entendi, ein, Nob! – disse Cirilo, fazendo um sinal de positivo pra Bonnie.

 

- Garoto encapetado! Já falei pra não me chamar de noob!

 

- Não tô te chamado de noob, tia. “Ein Nob” é o seu nome.

 

- Hã?

 

- Eu aprendi outro dia na escola. Isso se chama “anagrama”! – falou o menino, orgulhoso – Se você rearranjar as letras, vai ver que dá pra escrever “Bonnie”!

 

Bonnie ficou surpresa com o nível de inteligência das crianças. Relaxou na cadeira, enquanto Roberto já tinha tomado as rédeas para contar o final da famosa história de Roan e Yuufa. Olhou para a cozinha, se perguntando quanto tempo ainda demoraria para que trouxessem as refeições e acalmassem as crianças. Ficou perdida em devaneios, até ouvir um trecho ocasional da narração do garotinho.

 

- ... porque o MVP foi um gênio, você tem que admitir! Muito rox! Ele enganou todo mundo! E fala sério! Só o poder de um monte de gente morta o traria de volta assim.

 

A Suma Sacerdotisa, que brincava com anagramas do seu nome, franziu o cenho. Aquilo despertou uma sensação terrivelmente ruim nela. Lembrou-se de uma conversa recente com a Rainha dos Mortos, que tinha descoberto como o rei tinha ficado doente. Começou a fazer rabiscos na mesa, compenetrada. Soltou então o giz, assustada. O garçom chegou, e ela se levantou.

 

- Pelo amor de Odin, olhe das crianças! Peça para alguém do lar de adoção vir buscá-las no final da refeição!

 

Antes que o homem pudesse responder qualquer coisa, Bonnie puxou uma gema azul e arremessou-a no chão. Uma coluna de luz surgiu, e sem dizer nada, ela pulou dentro, desaparecendo. O garçom reparou então nos rabiscos que ela fez na mesa.

 

Barão R. Ruts

R. Ruts

???

SURTR

 

***

 

“Burra! Burra!” – era tudo que a Suma Sacerotisa repetia para si mesma enquanto corria, ofegante, pelas ruas de Prontera, com a velocidade de movimento aumentada.

 

“Mas é claro! A missão de Hrymm, Jestr e Jô nunca foi ressuscitar seus amigos, apesar deles pensarem assim. Eles foram enganados para também MORRER!”

 

Invadiu a Catedral de Prontera, que tinha pouco movimento. Correu pelo corredor central, e entrou na sala leste – os aposentos do Padre Bamph. Mal avistou-o, falou, esbaforida:

 

- O túmulo secreto! Por favor! Depressa!

 

O homem, calvo e ligeiramente obeso, se assustou. Fez menção de oferecer água para ela e pedir calma, mas Bonnie deu um tapa no copo, derrubando-o.

 

- É questão de vida ou morte, padre! Depressa!

 

Sem questionar a general, assustado, o padre andou até a estante de livros na parede. Acionou um botão, e ela se arrastou para o lado, revelando uma escadaria em espiral. Bonnie sacou uma tocha da parede e correu pela escada. Avançou contra a escuridão, seguida pelo padre, que questionava, em vão, o que tinha acontecido.

 

A Suma Sacerdotisa passou pelos túmulos dos filhos do Rei. Acionou outro botão na parede, e mais um corredor se abriu. Correu desesperada por ele, quase tropeçando, batendo o corpo nas paredes de pedra diversas vezes. Estacou ao chegar na sala que queria. Seu coração batia tão forte e rápido que ele era como um tambor, lhe deixando surda. Quase perdeu os sentidos, quando o Padre Bamph segurou-a, olhando assustado.

 

- O que... o que significa isso?

 

Um jazigo elevado de pedra escura estava na frente deles. A pesada tampa, onde podia-se ler “Gran Lord Surtr”, estava caída para o lado, cheia de poeira.

 

- Bonnie Heart! – insistiu o padre – O que significa isso? Quando foi que Surtr... não! Não posso conceber que ele esteja...!!!

 

- Ele nos enganou, padre. Surtr fez com que seus últimos comandados morressem, para que sua força, junto com as essências dos que já tinham morrido definitivamente, pudesse restaurá-lo. Ele está vivo, padre... Surtr está vivo!

 

- I-impossível! Quando ele retornou, Bonnie?

 

- Eu... eu não sei dizer. As horas estão se passando. A “hora zero” da volta dele já aconteceu, e eu não sei quando foi. Agora é só uma questão de tempo...

 

- Para o quê?

 

- Para recomeçarem os ataques. A Ruína de Rune Midgard vai voltar, padre... é inevitável. E vamos precisar de toda a ajuda possível...

 

Bamph abaixou a cabeça. Levou as mãos até o Rosário, e começou a orar. Bonnie olhou para o brasão no ombro, e lembrou-se dos seus amigos. Repetiu baixinho então, enquanto o ar pesado do mausoléu os rodeava.

 

- Toda a ajuda possível... toda...

 

Hora_Zero-capitulo_8-epilogo-3_cont.jpg

 

 

 

 

Hora Zero

- Fanfic do Brasil Ragnarök Online

 

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Roteiro e texto

Rafael “Leafar” de Agostini

 

Artes e Character Design

Daniel “NIORI” Uires

 

202.007 caracteres

96 páginas de texto

8 capítulos

3 Epílogos

 

Mais de 40 artes, incluindo:

- 8 imagens de capa

- 29 ilustrações de texto (artes “internas”)

- 7 tirinhas

 

Nenhum GM foi alimentado ou ferido na confecção desta história, mas uma pessoa foi montar PlayStation 3 no Japão e nunca mais voltou. Todos os acontecimentos e nomes são meramente ficcionais, baseados no universo do jogo Ragnarök Online, sendo qualquer semelhança com a vida real pura coincidência.

 

***

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O Rafa era insuperável no que fazia, uma pena a empresa ter perdido a oportunidade de colocar ele como parceiro e outrora como GM, na épcoca o argumento citado por ele, foi que ele não poderia ser contratado como GM do Rag, por '' conhecer o jogo ''

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Obrigado Kaeus! A área de fanfics agradece =3

 

Tópico vai ficar fixado por um tempo.

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Quer desdenhar de meus eventos? Fique a vontade. Mas tente manter O SEU TRABALHO bem feito, porque diferente de você, o meu é voluntário.

[/hr]


Lilith Morningstar.

Eva, Monah do Pah

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Obrigado Kaeus! A área de fanfics agradece =3

 

Tópico vai ficar fixado por um tempo.

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O Rafa era insuperável no que fazia, uma pena a empresa ter perdido a oportunidade de colocar ele como parceiro e outrora como GM, na épcoca o argumento citado por ele, foi que ele não poderia ser contratado como GM do Rag, por '' conhecer o jogo ''

Eu gostava muito do trabalho dele aqui. Vou mandar mensagem pra ele e ver se ele pode repassar as outras fics pra serem postadas aqui.

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Opa, você já me poupou do trabalho.

 

Poderia só me fazer um favor? Eu tou organizando o Old But Gold aqui, então eu queria colocar as tags [LEGACY] e o nome do escritor no nome do tópico, assim como eu fiz com o tópico da fic do Akahai que eu acabei de criar.

 

Eu sei, meio egocêntrico, mas eu queria organizar as coisas aqui.

 

Mais uma coisa, Kaeus: Eu meio que tou cuidando da parte de falar com o Rafa. Já estou com Ruína completo em mãos, ainda que sem as ilustrações (Tenho apenas a capa do primeiro capítulo).

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Opa, você já me poupou do trabalho.

 

Poderia só me fazer um favor? Eu tou organizando o Old But Gold aqui, então eu queria colocar as tags [LEGACY] e o nome do escritor no nome do tópico, assim como eu fiz com o tópico da fic do Akahai que eu acabei de criar.

 

Eu sei, meio egocêntrico, mas eu queria organizar as coisas aqui.

 

Mais uma coisa, Kaeus: Eu meio que tou cuidando da parte de falar com o Rafa. Já estou com Ruína completo em mãos, ainda que sem as ilustrações (Tenho apenas a capa do primeiro capítulo).

 

Editei as tags.

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Quer desdenhar de meus eventos? Fique a vontade. Mas tente manter O SEU TRABALHO bem feito, porque diferente de você, o meu é voluntário.

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Lilith Morningstar.

Eva, Monah do Pah

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Valeu, Hela. E eu já mandei mensagem pro Rafa sobre o assunto e perguntei o que ele acha. Por mim eu postava logo, mas eu fui educado a não passar por cima dos autores originais. Com o Akahai dá pra ser direito porque ele não liga se o material dele for espalhado pra mais gente, já o caso do Rafa é mais complicado e pessoal.

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Opa, você já me poupou do trabalho.

 

Poderia só me fazer um favor? Eu tou organizando o Old But Gold aqui, então eu queria colocar as tags [LEGACY] e o nome do escritor no nome do tópico, assim como eu fiz com o tópico da fic do Akahai que eu acabei de criar.

 

Eu sei, meio egocêntrico, mas eu queria organizar as coisas aqui.

 

Mais uma coisa, Kaeus: Eu meio que tou cuidando da parte de falar com o Rafa. Já estou com Ruína completo em mãos, ainda que sem as ilustrações (Tenho apenas a capa do primeiro capítulo).

Ah, ok.

 

Eu ia mandar PM pra ele, mas já que você mandou, tudo bem.

 

Você entrou lá naquele fórum do RagnaTales que postei? O Kerdied e o Akahai costumavam postar lá também. Ainda não vasculhei, mas acredito que algumas fics antigas estejam lá. Pelo menos lá o fórum ainda tá inteiraço e não foi picotado igual ao fórum do bRO aqui.

 

PS.: E pensava que o Kedied e o Akahai fossem a mesma pessoa, lol.

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Nossa, uma preciosidade do passado de nosso querido fórum!

Temos uma história tão rica e bacana, pena que os responsáveis não estejam nem ai pra isso.

 

Mas é como sempre digo: Quem faz esse fórum é Comunidade, enquanto estivermos aqui, ele não morrerá!

 

Você que está por dentro das coisas e sabe da má vontade da Level Up sabe que as vezes desanima, mas ver esses tópicos surgindo ajuda a ter vontade de continuar =3

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Quer desdenhar de meus eventos? Fique a vontade. Mas tente manter O SEU TRABALHO bem feito, porque diferente de você, o meu é voluntário.

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Lilith Morningstar.

Eva, Monah do Pah

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Ah, ok.

 

Eu ia mandar PM pra ele, mas já que você mandou, tudo bem.

 

Você entrou lá naquele fórum do RagnaTales que postei? O Kerdied e o Akahai costumavam postar lá também. Ainda não vasculhei, mas acredito que algumas fics antigas estejam lá. Pelo menos lá o fórum ainda tá inteiraço e não foi picotado igual ao fórum do bRO aqui.

 

PS.: E pensava que o Kedied e o Akahai fossem a mesma pessoa, lol.

 

Mandei a mensagem, mas ele responder é outros quinhentos. O lance é esperar e ver se ele concorda com a ideia.

 

Nossa, uma preciosidade do passado de nosso querido fórum!

Temos uma história tão rica e bacana, pena que os responsáveis não estejam nem ai pra isso.

 

Mas é como sempre digo: Quem faz esse fórum é Comunidade, enquanto estivermos aqui, ele não morrerá!

 

É petulância da sua parte esperar que o Rafa tenha que estar à disposição de todo mundo. Ele deixou de jogar Rag há muito tempo e já partiu pra bem além disso tudo, mas ainda tem gente pedindo pra ele voltar pra jogar. Além disso, escritor nenhum tem que atender o desejo de todo mundo.

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É petulância da sua parte esperar que o Rafa tenha que estar à disposição de todo mundo. Ele deixou de jogar Rag há muito tempo e já partiu pra bem além disso tudo, mas ainda tem gente pedindo pra ele voltar pra jogar. Além disso, escritor nenhum tem que atender o desejo de todo mundo.

 

Acho que o Vlad tá falando da LUG :D

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É petulância da sua parte esperar que o Rafa tenha que estar à disposição de todo mundo. Ele deixou de jogar Rag há muito tempo e já partiu pra bem além disso tudo, mas ainda tem gente pedindo pra ele voltar pra jogar. Além disso, escritor nenhum tem que atender o desejo de todo mundo.

 

Ele se referia a lug, em especial por um ocorrido recente na área dos tutores, dois ocorridos na verdade. "os responsáveis" são a Level Up, o Rafa é apenas parte da comunidade também.

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Lilith Morningstar.

Eva, Monah do Pah

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Ele se referia a lug, em especial por um ocorrido recente na área dos tutores, dois ocorridos na verdade. "os responsáveis" são a Level Up, o Rafa é apenas parte da comunidade também.

 

Eu interpretei mal, foi mal.

 

Sobre o fórum, eu prefiro nem tentar saber o que tá acontecendo, algo me diz que eu não vou gostar. (E o Fabs me falou uma boa parte da porra toda também.)

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Ah sim, Kaeus, eu notei que a versão que você tem da fic é de antes de umas coisas que fizeram o Rafa editar o material.

 

Tipo, tu desenterrou MESMO.

 

Nem sabia que teve treta por causa da fic dele :eek:

Será que tem problema deixar essa verão aqui?

Eu jogo Rag desde que ele estreou aqui no Brasil, mas não me lembro mais de muita coisa de antigamente, afinal já são 14 anos, kkk.

Nossa senhora, eu tinha 14~18 anos nessa época...

Tô velho...

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"Pode restaurar sim. Se você puder fazer isso, eu agradeço, te cedo o material e as artes, que você credita pra mim, Niori, Leon e Eliza, citando nossos Facebooks."

 

Assinado: Rafa. Já estou falando com ele sobre pegar o conteúdo dele e postar aqui, mas ele efetivamente já deu o OK, contanto que os envolvidos sejam devidamente creditados (E serão) e seus Facebooks linkados no tópico.

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"Pode restaurar sim. Se você puder fazer isso, eu agradeço, te cedo o material e as artes, que você credita pra mim, Niori, Leon e Eliza, citando nossos Facebooks."

 

Assinado: Rafa. Já estou falando com ele sobre pegar o conteúdo dele e postar aqui, mas ele efetivamente já deu o OK, contanto que os envolvidos sejam devidamente creditados (E serão) e seus Facebooks linkados no tópico.

 

Pô que beleza.

 

Já vou me programar nas minhas férias, para sentar em frente ao PC e ler isso tudo de novo /headph

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Eu tou apenas vendo uns detalhes finais com o Rafa antes de começar a mexer com o material. Ruína, por ser o primeiro material na minha mão, vai ser o primeiro.

 

Só tou esperando o Rafa mandar o resto do material e eu já posso começar a me mexer. Enquanto isso, a fic do Akahai tá sendo postada capítulo por capítulo aqui, porquê vocês não dão uma olhada?

 

http://sites.levelupgames.com.br/forum/ragnarok/showthread.php?181418-LEGACY-Akahai-Shora-Thanatos-A-Origem&p=1804790&viewfull=1#post1804790

Edited by Zero Dozer
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Passando pra avisar que eu terminei de postar uma das fics do Akahai: http://sites.levelupgames.com.br/forum/ragnarok/showthread.php?181418-LEGACY-Akahai-Shora-Thanatos-A-Origem&p=1804790&viewfull=1#post1804790

 

 

Agora, cadê o pessoal que tava disposto a preservar o material e ler as fics? Foi pro Discord com o resto do povo do fórum que não se chama Brauna?

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Obrigado. Esse tipo de contribuição é de grande importância para o fórum S2.

 

Aliás, sim, infelizmente a área de fics e o fórum como um todo estão bem desertos.

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Lilith Morningstar.

Eva, Monah do Pah

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Agora, cadê o pessoal que tava disposto a preservar o material e ler as fics? Foi pro Discord com o resto do povo do fórum que não se chama Brauna?

Eu estou esperando as férias da faculdade, por que no momento tá difícil ter tempo livre :(

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