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Zero Dozer

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  • Biography
    Veterano que pouco sabe, extremamente enferrujado. Se for jogar RO, vai ser no Internacional, sinto muito.

    Ah sim.

    Incinerate na área, vagabundo doido e solto
    Pode vir pra cima que eu não sou qualquer outro
    Aqui a banca toda cola, não tem pra ninguém
    Se for de raça forte, pode vir também
    A chapa aqui é preta mas nóis tamo aqui na luta
    Eu não baixo a cabeça pra nenhum filha da puta
    Porque a corrida é louca e o vagabundo é mau
    Mas a cara e o estilo ainda é bem overall

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  • Location
    Santo André, SP

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    Videogames

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    Ainda desempregado, ainda falido. Não mais fã de Charlie Brown Jr..

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Reputação

  1. Eu ainda tenho acesso à fic do Akahai do Laboratório de Somatologia. Só não postei aqui porque... Bem, esse fórum tá bem morto.
  2. Passando pra avisar que eu terminei de postar uma das fics do Akahai: http://sites.levelupgames.com.br/forum/ragnarok/showthread.php?181418-LEGACY-Akahai-Shora-Thanatos-A-Origem&p=1804790&viewfull=1#post1804790 Agora, cadê o pessoal que tava disposto a preservar o material e ler as fics? Foi pro Discord com o resto do povo do fórum que não se chama Brauna?
  3. Epílogo Midgard, mil anos depois. Já fazia anos que eu queria participar de uma expedição e agora consegui. A Rekenber Corp. finalmente ia financiar uma longa expedição a uma torre gigantesca encontrada ao extremo norte. E eu estaria nela. Meu nome seria lembrado para sempre! Os dias levaram semanas para passar. Eu mal podia esperar para finalmente conseguir ver algo tão misterioso, algo tão belo e perfeito quanto aquela torre. Subi-la será algo fascinante e eu mesmo não posso perder um detalhe que seja. Será que eu esqueci algo? Olho em minha mochila e vejo que tudo se encontra no seu devido lugar. Meu lampião, minhas espadas para caso haja algum monstro lá dentro, meu diário, comida. Espero que ninguém esqueça comida. Eu não quero ter de dividir a comida que minha mãe me preparou com tanto carinho. A torre. Estimada em treze andares, maior que qualquer coisa que nossa atual engenharia é capaz de fazer. Mesmo a grande tecnologia da República de Schwartzwald não seria capaz de financiar uma pesquisa para algo tão estável assim e ainda por cima capaz de emergir do chão. Quem quer que tenha feito isso, era um grandioso arquiteto. As portas abriram-se. Enfim poderei subir... ... ... ... Que palavras eu posso usar para definir isso? Loucura seria leve demais. Eu e o pesquisador temos um artefato que talvez possa nos proteger. Todos os outros foram deixados para trás, selados. Cada um que carregávamos nos preenchia a mente com visões, lembranças. Parece ser alguém do passado. Um passado tão longínquo que não conseguimos determinar realmente há quanto tempo foi. É preciso. Eu preciso voltar para avisar para que não subam. Esta obscenidade deveria permanecer soterrada! Quão louco nós fomos! Aqueles demônios mascarados não vão me pegar. Ainda mais aquele com cara de panda! Ouço passos. O pesquisador está gritando desesperado para que eu faça a última parte deste enigma funcionar. Eu vou usar o artefato... Eu vejo alguém. Seus passos, sua armadura. Tudo bate com os livros dos outros andares. E, acima de tudo, é ele o homem das lembranças que vi. Está vindo em minha direção. Eu estou condenado! Só pode ser ele! E, pelo seu olhar, ele não está querendo deixar gente viva! - Esta torre é minha! Ninguém além de mim tem o direito de usá-la! OFF Pronto, aqui tá o material todo dessa fic. Agora, só me resta uma pergunta: Tem alguém aí?? Aí... Aí... aí... *Eco cessa*
  4. Capítulo 8: Embate Morroc gargalhava. Divertia-se como uma criança que matava formigas pelo puro júbilo do sofrimento alheio. Sua voz gutural ecoava pelo campo de batalha e alguns soldados estremeceram ao longe. Hael, a general, se fazia presente no campo de combate e sentiu sua espinha congelar. Teriam de enfrentá-lo? Morroc estaria perto da vitória? No topo, os campeões ainda lutavam para tentar sobreviver. Era uma batalha perdida praticamente. Morroc mantinha-se em pé, seu corpanzil curvado e apoiado sobre braços muito maiores que as pernas. Seus chifres coroavam-no como um rei enquanto seus vários olhos vislumbravam seus oponentes estremecerem, impotentes contra ele. Abriu um sorriso de centenas de dentes afiados, em fileiras como soldados. - Humanos. Vocês me divertiram. Sua esperança fútil foi impressionante e acabar com ela foi uma alegria sem fim. Nada seria mais justo que deixar que vocês partam. O piso os espera e eu faço votos que seu juízo seja o suficiente para saltarem para a morte ao invés de testarem minha piedade... Permaneceu olhando com impaciência, ansioso pelo espetáculo. Eles podiam ir e a única via era a queda livre. A porta estava cerrada e ele dera a clara palavra de que não abriria. Todos se entreolhavam e notavam que Thanatos ainda estava vivo. Ele se erguera e, a passos lentos e tropeçantes, tentou caminhar até eles. Morroc mantinha o olhar, seu sorriso se tornando uma gargalhada que fizera Midgard inteira tremer. - Thanat! Você está bem? – Dereck foi o primeiro a escorar o amigo. Thanatos parou, vomitando sangue escuro e pisado. Estava sangrando muito e Sartini, por puro reflexo, se aproximou, saltando e murmurando algo em seu idioma nativo. Thanatos sentiu o corpo se preencher de energia, as náuseas cessando e a vontade se renovando. Sorriu por baixo da máscara de lobo que o amigo lhe dera. - Thanat – iniciou Adrior – esse monstro é invencível, cara. E você ouviu? Ele quer que pulemos! O sorriso de Thanatos se alargou ainda mais. - Eu ouvi, Adrior. E sei muito bem o que fazer quanto a isso. Sartini sentiu dor. Byeldorg atravessou-lhe o ventre, fazendo com que o pequeno homem não conseguisse sequer pensar em falar. Retirou a espada e sangue verteu como uma cachoeira rubra cintilante. Logo em seguida, a máscara tornou-se pesada e ele estava sobre as mãos e os joelhos, logo antes de Thanatos privá-lo de seus últimos pensamentos. - Thanat – gritou Adrior – seu louco! O que deu em você?! Adrior sentiu ódio. Enquanto Dereck se afastava e olhava horrorizado, e Lucil tentava ainda se livrar do choque de ver Thanat sorrir enquanto matava um a um seus melhores amigos, os punhos de Adrior erravam. Thanatos recuou um pouco mais, espada em mãos. Seu sorriso ficava na fronteira da bestialidade com a loucura. Adrior tentou um novo soco apenas para se ver livre do peso de seu braço. O segundo golpe abriu-lhe um rasgo nas costas, fazendo-o tombar para frente. A máscara de Adrior ainda estava em seu rosto quando a espada de seu antigo amigo atravessou-lhe o coração. Mais sangue vertia e logo ele não se levantava mais. Dereck sentiu desespero ao ver aquilo e tentou se afastar, deixando o corpo sem vida de Sartini para trás. Tentava alcançar sua lança quando sentiu algo se estilhaçar em seu corpo e, em seguida, uma substância oleosa ungi-lo. Parecia o óleo que usaram nas tochas enquanto se aventuravam por tantas vezes. Olhou para Thanatos apenas para entender o que aconteceria com ele em seguida. Seu rosto enrugara-se numa pura manifestação de pavor. - Fogo jorrará de minhas mãos e, em nome de Thor, você será incinerado. Bola de Fogo!! A explosão de fogo incendiou o corpo de Dereck. Seus gritos de agonia eram música para os ouvidos do gigante que se deleitava com a loucura que surgia. Em seu íntimo sentiu uma pequena vontade de tornar aquele humano um de seus servos, mas afastou essa possibilidade rapidamente. Quem trai uma vez tem grande chance de repetir aquilo e nem mesmo o gigante o aceitaria em meio às tropas. Lucil sentiu a maldade verter dos olhos de Thanatos. Ela sabia que não teria chance. Estava muito exausta e Sartini não tivera tempo de prestar socorro a ela. Um braço deslocado e o outro o protegendo. Estava indefesa, se afastando e sentindo medo. Nunca sentira tanto aquela sensação de morte iminente como agora, enquanto tentava se afastar inutilmente do monstro que se aproximava dela. Mesmo pela máscara, Thanatos podia ver o pavor de Lucil. Nem mesmo a visão de sua amada o acalmou. A sede de vingança, a sede pelo embate dele era ainda maior. Aproximou-se dela até ser bem capaz de sentir na própria pele o horror da jovem algoz. Riu alto enquanto atravessou a espada no ventre da moça. Sangue verteu da boca de Lucil, visível pelos cantos da máscara. - Tha...nat... Segurou a máscara dele inutilmente enquanto seu corpo tombava. Thanatos olhava aquilo e seu rosto foi sendo descoberto aos poucos enquanto Lucil ia de encontro ao chão, mortalmente ferida, a máscara do rapaz presa em seus dedos sem vida. Morroc riu-se, olhando para Thanatos, seu rosto disforme expressando satisfação e ansiedade pelo que ele iria realizar com o pequeno. - Você acha que escapará assim, jovem tolo. Você matou seus amigos para que? Para tentar se unir a mim? Imbecil, não há espaço para humanos no mundo de Morroc! Thanatos virou-se para o gigante, elevando a cabeça e encarando desafiadoramente os vários olhos dele. Um mau pressentimento surgiu em Morroc, algo que ele só sentiu quando enfrentou Odin pessoalmente. Odiara sentir aquilo e a voz de Thanatos apenas o tirou de seu ligeiro devaneio. - Eu não fiz isso para me unir a você, gigante. E você vai se arrepender de falar assim comigo... Thanatos olhou para baixo e encheu os pulmões de ar. - Torre! Eu cumpri a primeira parte de nosso acordo! Eu, Thanatos, demando que você cumpra a sua parte imediatamente, sob a pena de permanecer sob jugo deste monstro que você tanto despreza! Morroc gargalharia em seguida, não fosse o que ele testemunharia logo em seguida. Uma aura violácea emergiu do chão, envolvendo o jovem diante dele. Gritaria em ódio, mas sua voz fora presa por uma aura enegrecida. Sentiu sua mente esvaziar enquanto sua força descomunal diminuía. Tentou mover-se, porém sentiu-se impotente. Uma voz ecoou na mente dos dois. - Meu novo senhor é você, meu pequeno guerreiro. Os meus poderes são seus para que possa usá-los. Quanto ao meu antigo mestre, deixo o destino dele em suas mãos. Ele não é mais parte de mim. Morroc enfureceu-se ao sentir a última gota do poder da torre sair de seu corpanzil, porém aquilo ainda não tinha acabado. A energia que antes lhe pertencia envolveu o rapaz bem diante de seus olhos, adentrando pelo nariz, pela boca, pelas frestas da armadura. E tudo começou a mudar no corpo de Thanat. Seus músculos ganharam mais massa, inchando um pouco com a energia que lhe invadia. O poder pulsava e corria como sangue e seu coração batia mais forte. Uma capa vermelha como sangue surgiu de seu pescoço, dando um ar imponente ao rapaz. Byeldorg teve sua lâmina imensamente aumentada, tingida de negro e tendo três jóias que pareciam olhos que ficavam na mesma linha do cabo. A ponta da lâmina partiu-se, deixando-a com o centro vazio até a metade. Seu sorriso tornou-se feral. - Agora vamos à segunda parte do acordo... Morroc tentou inutilmente atingi-lo com um bofetão com as costas da mão. Mal viu quando um murro atingiu-lhe a cabeçorra, lançando-o para fora da torre. Abriu as asas e viu Thanatos em pé, olhando-o com escárnio. Sua voz finalmente saíra. - Gggrrrrah! C-como ousam!? Humanos, como ousam!? Não poderia enfrentá-lo naquela situação. A torre era fonte de imenso poder e ele sabia melhor do que qualquer um. Suas asas impediram que ele descesse e logo se moveu. Teria de buscar reforços na fenda que ele mesmo criara e as feras que estavam no céu seguiram-no, enquanto que as que estavam na terra foram transportadas pela magia do gigante. Precisaria ser rápido, pois o tempo, agora, estava contra ele. Enquanto isso, lá embaixo, gritos de vitória foram dados. O plano havia dado certo e agora Morroc fugia com seus monstros. Agora restava aguardar aqueles que subiram descerem. Todos seriam tornados verdadeiros heróis, mesmo aqueles que não mais poderiam estar entre eles. Nada. A espera pesou mais e mais nos ombros feridos de cada soldado. Era tão grande que mesmo descer deveria ser demorado, ainda mais com tantos feridos ou até mesmo com o cadáver dos caídos. Devia ser isso. Só podia ser isso. Nada. Todos começavam a se perguntar se Morroc realmente fugira e se não estavam enlouquecendo. Não havia mais combate, nem mesmo um monstro. Midgard ainda parecia ser Midgard, mas da torre ninguém saia. Nem mesmo um sinal de vida. Até que a porta rangeu. Era Thanatos, vivo e sem um ferimento no corpo. Todos olharam impressionados, o silêncio fazendo daquela multidão o seu império. Não bastasse estar inteiro, estava sozinho, fazendo todos suspeitarem de alguma coisa. Até mesmo a general Hael, presente naquilo tudo, duvidou de seus próprios olhos, aproximando-se rapidamente. Antes mesmo de ela pensar em falar algo, a voz de Thanatos saiu, mais potente e mais severa. - Fiquem fora dessa luta, todos vocês. O Morroc é meu e só meu.* - Você está louco, rapaz? Agora que ele fugiu é a hora de atacar! - Vou falar pela última vez. Fiquem fora se valorizam suas vidas. Uma aura sinistra emanou, fazendo todos naquele local sentirem medo, até mesmo a general. Alguns caíram, outros se afastaram, sentindo uma necessidade urgente de abandonar aquele local. Hael empalidecera e se afastou também no instante em que o olhar assassino de Thanatos cruzou com o olhar dela. Olhou para o longe e logo sua voz surgiu do nada. - Hypnos, venha já aqui! O cavalo de Thanatos surgira na frente de todos e, tão logo ele montou, o cavalo exalou fumaça pelas narinas e suas patas flamejavam com energia púrpura. Saíram em disparada, deixando os outros diante de uma torre que fechava as portas sozinha e tendo a única opção de retornar o mais rápido que podiam para o reino. Nenhum cadáver fora sepultado, tamanha a urgência, sendo queimados com honras em uma pira coletiva. Nenhum elfo sobrevivera. As baixas superavam a metade das tropas, quase nenhum inválido. Quem se feria logo era morto por uma das feras aladas e então retornar foi uma tarefa menos desgastante. Hael montou em seu cavalo e foi seguida por um cortejo. Precisava ser rápida para avisar Rune Midgard que Morroc recuara e que deveriam se preparar, pois ele tentaria de novo com certeza. Por dois dias, o mundo permaneceu em uma espera infernal. Nenhum sinal de atividade real das feras de Morroc por parte de batedores, tampouco de Thanatos. Era como se tivessem sumido, evaporado. Payon permaneceu em seu sofrimento silencioso enquanto Rune Midgard e os elfos estavam alvoroçados, debatendo furiosamente novas táticas, meios de vencer o gigante com base nos relatos dos que chegavam. Todos estranhavam demais aquela calmaria. Todos, menos o deserto. As ruínas ainda estavam quentes, sangue e criaturas visível por toda a parte. A ferida sobre o mar do sul ainda estava escancarada, vertendo fuligem e pestilência, vez ou outra alguma criatura tentando passar por ali. Ao longe, uma figura já familiar se formava. Uma fera imensa, desproporcional e seu enxame voltavam derrotados de uma vitória quase certa. Morroc espumava de tanta ira, praguejando em silêncio, o murro que recebera ainda fresco em sua face. Era imperativo agora buscar mais demônios para seu exército. As mãos gigantes de Morroc afastaram a bordas do rasgo que ele mesmo abrira no mundo. Demônios jorraram e cobriram o deserto em pouco tempo. O gigante se esforçava para manter a passagem aberta e até mesmo ampliá-la, permitindo a passagem de criaturas que jamais deveriam pisar em Midgard. Em um dia, ele estava preparado para o que estava por vir. Foi o tempo exato. Quando Morroc achou que estava preparado, criaturas aladas vieram, falando aos montes até Morroc se enfurecer e esmagar uma delas. Esmagaria todas as que infernizavam-no, mas precisava economizar. - Mestre! É-é aquele garoto! E ele vem vindo rápido! - Que venha, então! O cavalo de Thanatos resfolegava, sua boca mal conseguindo ficar fechada. Tinha cavalgado três dias sem sequer parar para comer algo. Seus cacos trincavam mais e mais até começarem a sangrar vultosamente. As chamas desapareciam mais e mais conforme Thanatos descia. Continuara correndo, deixando sua montaria para trás, morrendo pela exaustão. Sua espada em mãos, seguia seu rumo diretamente em encontro com uma massa demoníaca que conseguiu cercá-lo em poucos segundos. Foi inútil. Thanatos arrombava o exército com golpes, dezenas sendo arremessadas a cada movimento. Não tardou até estar no campo visual de Morroc, subindo em uma pedra gigantesca que existia para poder ver melhor seu inimigo. Morroc, ao vê-lo, vociferou. - Mortal insolente! Eu sou Morroc, senhor de Muspel! E você...você é um nada! - Meu nome é Thanatos. E estou longe de ser um nada. Thanatos riu, coçando o nariz levemente. - Como eu irei lhe mostrar! O punho de Morroc desceu pesado contra o apoio do jovem, condenando o apoio a mero cascalho. Thanatos saltou tentando cravar a lâmina no punho de Morroc enquanto caia. Tentou tirar a mão logo, sem perceber que atingira parte das feras que tentavam cercar Thanatos por todos os lados. A voz de Thanatos ecoou. - Que gelo despenque sobre meus opositores! Nevasca !! Nevou no deserto. A tempestade de gelo que se formou era impressionante, não apenas congelando. Era maior que o mais rigoroso dos invernos de Midgard. Demônios eram congelados ou atingidos por uma tempestade de granizo, caindo aos montes. Thanatos emergiu da tempestade, espada em punho. A mão de Morroc atingiu-o com um bofetão, tirando-o de rota e fazendo-o voar algumas centenas de metros antes de atingir o chão. Não demorou para que o rapaz novamente estivesse rasgando a armada de Morroc, indo diretamente até ele. - Você ficou forte, rapazinho, mas não o suficiente. Acabem com ele! O céu desceu. Inúmeras feras aladas, o suficiente para encobrir a visão do jovem, ergueram-no do chão a uma velocidade impressionante. Não tardou até que tentassem rasgar a carne para saciarem sua fome. A espada do jovem rodopiou, fazendo-o ficar livre. Não caiu, segurando-se em uma das criaturas e trazendo o combate para o céu. Morroc ergueu-se do solo, avançando. Estava em vantagem. Ele voava, o mortal não. Foi atingido em cheio. Uma das feras foi usada como projétil pelo jovem, lançando o gigante de volta ao solo. Um urro de dor e logo mais e mais feras choviam sobre o deserto. Thanatos descera, tentando ir em direção ao gigante, o mundo ouvindo a troca de golpes enfurecida que eles tinham. Enquanto isso, em Rune Midgard, a general Hael ouvia os impactos preocupada. Aquela ansiedade não a deixava sequer pensar em dormir. Mesmo de noite trocavam golpes ensandecidamente. Precisava ver com seus olhos, para que ela mesma ficasse segura. Não queria saber de Thanatos ou Morroc. Apenas queria que seu filho tivesse um lar ao fim daquele confronto louco. O sol hesitou em raiar. A batalha era incessante e sanguinolenta. Morroc já tinha diversos cortes em seu couro grosso e tinha acertado Thanatos vezes o suficiente para ter derrubado cinco castelos. E ainda assim ele não diminuía o ritmo, ainda assim as hordas demoníacas caiam. Mesmo as mais gigantescas feras paravam-no por algumas dezenas de minutos no máximo. - Que minhas feridas cicatrizem, assim comando! Cura !! Precisava ganhar tempo para se recuperar. Uma verdadeira parede de carne formou-se e Thanatos golpeava sem parar. Mantinha um sorriso de satisfação no rosto e logo nuvens se fecharam, ao passo que a voz do guerreiro arcano era ouvida por detrás das defesas, sobrepondo os urros e guinchos. - Thor, deus do trovão, saciai tua ira neste lugar, nesta hora fatídica. Faça valer sua vontade ferrenha e destrua meus inimigos. Ira de Thor!! Era como se o próprio Mjolnir, o martelo divino, tivesse sido arremessado. O raio abriu um buraco imenso na murada de Morroc. O tempo, porém, havia sido suficiente. E Morroc murmurou enquanto via o rapaz vir. - Estrelas que jazem no céu, desçam imediatamente sobre meu oponente. Chuva de Meteoros!! As nuvens de fuligem abriram para dar passagem a rochas do tamanho de casas, incapazes de distinguir entre amigo e inimigo. Thanatos partia algumas em duas, outras ele explodia usando as mais variadas magias. O espetáculo arcano que se seguia faria o mais antigo elfo da cidade de Geffenia sentir vergonha de si mesmo. Para cada magia, tinha uma que anulava. A cada vez, os únicos que sofriam com os estragos eram os monstros de Morroc. E mesmo morrendo às centenas, ainda eram capazes de preencher o deserto. - Que o frio de Ymir acabe com sua carne! Rajada de Gelo!! Thanatos foi congelado e levado até o gigante. Recuou o punho, preparando um soco com o máximo de sua força e golpeou. Apenas o ar fora atingido. A coroa de chifres do demônio foi atingida por inúmeras feras aladas, todas sendo arremessadas até que a mão do gigante tirasse seu oponente do ar, esmagando-o contra o chão. E mesmo assim, ele levantou prontamente, avançando contra as pernas do gigante. As preces eram diárias. Todos imploravam aos deuses para que aquele espetáculo de horrores cessasse. Muitos não conseguiam dormir de tanto medo dos golpes trovejantes por parte de ambos os combatentes. Terremotos se tornaram rotina, sacudindo até mesmo as paredes da grandiosa Glast Heim. A general Hael já preparava a tropa para averiguar a situação do combate ela mesma. No terceiro dia, Morroc decidira ir com tudo. Não pouparia mais esforços. Aquela luta já se prolongava tempo demais e ele já havia perdido muitos servos. Assim que Thanatos saltou para tentar atingir-lhe, aproveitando uma brecha que o próprio gigante deixara propositadamente, o punho de Morroc o atingiu de frente, prensando-o contra uma montanha. Socou ininterruptamente até que parou apenas para vomitar labaredas em cima de onde estava o pequeno humano. Conseguiu sair a tempo de não ser transformado em carvão puro como ocorreu com algumas feras que achavam seguro se aproximar. Tentou aproximar-se pelo flanco. Foi em vão. Os muitos olhos de Morroc lhe conferiam uma visão muito privilegiada e logo Thanatos fora atingido de cima para baixo, esmagando-o contra o chão. Vitrificou onde seria a tumba de seu oponente com seu hálito de fogo e usou de sua magia para recuperar-se, deixando alguns demônios de guarda. Durou apenas uma hora. A tumba se estilhaçou, mas Morroc estava como se não tivesse combatido, bem repousado e sem um ferimento em seu corpo, cortesia dos demônios que o curavam insistentemente. Thanatos foi detido pela mesma parede que seu inimgo tentara anteriormente, usando seus lacaios. Enquanto entoava a Ira de Thor, um punho imenso o acertou em cheio, novamente soterrando-o em uma imensa duna. E ainda assim ele levantava, como se nada tivesse ocorrido. A areia tornou-se uma tempestade, borrando a visão de todos os monstros que dependiam de seus olhos, permitindo apenas a aproximação dos cegos. Logo Thanatos viu-se cercado por monstros que sentiam sua presença por inúmeros meios e reiniciou o combate. Monstros tombavam aos montes enquanto a tempestade de areia baixava e Morroc conseguiu se aproximar novamente. Hael caminhava entre os poucos soldados que ousaram segui-la. A maioria ainda tinha pesadelos com a batalha em todos aqueles dias. Já se iam três dias e aqueles ruídos de choque ribombavam como uma tempestade de raios. Não havia momento sem trégua. A general aproximou-se de um soldado trêmulo, dando-lhe um bofetão no rosto. - Covardes não farão falta, pivete. Volte para a sua casa. Eu prefiro ir sozinha se for para ficar cercada por pessoas que ainda fazem xixi nas calças. Ela mesma tremia em seu íntimo. Temia pelos seus filhos que deixaria em casa para crescerem sozinhos num mundo de monstro caso tudo falhasse. Ainda assim tinha de ver com os próprios olhos. E ter uma unidade com ela só a deixaria mais calma. O sol erguera-se vermelho por detrás de toda aquela fumaça. Morroc urrava em ódio a cada golpe. Estava esmurrando aquele mortal havia um dia sem parar e ele não tombava. Na verdade, levantava ainda mais rápido. Os músculos do gigante já imploravam por um repouso de tanta exaustão. Thanatos sorriu. - É tudo o que você pode fazer, filho de Ymir? Talvez por isso os deuses tenham feito você de capacho e jogado-o bem longe. - Cale-se, mortal! Você não chega aos pés dos Deuses e eu os enfrentei sem o poder da torre. Ainda assim Odin teve de sentir muita dor antes de me vencer! - Não é o que parece. Os olhos de Morroc tingiram-se de sangue. Tudo o que queria era o sangue daquele mortal para ele beber usando o crânio dele, por menor que fosse. Avançou em uma velocidade que fez Thanatos abrir os olhos e se impressionar. Então o gigante ainda tinha muita energia. Era perfeito para ele. - Que o solo se torne meu aliado! Coluna de Pedra!! Morroc fora atingido em cheio no queixo, dez dentes espalhando-se pelo ar, enquanto um verdadeiro pilar de pedra, mais grosso que seu braço disforme, o arremessava para o alto. Monstros emergiram de todos os lados, enterrados na areia, e avançaram sobre Thanatos. Foram usados de projéteis para castigar ainda mais o corpo do gigante. Pela primeira vez Morroc cuspira sangue naquele quarto dia de combate. Ainda era de manhã. Thanatos avançou onde seu inimigo possivelmente estava. A voz gutural elevou-se em tom de ódio para recepcioná-lo. - Pela fúria dos muspilli e dos jotanar eu convoco o maior de todos os trovões! Trovão de Júpiter!! Thanatos cravara a espada na areia e saltou, deixando sua arma servir de párarraios enquanto ele ia desarmado contra o próprio filho de Ymir. Seu punho, do tamanho da cabeça de um pequeno alfinete para o gigante, o atingia como o ferrão de uma vespa. Cada golpe doía não apenas no corpo, mas no ego do gigante. Tentava afastar o pequeno dele a todo preço, até mesmo ferindo a própria pele blindada. Logo Thanatos fora puxado por inúmeros tentáculos, línguas e qualquer outra coisa que pudesse puxá-lo. Obtiveram sucesso em afastar Thanatos de seu mestre. O custo, entretanto, fora elevado. Thanatos começou a rodopiar e segurou os apêndices de todos os monstros, improvisando um verdadeiro mangual com o qual espancou o gigante até a “corrente” começar a arrebentar. Todos morreram no primeiro impacto, mas ainda assim seus corpos sem vida serviram muito bem para o jovem. - Esses seus monstros são uns inúteis, Morroc! Prefiro usar a minha espada mesmo! Assobiou e logo a arma zuniu, rasgando qualquer monstro tolo o suficiente para se por em seu caminho, acomodando-se com perfeição à mão de seu usuário. Morroc arfava, seu corpo castigado e urrou em um idioma que nenhum ser entendera, exceto as criaturas que pousaram sobre ele e começavam a despejar secreções que faziam-no cada vez menos ferido, recuperando seu corpanzil. Fritz tentou mover-se até Hael, seu corpo debilitado pelo primeiro assalto da fera ainda castigado. Sua voz não tinha o timbre firme e viril que ele costumava. Parecia mais um pai olhando para sua filha, preocupado com a insanidade que ela iria realizar. - Hael, não vá! Não é hora pra isso. - General Fritz, o senhor sabe que eu não consigo ficar aqui enquanto o destino de nosso reino está nas mãos de outro. Eu vou e levarei uma guarda pessoal. - E se der errado? Você vai morrer lá! - Se der errado, eu vou morrer lá ou aqui. Só estou querendo testemunhar e ser a primeira a relaxar ou me desesperar. A noite alternava a guarda com o dia, ambos em fúria com aquele embate que se desenvolvia já no quinto dia de embate. Morroc tinha de gastar menos energia, agora que tinha pouca. Tinha de se recuperar e manter aquele embate direto contra o pirralho com o poder da torre era tolice naquele momento. Teria de apelar à sua armada ao máximo. - Pirralho, você não passa de um mortal insolente com muita energia. Eu mesmo vou acabar com você. Já chega de brincar! - Você só estava brincando? Ufa, que alívio. Pensei que era tudo o que você tinha. Então eu estou indo! Morroc rangeu os dentes. Continuava a provocá-lo mesmo após cinco dias sem dormir. Até mesmo alguns monstros da armada tiveram de repousar, revezando turnos de combate com o pirralho. Alguns eram reconduzidos ao descanso, dessa vez eterno, outros conseguiam se afastar. Ninguém conseguia fugir. Thanatos correu em linha reta em direção a ele. Um sorriso se formou em seus lábios até a hora que inúmeras criaturas surgiram, segurando suas pernas e seus braços, tentando tragá-lo para baixo da terra enquanto outras surgiram e uma aura negra as envolvia. Cruzes negras se formaram, todas tendo o jovem como alvo. A única saída era saltar e Thanatos assim o fez. Foi enviado de volta ao solo pelo punho do gigante, que gargalhava satisfeito. Sua armadilha dera certo e agora o jovem seria fulminado pelas cruzes negras, uma habilidade demoníaca que satirizava os templários com sua Crux Magnum, a cruz sagrada. Nada, nem mesmo um arranhão. Thanatos era pura sombra, olhos vermelhos deixando claro onde ele se localizava. Quando as cruzes cederam, o corpo de Thanatos se refez e ele golpeou o chão, arremessando todas as criaturas para os lados, atordoadas pelo estrondo. A bocarra de Morroc abriu, despejando fogo em cima do rapaz, que prontamente correu para o lado. Mais monstros vindos do chão, porém dessa vez as criaturas aladas desceram, criando um tornado com seu vôo em círculos em altíssima velocidade. Thanatos estava com dificuldade em se mover e até mesmo em respirar enquanto uma duna se formava sobre ele. Chamas e mais chamas tentavam providenciar uma nova tumba de vidro para ele, até o ambiente congelar novamente. Calor e frio tão intensos criaram um furacão que fez as feras se chocarem e Thanatos rir. Divertia-se com aquilo. Era enfim o embate que tanto sonhara. Quando pôde, saiu e reverenciou seu oponente. - Nunca me diverti tanto em um combate, meu caro Morroc, filho de Ymir. Espero que esteja sentindo o mesmo, pois eu não pretendo parar ainda. - Insolente! Como ousa caçoar de mim!? - Você não está em posição de demandar respeito. Muito menos eu. E, só para constar, você realmente é duro na queda! Morroc tentou socá-lo, mas teve seu braço partido em dois, sangue jorrando pelo rasgo que ia da mão ao ombro de Morroc. Seu poder de regenerar e as secreções que choviam sobre seu corpo fizeram-no se recuperar em instantes, mas não o suficiente para não sentir dor. Thanatos aproximou o rosto de um dos olhos do gigante, sorrindo. - Não falei? Tentou esmagá-lo como uma mosca, usando suas mãos descomunais, porém o que conseguiu foi apenas um estrondo digno dos trovões feitos pelo próprio Thor. Thanatos havia se afastado, observando para o alto. Aquela chuva começara a incomodá-lo, mantendo seu oponente vivo. Teria de dar cabo nela uma hora. Mas não naquele momento, tão próximo de seu arquiinimigo, tão próximo de sua luta. Apenas sua. Hael finalmente começara sua marcha rumo ao deserto. Muitos ainda sentiam calafrios a cada trovão, a cada tremor. Era como se o próprio Ymir, cujo corpo fora usado como matéria prima para fazer o mundo, tentasse retornar dos mortos, revoltado com o que acontecia com seu filho. Ainda assim moviam-se o mais rápido que podiam para não perder o desfecho daquela luta histórica. As mãos do gigante colidiram com o chão, fazendo o sexto dia nascer à força. Um tremor de grande intensidade sacudiu não apenas o deserto, mas toda Midgard. Estava enfurecido, tentando atingir seu oponente. Cada soco fazia a terra tremer mais e mais até se partir. Para Thanatos era puro júbilo, pura carnificina. Feras tentavam amontoar-se sobre ele para que seu mestre o atingisse, porém eram fulminadas. Uma aura dourada começou a se formar em volta dele, energia transbordando de seus músculos inchados à custa de poder. - Rapidez com Duas Mãos!! Parecia um furacão, sua espada distribuindo golpes a uma velocidade que apenas o próprio gigante podia acompanhar. Urrou o mais alto que podia, tentando ensurdecer e desestabilizar seu oponente. Por um instante tivera sucesso, o jovem tampando os ouvidos. Finalmente poderia começar a revidar. - Que sua carne se torne pedra e seu sangue areia! Petrificar!! A carne de Thanatos enrigeceu, seu corpo não mais o obedecendo. Tentava se mover inutilmente até notar que o piso tornara-se mole, pastoso. Morroc estava decidido a tentar tudo de uma vez. Seus olhos faiscaram em cinco cores diferentes e um demônio emergiu atrás de Thanatos, pergaminhos em mãos e proferindo. - Pelo poder a mim investido, eu o condeno, em nome do inferno, a... Não conseguiu terminar de falar. Logo o alvo de tantas maldições se viu livre de sua prisão de pedra, uma casca em sua forma caindo. O gigante eriçou as escamas, enfurecido, sua aparência tornando-se tão hedionda que um pequeno grupo de demônios faleceu apenas de olhar, suas almas debandando em pânico. Thanatos olhou por um instante, entendendo o motivo da morte. Estava realmente uma imagem monstruosa e intimidadora. Nada poderia ser melhor para ele. Avançou e Morroc o deixou se aproximar, acumulando energia, porém não a dele. Monstros morriam aos montes para sanar a exaustão do gigante. Precisava se renovar urgentemente. Thanatos chegou e logo suas pálpebras pesaram. Morroc olhou, falando com uma voz estranhamente macia e suave. - Com sono? Ora, apenas durma. Durma para sempre e nunca mais acorde, pivete insolente! Hael sentiu a onda de choque do golpe muito cedo. Havia finalmente chegado ao deserto, onde podia ver uma horda suficiente para engolir as armadas combinadas de Rune Midgard e Geffenia em números absolutos. Era a visão do próprio inferno, porém algo a deixou desconfiada. Não havia dunas. O terreno estava perfeitamente plano. Tão plano que podia ver a fera gigantesca trocar golpes com alguém que ela podia identificar apenas como um ponto. Thanatos. Era de noite, mas as chamas, as fagulhas que mais pareciam raios iluminavam e nenhum dos dois, que tanto lutavam, notava o passar dos dias. A fúria tomava-os neste sétimo dia, engalfinhados em combate corpo a corpo. Sangue e suor voavam para todos os lados. Os punhos de Morroc já não estremeciam tanto o solo. Thanatos mantinha o vigor, mas menos velocidade. Longas pausas eram feitas, cada um se estudando, consumindo o pouco ar respirável que ainda tinha entre eles. Os monstros não conseguiam manter aquele ritmo. Ao longo do sétimo dia de combate, alguns morriam pela exaustão, seus corpos não conseguindo mais sequer se mover para respirar. Morroc avançou e todo o repouso se desfez. Logo estavam trocando golpes enfurecidamente de novo, como se as pausas tivessem sido descanso. Golpes e mais golpes distribuídos a esmo, voltando a chacoalhar o mundo. Hael mal acreditava no que via. Desde que chegara tentou despregar os olhos, mas só conseguiu o fazer quando o cansaço de seu corpo demandou sono forçado. Mesmo assim, em seus sonhos, os dois lutavam indefinidamente, sem vantagens. Equiparados. Era como se, mesmo dormindo, ambos quisessem que ela os visse lutando. E, quando se notou desperta, ainda estavam lá. No oitavo dia, Morroc já se agitava, não conseguindo aceitar aquilo. Um único humano bancando um deus, enfrentando-o de igual para igual como Odin fizera no início do mundo. Inconcebível. A Torre não deveria ser tão poderosa. Amaldiçoou-se por tê-la subestimado e por ter brincado com os humanos daquela forma. Devia tê-los exterminados assim que podia. Era dia. Thanatos já estava totalmente sem paciência com a chuva de saliva e outras secreções que curavam seu oponente. Teria de dar um basta para vencer. Oito dias foram o suficiente para ele e estava na hora de atacar seu oponente nos pontos fracos. Teria de ser rápido para tal. Nova troca de golpes. Thanatos escalava o corpo do gigante a cada golpe. Cravava a espada, se segurava em dedos, corria sobre os membros até saltar o mais alto que podia. Morroc sorriu. - Que tal conhecer as alturas, pivete? - Quero ver você tentar! Um golpe preciso de Morroc arremessou seu inimigo para muito alto, até onde suas feras aladas aguardavam para trucidá-lo. Ainda assim, algo deixou com uma sensação de erro no ar. Ele estava tramando algo pela facilidade com a qual o atingiu. O Sol brilhou. Um verdadeiro rombo se formou na malha de criaturas que despejavam o que mantinha o gigante inteiro. A cada segundo, centenas morriam por causas diversas. Raios, gelo, fogo, golpes, tudo. Thanatos despejava tanta destruição que as nuvens abriram e até o senhor dos gigantes estremeceu e alçou vôo. Teria de interromper aquilo imediatamente, precisava chamar a atenção para ele. Seu urro foi o suficiente para fazer o guerreiro olhá-lo. Desejou nunca ter conseguido aquilo. Saltou em direção a ele, indo de encontro a uma asa. Não tardou até ganhar o dorso do gigante que tentava se debater para arrancá-lo de lá. O jovem gargalhou histericamente. Parecia uma criança com um mosquito que o irritara o dia todo. Inclusive quando congelou as bases das asas do gigante para arrancá-las com as próprias mãos. Morroc caiu de frente no chão, e assim ficando alguns segundos. Sua arrogância lhe custara suas asas, seu orgulho. Levantou-se e teve seu rosto enfiado na areia por um golpe de espada de Thanatos. Uma explosão arremessou tudo e todos para longe. Não toleraria mais aquilo. Não tinha mais tanta força, mas agora teria de usar tudo sem restrição. A conquista seria mero lucro. Se matasse aquele pivete, estaria satisfeito, não importando o que acontecesse a Midgard. Hael orava freneticamente aos deuses que sempre tratou com descaso. Sempre acreditou que seu sucesso era dela e só dela, mas entendia finalmente o que era algo divino. Estava tudo além de sua compreensão. Odin, Tyr, Thor, orava a quem pudesse ouvir e intervir em favor de Midgard. A luta daqueles dois devastaria tudo em pouco tempo. O nono dia se fez presente. Thanatos começara a usar o que podia para ferir Morroc. Toda a fúria que conseguia acumular era direcionada ao gigante. E ele ainda assim aguentava. Era uma criatura que vivera antes mesmo do primeiro ser humano existir, estava viva desde antes de Midgard. Matá-lo talvez estivesse realmente além dos poderes que a torre lhe dava. Teria de agir rápido antes que ele mesmo começasse a sentir a fadiga plena. Talvez o gigante não se cansasse mais rápido. A idéia que lhe surgiu foi o suficiente. Confrontou o gigante diretamente, tentando soterrá-lo em alguns pontos com golpes usando de toda sua força. Mesmo assim era grande demais. Segurou a cauda do gigante e rodopiou-o com tanta velocidade que um furacão se formou. Quando o soltou, fez com que ele sentisse na carne o que era colidir com um grande rochedo. A voz do rapaz se fez presente, balbuciando algo que nem mesmo a audição privilegiada do filho de Ymir era capaz de entender. Lutavam, mas os lábios de Thanatos se moviam insistentemente. Hael apenas via à distância, incapaz de pensar no que viria. Eram quase dez dias ininterruptos de confronto e nenhum dos dois dava sinal de que iriam parar. O décimo dia chegou e Morroc tentou avançar novamente. Não haviam sequer mudado o estilo de combate, Thanatos estranhamente recuando, talvez marcado pelo cansaço. Era a hora. Morroc aumentou ainda mais a intensidade da investida, seus golpes sendo apenas aparados, não evitados. Ele venceria. Era certo que venceria. A noite seria o velório daquele pivete e a marca de sua grandiosa vitória sobre a humanidade. E os balbucios do pivete com certeza eram sua última oração aos deuses. Um círculo se fez no chão. Correntes mais grossas que as colunas de Glast Heim prenderam os punhos e as pernas do gigante que tentava se debater desesperadamente. Não conseguia conceber o que acontecia. A vantagem era dele, estava golpeando mais há poucos instantes. Notou enfim. Os pontos onde mais combateram eram vértices de um encantamento. Thanatos o tapeara. - Morroc, nossa luta devastaria Midgard. Eu não quero voltar para ruínas. Eu sinto muito, mas nosso embate termina aqui. Você será selado para nunca mais voltar. - Maldito! De novo não! De novo não! Eu vou voltar, seu pirralho insolente! E virei atrás dos filhos de seus filhos para que sua linhagem seja exterminada, eu voltarei! - Que Midgard engula meu oponente enfim. O ritual está pronto e deve ser começado. Que todos os elementos venham para os quatro anões que sustentam o crânio de Ymir. Que esse deserto seja, para sempre, as barras da prisão à qual condeno meu inimigo. Selo Eterno!! Thanatos correu, sua espada completamente envolta em energia. Escalou o indefeso filho de Ymir rapidamente, rapidamente ganhando o ombro gigantesco dele. Pegou um pouco de espaço enquanto o gigante tentava inutilmente se debater e berrar. O jovem saltou e pousou pesadamente sobre o gigante, enterrando sua espada na face imensa dele. Era impressionante como ele ainda tinha espaço para se mover no rosto tão proporcionalmente pequeno daquele gigante. O corpo e o grito de Morroc se desfizeram, bem como as criaturas. Thanatos terminara de exterminar cada uma em segundos, não poupando esforço. Enfim vencera. Morroc agora estava preso em um lugar de onde não deveria sair. Sua magia fechou a fenda, curando a ferida na realidade que o gigante fizera. Agitou a cabeça, a mente ainda em êxtase. Fora a maior batalha de sua vida. Era hora de voltar. - A segunda parte de nosso acordo está feita, meu jovem. Está na hora de cumprir a terceira... A voz da torre. Aquela voz andrógina que lhe sussurrou o conhecimento que precisava para usar as magias enquanto ele mesmo se preparava para lutar com Morroc. Quase havia se esquecido. Na verdade, não se recordava de todo. - Agora, meu pequeno, você é meu. E eu irei usá-lo como eu quiser. Você não lembra? Sua memória retornou ao momento de desespero. Céus, o que ele fizera? Não podia crer que fora seduzido pela torre para que ela se apoderasse dele. Seria não apenas o instrumento da derrota de Morroc, mas também da destruição que ele queria evitar. Teria de ser rápido, teria de achar um meio urgente de se livrar daquilo. Seu olhar estava desesperado quando cruzou com Hael. Olhou-a de imediato. - General Hael... - Thanatos! Você conseguiu! Eu não acre... - Cala a boca, Hael, e me ouça. É urgente! Um pedaço de papel se fez nas mãos de Thanatos e ele o estendeu a ela. - Entregue isso ao rei. Vocês devem construir um castelo onde eu selei o gigante para que o selo fique protegido e escondido. Algum insano pode tentar quebrá-lo não hoje, mas talvez daqui a quinhentos ou até mil anos. O selo deve ser protegido. Gnh... - Você está bem, Thanatos!? Eu posso levá-lo aos... - Eu não vou a lugar nenhum, Hael. E você vai agora para o rei! Ouviu!? Berrou enfurecido e logo desapareceu em um teleporte. Hael não sabia mais onde ele estava. Apenas sabia que o sol voltaria a brilhar em Midgard. E que o jovem era o salvador de todos eles. Deviam a vida a ele. Ao longe, a lua e o sol fizeram-se presentes depois de tanto horror. Midgard voltaria a ter paz. Uma longa e duradoura paz. OFF
  5. Capítulo 7: Armada O céu esbravejava por testemunhar tamanho ultraje. Nuvens negras de fuligem pestilenta encobriam o azul que tentava aparecer e castigavam o solo com trovões. Era ainda noite, mesmo com o Sol a pino, sem lua, sem estrelas. O máximo que se conseguia ver era penumbra e mesmo assim, a curta distância. As únicas fontes de luz no Planalto de El Mes eram as criaturas de fogo e brasa que brilhavam doentiamente em diversas cores, variando do amarelo ao púrpura, e as tochas fracas dos acampamentos que se formavam longe dali. Barracas de campanha, casebres improvisados, fogueiras. O quartel que se formava era fraco, o suficiente para apenas albergar os nobres trêmulos, os soldados compenetrados e a massa popular que se unira para fazer valer a existência dos homens. Tudo se desfaria em poucos dias, quando e se alguém voltasse. Sacerdotes improvisaram altares para orar aos seus deuses, buscando apoio naqueles que não se moveram até agora. Uma barraca maior trazia uma imensa peça de tapeçaria redonda onde vários oficiais em suas armaduras reluzentes se reuniram. O jovem Thanatos estava entre eles. O maior deles fez um sinal, dando início ao debate. - Senhores, esta com certeza é a última reunião em que todos estaremos. Peço que, em consideração aos que irão partir, respeitemo-nos uns aos outros. Dito isso, inicio o motivo desta reunião. Hoje revisaremos nosso plano de ataque de amanhã. Todos de acordo? - Sim – o coro foi feito por todos. Desenrolaram um grande pergaminho com uma esquematização do terreno e logo começaram a colocar peças azuis para delimitar a posição inicial das tropas. Cada uma representava uma unidade e logo o pergaminho estava devidamente povoado. Então as vermelhas foram colocadas. Apenas uma linha delas. - General – iniciou Thanatos – os batedores tiveram tão pouco sucesso? - Pior, meu caro. Pior... Logo começaram a mover, rediscutindo cada movimento, cada um com um papel e uma pena para fazer as últimas anotações daquele dia e, quem sabe, de suas vidas. Teriam de rever tudo quatro vezes ao acordar pois não podiam dar um passo em falso. Tudo calculado com frieza com a ajuda até mesmo da tropa élfica enviada para suporte. Uma pequena unidade que se dizia de elite, composta por apenas quinze elfos. Nenhuma objeção se formara até lá. - General, eu estou vendo uma possibilidade bem aqui... – Thanatos apontara um ponto do mapa e alguns dos mais tradicionalistas exalaram ódio pelas narinas. - E o moleque ousa... – Andrey, um nobre de família tradicionalista da cavalaria, se manifestou. - Cala-te, Andrey, e deixe-o falar. E você, Thanat, espero que saiba as consequências de uma mudança pouco antes e tenha pesado-as antes de interromper nossos planos... - Eu pesei, general. Aposte nisso... No dia seguinte, o sorriso de Thanatos beirava o êxtase. As hordas inimigas ao longe já fediam a morte e sadismo. A espada do jovem ergueu-se e um urro que parecia uma paródia do berro dos demônios surgiu da garganta de Thanatos. Espadas, machados, garfos, foices, tudo que poderia ser usado como arma estava em meio à tropa de soldados e civis que Thanatos liderava. E, ao seu lado, Adrior, Dereck e Sartini bradavam com ele, notando a alegria do amigo em finalmente voltar a fazer o que ele mais amava. - Dereck – Adrior puxou o amigo para si – se eu não voltar dessa, beba bastante por mim e se divirta. E avisa a Madalena que eu a amo mais que tudo e que já já a encontro. - Madalena? - É, a esposa que eu enterrei em Prontera. Diga ao meu pequeno Josué que eu também o amo. Ele está na mesma cova. - Você nunca me contou disso, Adrior... - E isso ia mudar alguma coisa? Eu preferia continuar com isso só pra mim. Sartini murmurava incessantemente, esbanjando suas bênçãos sobre todos os que podia ver. Os músculos inchavam de magia, o medo se esvaia e a mente se concentrava. Thanatos sentiu novamente confiança e bradou de novo, como se desafiasse os monstros para duelo. Logo cavalos avançaram a toda velocidade em direção a eles, e uma chuva de feras aladas se formou. - Vamos! Por Midgard! O coro de oficiais impressionou a todos. Tudo extremamente organizado e preciso. As manobras começariam e agora Midgard ia testemunhar sua primeira maior batalha para decidir seu destino. A sorte estava lançada. E, do alto da Torre, Morroc gargalhava da insistência dos humanos. A Torre. Uma construção magnífica, imensa, maior que qualquer castelo já criado pela humanidade ou pelos elfos. Uns diziam que foram anões que fizeram, mestres da forja, outros falavam em elfos negros, sua pele tingida pela fuligem da forja. A unanimidade era que, em ambas as histórias, havia captura e escravidão. A construção parecia viva, pulsando com uma energia tão maligna que os nobres menos honrados deram suas costas em plena carga e voltaram correndo apenas para encontrar um oficial na retaguarda com flechas apontando para os covardes. Era morrer como um herói ou morrer como um covarde. Não havia opção. O solo estremecia com as marchas. Pessoas e monstros lutando pelo direito de sobreviver, ambos sedentos por sangue. O choque em definitivo nunca houve. A tropa de humanos se abriu, deixando uma parte da horda passar e dividindo o inimigo. O clima ensandecera com tantas magias. Chuvas de fogo e gelo, tempestades de raios, destruição em sua forma pura e selvagem caindo sobre os inimigos. E, ainda assim, havia um número assustadoramente grande. A batalha transcorria conforme a previsão humana, a estratégia fazendo-se valer mais que o poder bruto. Uma rota conseguia ser aberta com muito esforço, suor e sangue. Humanos incapacitavam-se para que a unidade de Thanatos pudesse abrir uma rota diretamente até a torre. Um grupo de sabotagem tentaria anular os principais generais de Morroc. Para tal, contavam com membros da tão famosa guilda dos Mercenários, mestres em assassinato e infiltração, soldados de elite do exército, mestres em combate, cinco elfos da elite dos arcanos, mestres em magias que muitos estudiosos humanos sequer ouviram falar. Porém ainda faltava alguém e isso incomodava a todos. De súbito, um novo mercenário aparecera em meio ao grupo, sua voz elevando-se para que Thanatos pudesse ouvir. - Acabamos de receber uma mensagem da guilda! Eles querem que paremos o que estamos fazendo e retornemos agora! É-é melhor nos apressarmos! - Mas que droga! O que eles querem? Que morramos todos lá dentro? – Adrior esbravejou enquanto seus punhos esmagavam o crânio de uma fera. - Eu creio que a guilda não irá abandonar, porém nós vamos com vocês até a porta. De lá, retornamos. A luta seguiu furiosa. Os elfos no meio, protegidos por um escudo de carne e aço, guerreiros dispostos a dar seu sangue por aquelas criaturas de orelhas pontudas. Dereck, Adrior e Sartini faziam a guarda pessoal de Thanatos. Nunca se imaginariam fazendo aquilo, atuando com o exército formal, e estavam orgulhosos por poderem ajudar um amigo tão próximo. Lutariam até o fim. A batalha pela vida de todos transcorria e o caminho era feito ao custo de inúmeras vidas. Enfim chegaram. A Torre em sua estrutura gigantesca, pulsando energia maligna. Sua arquitetura era impressionante. Àquela distância parecia interminável na vertical e era maior que o maior dos salões de Glast Heim por baixo. Na proximidade, a voz de Dereck apareceu para Thanatos, impressionado. E ainda havia muitos monstros para vencer até chegar na porta. - Achamos! Então essa deve ser a torre onde Morroc está reunindo seus lacaio... Deus, há...há milhares! Ainda há esperança pra gente? Pra humanidade?* - Sim, Dereck, ainda há. Nós podemos vencer. E em nome de todos nós, humanos e elfos, nós iremos! Thanatos falava com vontade, sua voz atingindo até mesmo os elfos quando ele os citou. Serem citados fez com que um deles pelo menos sorrisse e reconhecesse o valor do jovem. Sua voz não fora ouvida, mas ele dirigiu uma oração pelo bem estar daquele humano que não dividia a petulância de seus colegas oficiais. O avanço fora preciso. Desgraça e destruição desabou sobre os monstros e as centenas de Thanatos sobrepujaram os milhares que guardavam a Torre. Ainda assim, faltava alguém. Não apenas o jovem oficial, mas seus colegas sentiam a falta de alguém. Tantas aventuras, tantos desafios fizeram com que Mylenna fosse parte daquele grupo e ela não estar ainda era amargo. Assim que chegaram, sentiram um movimento em suas costas e todos pegaram em armas de imediato. As cordas dos arqueiros ficaram tensas e uma espada elevou-se quando os mercenários se manifestaram rapidamente. Pelo menos três deles se interpuseram e, quando puderam ver, eram humanos vestidos de forma distinta. Traziam as mesmas armas, mas tinham um ar mais imponente. E pareciam esperar eles. Uma jovem com um pano cobrindo-lhe o rosto, deixando apenas os olhos expostos. Sua voz parecia abafada, mas era plenamente audível. - Eu sou Lucil. Desculpe o atraso, porém eu estava muito longe em uma missão... - E sou Thanat... A mente do jovem desviou-se por um instante. Se interrogou o motivo daquela jovem fazê-lo sentir-se tão estranho. Sentia como se tudo que ele quisesse e queria ser estivessem nela. Tinha a impressão de ter achado sua cara metade. Tudo era tão estranhamente...familiar. - A guilda esteve debatendo pesadamente sobre a estratégia a ser usada. Optamos por atacar a força de Morroc em seus oficiais, pois mesmo os monstros seguiam um padrão de intimidação. Então nós decidimos mandar alguns algozes para derrotar Morroc. Honestamente, acho que as chances estão em 1%. Quando soubemos que vocês iriam atacar, decidimos esperar. - Ainda assim é melhor do que nada. Estamos falando do Morroc, afinal! – Thanatos respirou aliviado. - Esperem um minutinho! – Adrior manifestou-se – Trocar centenas de mercenários por apenas algumas dezenas de algozes? Você são meio loucos, não? - É mais do que suficiente, rapazinho. Agora cale-se pois discórdia e balbúrdia é o que menos precisamos aqui! - Ora sua... - Deixe estar, Adrior. – Interrompeu Thanatos – Ela está coberta de razão. Depois a gente se acerta. Temos apenas a opção de confiar nos Algozes. Sartini parecia tremer. Um terror sobrenatural tomava seu pequeno e rechonchudo corpo. Dereck mal compreendia os sinais dele. Conforme começara a entender, observou mais atentamente a Torre. - Gente, o Sartini está desesperado por algo que ele não consegue dizer. É bom tomarmos cuidados. Deve haver milhares de monstros subindo as escadarias. Entreolharam-se, mas era tarde demais. Era hora de avançar até o fim. O medo era apenas uma forma de ataque do inimigo a ser driblada e só vencendo-o que triunfariam sobre todas as adversidades. Houve união da perícia dos Algozes com a magia dos Elfos para forçar a imensa porta. Ela cedeu. O que se seguiu foi uma demonstração da real situação daquela guerra. Milhares de demônios amontoando-se no hall principal, uma miríade de deformidades, monstros de tantos tipos que uma pessoa enlouqueceria antes mesmo de conseguir catalogar metade dos tipos. Ao virem a chegada dos humanos, avançaram como famintos frente a um banquete. Guinchos, urros e berros faziam um coro disfônico que ensurdeceria os mais sensíveis. Os elfos de imediato despejaram gelo e trovão em sequência, fulminando diversas criaturas com ataques de área. Não podiam deixar aquilo passar, então tentaram fazer da porta um estreitamento, mantendo o número de monstros controlado. Ainda assim não foi o melhor. A retaguarda começara a dar sinais da chegada de mais monstros e logo precisaram entrar e lacrarem-se com as feras. Os algozes eram um turbilhão de lâminas sem tamanho, saltando e desaparecendo e reaparecendo enquanto que os soldados em geral cercavam os elfos e os arqueiros para que o centro continuasse a ser uma força de ataque a distância. Um monstro alado capturou um elfo com suas garras, atravessando o tórax esguio dele e o elevou apenas para ser fulminado por flechas vindas de um dos atiradores. Tanto ele quanto o elfo desapareceram em meio a monstros famintos. Alguns algozes foram notados por demônios que se aparentavam com os insetos e foram feitos de alimento. Soldados sofreram as maiores baixas e, logo, o grupo estava muito reduzido. Porém tudo isso custou muito caro. Para cada um do grupo de Thanatos que tombava, dezenas de monstros morriam. Os punhos de Adrior estraçalhavam os demônios menores enquanto que a lança de Dereck parecia ser feita para lutar contra os maiores. Thanatos gargalhava de alegria por ser obrigado a usar tanto a magia quanto a espada ao mesmo tempo, congelando inimigos para matá-los depois ou deixá-los para que os elfos dessem conta. Lucil era uma sombra, atacando os que pareciam mais poderosos surgindo de onde eles não viam e indo para onde não a achavam. Não tardou até que o medo fizesse com que muitos dos monstros que se amontoavam embaixo subirem as escadas em pavor. Thanatos arfava, um sorriso no rosto. - Eu não creio que conseguimos sobreviver, mas isso nos dá uma vantagem. Eu consegui estabelecer um padrão de ataque deles. - Esse rapazinho está...sorrindo? – um elfo parecia não entender. - Ele é assim, orelha – sorriu Adrior – acostume-se com isso. - Mais respeito comigo. Eu já aprendia magias proibidas quando você ainda estava no ventre de sua mãe. - Chega vocês dois. – Interrompeu Lucil. Sartini e Dereck recuperavam qualquer um que ainda estivesse vivo, com a ajuda de um dos elfos. Só dois daquela raça sobraram no grupo. De centenas, agora eram dezenas. Era o suficiente para Thanatos. - Nunca vi um guerreiro usar magia e espada ao mesmo tempo – interrogou um dos algozes. - Meu mestre que me ensinou. Ele dizia que era um cavaleiro arcano então eu devo ser um como ele. Mas ainda assim não deu para fazer o estrago que eu queria. Eu ainda tenho algumas mortes a vingar... Ascenderam. O segundo piso estava estranhamente vazio. Apenas alguns monstros mais ousados saltavam na frente deles para ser prontamente fulminado. Lucil e os poucos algozes que sobraram permaneceram com o grupo para manter uma força coesa e para proteger os poucos atiradores que sobraram. Thanatos, Adrior e Dereck se uniram aos soldados para fazer o isolamento de Sartini, dos elfos e dos arqueiros. Era a vez dos líderes porem as mãos na sujeira. Um ataque repentino, vindo do teto. Logo a formação se dispersara e Thanatos, Adrior e Lucil exterminaram o monstro que ousou tentar um ataque enquanto que o Elfo conjurava uma imensa magia de fogo para fulminar os que ousavam se aproximar do grupo desorganizado. Era daquele jeito agora. Tocaias, armadilhas, ataques surpresa. Adrior bufou junto com Dereck na altura do sexto andar. - Achei que teríamos batalhas, não essas porcarias de ataques surpresa. Isso me dá nos nervos... - A mim também, Adrior – concordou Dereck – ainda me pergunto se sairemos vivos. Lucil virou-se para Dereck* - Escute, moleque, você tinha a escolha de fugir. Se não o fez, não reclama. É horrível ter de tomar conta de criança chorona. - Diminuam essas brigas, caramba! – Thanatos perdera finalmente a paciência. - Acalma-te, oficial, não é hora para nervosismo. – A voz do elfo era mansa. No oitavo andar, um confronto mais intenso. Diversos monstros saltaram ao mesmo tempo de todos os lados, cercando o grupo e avançando como uma chuva interminável. Não tardou até mais um ou dois soldados morrerem. Porém o pior acontecera com Lucil. O pano amarrado em seu rosto fora removido. Assim que encerrou, todos podiam ver o rosto de Lucil. O coração de Thanatos congelou. - M-Mylenna? Idêntica a Mylenna em todos os aspectos. Sartini correu, aproveitando a calmaria da qual dispunham, e saltou em direção a ela, a abraçando. Adrior e Dereck permaneciam olhando, coçando os olhos, sem entender. Não tinha como errar. Era Mylenna mesmo. A jovem respirou fundo. - Como eu torci para isso não ocorrer. Bem, acho que devo explicações a vocês... Adrior deu um passo à frente, seu cenho enrugado, Dereck segurando-o. - Ah se deve, mocinha! Como você some desse jeito!? Deixou todos nós apavorados! Demos você como morta! E ainda tem o T... – Dereck silenciou o amigo com a mão na boca. - Deixe ela falar, homem! Não é hora. Se berrar desse jeito, podemos ser alvo de novos ataques... - Eu menti para vocês quase o tempo todo. Eu estava em missão para a Guilda dos Mercenários quase o tempo todo em que estive com vocês, agindo como Mylenna apenas para que vocês não soubessem. Eu já era Algoz quando conheci vocês. Meu nome é Lucil e eu lidero uma unidade inteira de infiltração. E eu digo que foi quase o tempo inteiro por causa do Thanat. - Mylenna... - Quero que me chame pelo meu nome, Thanat. Mylenna nunca existiu. Só o que ela sentiu por você. Eu... - Você... - Doeu demais eu ter de te abandonar, Thanat. E eu sabia que, no dia que a guilda exigiu minha presença, você iria me pedir. Eu estava assustada e a guilda não tolera desfeitas. Eu não consegui. Eu preferi fugir. Mas agora, que você está aqui... - E quando você pretendia me contar? - Só se nós dois sobrevivêssemos. Seria melhor para nós. O coração de Thanatos encheu-se de um misto de alívio, amor, alegria, mágoa, ódio. Seu peito padecia de um arroubo de tantas emoções que por um instante ele levou a mão à boca, seu corpo querendo colocar tudo para fora, rejeitando tudo aquilo. Era impossível. Era Mylenna, sem sombra de dúvidas. Mas agora descobrira que ela fugira dele por medo. E ainda assim teria de perdoá-la pelo bem da missão. - Depois conversaremos sobre isso, Lucil. Mas agora acho melhor seguirmos. – A voz dele soara pesada. Seu cenho continha mágoa e ela sabia que isso seria consequência de seus atos. Sartini saltou à frente de todos, gesticulando freneticamente. Dereck moveu-se para ver. - Adrior, Lucil, Thanat, o Sartini tem uma coisa pra gente. Ele disse ter conseguido terminar agora.* O elfo não entendeu a princípio até notar que aqueles cinco já se conheciam há tempos. Nenhuma pessoa ousou interferir. Estavam ocupados revendo seu armamento, seus ferimentos, enfim, tudo que podiam neste raro momento de pausa. Enquanto isso, Sartini tirava algo de dentro da bolsa dele. Quatro máscaras de madeira. Uma águia, um leão, um urso panda, um lobo. Dereck foi o primeiro a receber e Sartini gesticulou. - Ele disse que as máscaras, em seu povo, dão confiança e força. Ele fez essas para nós usarmos de acordo com o que nos rege. Ele me associa com o leão pelo coração puro e coragem. Sartini entregou uma a uma e gesticulando enquanto Dereck traduzia. - Para Lucil, ele associa a águia, pois é ágil e precisa como uma. Para Adrior, o urso panda, pois é grande, poderoso, mas dócil quando precisa. E para Thanat, o lobo representa um animal de matilha, um líder. Ele diz que essas máscaras serão o elo que nos liga e sempre que nos sentirmos sozinhos, devemos tocá-la para lembrar-nos de que temos amigos. E quanto à dele, disse que gosta da que usa, mas que desenhou quatro pessoas no lado esquerdo dela para que fiquem junto do coração. E essas pessoas somos nós quatro. Todos colocaram as máscaras. Dereck não conseguiu ocultar o riso por detrás da máscara dele. Adrior tirou a máscara e deixou umas palavras saírem, abafadas pela gargalhada do colega. Dizia que ele parecia um bebê grande e musculoso. A máscara de Thanatos tinha buracos pequenos, perfeitos para que ele pudesse olhar demoradamente para Lucil, seus sentimentos em conflito. Agitou negativamente a cabeça por uns momentos, murmurando algo abafado pela face de lobo. Logo virou-se para o amigo, uma voz mista de tristeza e alegria. - Muito obrigado, Sartini. Não vou esquecer. Porém algo me incomoda. Vocês também estão se sentindo observados? Desde que pusemos os pés aqui dentro sinto como se alguém estivesse nos vendo... Adrior meneou positivamente e o elfo tomou partido. - Desculpe-me a intromissão, mas eu não deixei de ouvir esse fragmento de conversa. E também sinto. Será Morroc usando magia? - Pode ser – responderam em coro. - Então é melhor nos apressarmos para encontrar um dos generais dele. Aparentemente o outro já está lá embaixo lutando contra as tropas. Demos sorte. Reuniram-se novamente e subiram. Era pouco, mas ainda era preciso ir até o topo. No décimo andar, viram que aquela torre parecia viva e gargalhar. Uma sensação de escárnio, como se alguém gargalhasse deles jogou três dos poucos soldados que restavam em frenesi, lutando como e estivessem cercados. Monstros, muitos monstros, todos avançando e babando sangue. Seus golpes eram imprecisos, escandalosos e não tardou até que, um a um, foram caindo, pavor exposto em seu rosto. O elfo murmurou um prece e logo em seguida falou: - A Torre...essa torre não é normal... - Não é mesmo, meu caro elfo. Me diverti vendo vocês subirem, mas acho que meu senhor não deseja ser importunado. Já garanti a morte daquele insano que nos perturbava. Agora garantirei a de vocês... Uma voz potente veio da escadaria, acompanhada de um som de garras que batiam em pedra. A figura sinistra surgia na escuridão conforme a luz que o elfo conjurou se fazia forte. Tinha um corpo atlético, asas coriáceas e trazia uma espada de chamas roxas. Seu corpo era completamente negro, como se fosse feito para lutar no escuro. Suas pernas terminavam em garras. E logo a luz de apagou, restando apenas os olhos verdes brilhantes. - Impacto Explosivo !! As chamas que Dereck criara com seu golpe fizeram com que o monstro fosse visto de imediato, permitindo a Thanatos se defender a tempo. O elfo riu enquanto que uma chama diminuta mostrava exatamente todos, apesar da iluminação estar ruim. - Chama Reveladora !! Um sorriso com dentes afiados se formou no rosto do demônio. Thanatos avançou, Byeldorg em mãos e faminta. Adrior Misos esmurrou o chão, tentando fazer com que a besta fosse arremessada. - Coluna de Pedra !! Tão logo ele fora arremessado suas asas abriram e ele ficou estático no ar. - Parece que sua mente não é tão capaz assim. Afinal, eu consigo voar. Thanatos riu e saltou, trocando golpes de espada com aquele monstro. Logo o impulso já não o manteria mais no alto e a espada dele ergueu-se. - O chão o espera, humano... A espada caiu diante dos olhos do demônio, mas não para encontrar-se contra a espada de Thanatos. Não conseguiu controlar o urro que emergiu de sua boca enquanto as lâminas de Lucil e de outros algozes afundavam em sua carne, deixando vazar um sangue tão pestilento que, mesmo com a queda do demônio, Thanatos e Lucil também caíram, tamanho odor. O elfo observou o monstro caído e logo a câmara tornou-se insuportavelmente fria, gelo formando-se em volta dele. - C-como? Eu sou um general! - E mesmo assim cometeu um erro tão básico que foi enfrentar uma unidade inteira sozinho... - Não! Eu não vou morrer! A fera elevou-se, suas asas ainda íntegras, suas pernas ainda em condições de uso. Não imaginava o tamanho poder da unidade enviada até lá, mas agora se arrependera. Era hora de buscar ajuda. A melhor que ele poderia ter. Subiu as escadas o mais rápido que podia, sendo acobertado pelos monstros que aguardavam ainda em tocaia. Foram milhares de monstros mortos naquela torre. E mesmo assim, lá dentro ainda havia dezenas e lá fora ainda existia uma massa vasta. A sede por tentar interromper o general foi tanta que não notaram quando a escadaria terminou. O topo de 13 andares enfim. O local mais importante da torre. Era possível ver muito longe dali. Os picos das montanhas mais altas ainda assim eram impressionantes, mas as menores eram como formigueiros num campo. Porém algo bloqueava a maior parte da visão. Um monstro tão grande, de asas tão gigantescas, tão desproporcional, que ninguém conseguiu atacar de imediato. Morroc. Quando virou-se, viu o general estático à altura de sua cabeça pequena perto de seus ombros massivos, cheio de olhos. Sua respiração exalava energia e seus olhos brilhavam. Sua mão imensa envolveu o general e logo mais daquele sangue purulento escorreu por entre os dedos do gigante. - Inútil. Tudo o que lhe peço é que não deixe essas malditas formigas subirem e você não consegue cumprir nem essa simples ordem. Eu mesmo sujarei minhas mãos. E quanto a essas criaturas... As portas cerraram-se. Era impossível voltar. Enfim Thanatos sentiu que sua sede por lutas, sua vontade de matar foram minadas. A fera era visivelmente poderosa. A única opção viável naquele momento era vencer. Uma última luta, a maior de sua vida. Enfim tinha algo que sempre desejara: Uma chance ínfima de vitória. Todos pareciam tremer até a voz de Thanatos ser ouvida. - Essa batalha vai decidir o destino da humanidade! Nós devemos vencer Morroc! Quem está comigo?! As magias dos elfos não conseguiram ser terminadas a tempo. O murro da fera estremeceu todo o piso, fazendo todos caírem e se desconcentrarem. Os algozes, mais determinados, sacaram suas armas, providas de poder sagrado suficiente para fazer uma catedral parecer apenas um mero altar. De nada adiantaram. Em pleno ar o punho do gigante atingiu três deles enquanto suas asas varriam o resto. - Não acham que previ que viriam, algozes? Vocês são os que mais me atormentam! Adrior tentara esmurrar o chão com a ajuda da magia de Sartini. Seus músculos incharam até ficarem disformes como da besta que enfrentavam. Os pés dele não saíram do lugar. Dereck tentou avançar porém um murro da fera quase o acertara e a onda de choque o arremessou contra os amigos. Lucil tentou uma sequência de saltos e esquivas até que as asas demoníacas fizeram-na retornar ao solo. - Você eu quero aqui. Suas tripas serão um excelente petisco para minha vitória quando eu terminar aqui em cima. Minha paciência já acabou com esses jogos. Thanatos agarrou Lucil em pleno ar. O impacto das asas não foram o suficiente para feri-la. Era como se Morroc brincasse com eles, os torturasse como mero aquecimento para o que faria com o mundo. A situação se tornava mais e mais desesperadora. Thanatos e os soldados tentaram uma carga desesperada em conjunto com a magia dos elfos. Nada. Apontando para os elfos, diversas feras aladas desceram por meio das nuvens pestilentas e levaram-nos para onde a vista não atingia. Apenas sangue imundo por fuligem choveu depois. O punho de Morroc esmagou quase todos os soldados e, aos que restaram, um golpe de sua outra mão espalmada. Thanatos fora atingido de leve, mas mesmo assim fora arremessado e só não caiu pois seu corpo atingiu uma das colunas. Sua tosse sanguinolenta marcara ferimentos graves. - O demônio é muito forte! Nós não p-podemos... - Humanos imbecis, vocês deviam saber melhor sobre isso... Thanatos desejava com todas as forças poder parar aquilo. Não podia falhar de novo. Não podia perder tudo pelo que sempre lutou. Sua mente parecia um turbilhão. Medo de perder, ódio por Morroc, desespero por não saber o que fazer, dor tanto física quanto moral. Não conseguia arrancar-se daquele estado. Suas mãos foram à sua cabeça e seus amigos notaram o desespero do colega. Eram os últimos. E Morroc os torturaria de maneiras indizíveis. Queria muito uma maneira de poder virar essa mesa. Era só pedir o preço. Tudo escureceu. Thanatos estava no mais completo escuro e só conseguia ver nitidamente seu próprio corpo. Luz. Um facho de luz iluminou e nada havia além de Thanatos. Uma voz. - Você me chamou, pequeno Thanatos? - Quem está aí? – Um misto de raiva e medo emergia na voz. - Eu não estou aqui. Você que está. Eu, meu querido, sou tudo o que você está vendo. E também sou onde você estava... Falava com uma mansidão impressionante, como um pai paciente com seu filho. Era uma voz macia, mas imponente e andrógina. Thanatos podia sentir que não estava em meio a uma ilusão. Será que morrera? - Não, meu pequeno, você está mais vivo do que nunca. Estamos tendo essa conversa dentro de você. - Como você sabe o que pensei? – Thanatos pareceu impressionado e assustado. - Eu sou algo muito maior do que você imagina. Minto, você imagina. Você acabou de me escalar, oras... - Que loucura é essa? - Eu sou estou e sou a Torre. Você não sentiu minha energia chamando por você? - Eu senti um mal indescritível, mas não que você me chamava. - Ah, interessante. Então quer dizer que aquele moleque assassino de anos atrás ainda existe dentro de você. Ainda mais que sua sede por batalhas é mais intensa agora. Digno de um verdadeiro assassino desenfreado. - Eu não sou um assassino! - Claro que é, meu caro. Milhares tombaram aos seus pés por sua belíssima Byeldorg ou por uma ordem sua. E eram seres inteligentes. Todos, mesmo os que pareciam mais irracionais. - Mentira! O que quer de mim? E por que estamos perdendo tanto tempo!? Meus amigos... - O tempo aqui corre mais rápido. Temos todo o tempo do mundo. E eu acho interessante essa sua pergunta. Não sou eu que quero algo de você a princípio. Você quer algo de mim. - Eu não quero nada de você, Torre... - O poder de vencer Morroc. Você não queria isso? - Sim, eu desejo vencer Morroc em nome da humanidade! Mas você o ajuda. O que quer de mim? - Ah, agora sim, começamos a andar. Morroc não me é mais útil. Eu achei que, talvez, eu conseguisse usar o poder dele para fins pessoais, pelo bem de Midgard. Porém eu fui enganada, então decidi esperar por você aqui, pacientemente. - Você deveria aprender a mentir melhor... - Ora, mas eu não menti. Eu quero o bem de Midgard. Porém, do meu jeito. Tudo uma questão de ponto de vista. - Se você se quer livre de Morroc, porque não para de ajudá-lo? - Um pacto me prende, meu pequeno. Eu preciso ter um senhor mais digno, porém ninguém conseguiu superar o filho de Ymir até agora. Mas eu acho que você conseguirá. - Então me dê esse poder, oras! - Não sem antes uma prova, meu amigo. Eu preciso que você me pague um pequeno preço. Preciso que faça um pequeno sacrifício... - E se eu me negar? - Além de morrer aqui, vai viver para sempre à sombra de seu pai, perderá a chance de ter a batalha mais impressionante e satisfatória de sua vida e conviverá com a humilhação de ter sido enganado por aqueles que lhe eram importantes. Ou você acha que eles não sabiam? É meio difícil sumir assim, sem ninguém ver. - Lucil é uma mercenária, uma algoz, sumir é rotina para ela. - Convenhamos, meu pequeno. Nenhum deles sugeriu que você a procurasse quando você precisou. Ou devo te lembrar que fim levou o anel que você comprou para Lucil? Eram argumentos difíceis. A fúria que sentiu quando seu pai, aquele bastardo que o maltratava e o fizera ficar mudo por tantos anos. A dor que sentiu quando Mylenna, isto é, Lucil o abandonou ainda estava fresca como uma ferida sangrante em seu peito. Era como se a torre soubesse onde e quando atacá-lo. - Torre... - Sim? OFF
  6. Capítulo 6: Reunião Glast Heim, a utopia criada pelos humanos após muitos séculos de trabalhos intensos. Uma nação militarista de força incomparável. A guarda andava de peito estufado por sob as pesadas armaduras, ostentando as flâmulas em suas lanças, uma mostra de poderio militar que orgulhava cada cidadão. Os oficiais, inalcançáveis em suas fortalezas de pedra e aço, regozijavam-se com a força da nação, não se preocupando muito enquanto apenas inspecionavam e treinavam. A beleza era comparável ao poder. Jardins cujas flores tornavam cada distrito perfumado, cada local com seu próprio odor. O próprio cheiro identificava cada local, trazendo harmonia ao olfato de todos os habitantes. A arquitetura, apesar de anos de expansão, expunha uma harmonia inigualável, uma transição das áreas antigas e novas gradual, com diferenças que eram notáveis apenas quando se andavam muito. O povo dispunha de uma eterna alegria, mesmo os menos favorecidos. As manobras econômicas dos monarcas traziam consigo meses de intenso planejamento para agradar a todos, plebe e aristocratas. Locais de lazer bem determinados, com uma pluralidade tão intensa que era impossível não agradar alguém. Crianças saltitavam nos parques, locais de lazer lúdico e infantil, trazendo paz aos seus cuidadores. Morroc distorceu tudo numa paródia macabra que ridicularizava toda a glória do império. Soldados feridos eram carregados pelos colegas que ainda dispunham de forças. As armaduras pesavam muito, forçando todos se curvarem ante a desonra que se abatera. Armas despedaçadas, armaduras fraturadas, flâmulas rasgadas. Nada permanecera após aquele combate impiedoso no deserto. As fortalezas fervilhavam, oficiais tomados pela ansiedade e pela angústia de não disporem de todo aquele poder agora traçavam estratégias num ritmo enlouquecido, uma tempestade de palavras que conflitavam e feriam-se numa cacofonia nauseabunda. Os jardins estavam ocupados por camas de campanha e sacerdotes que tentavam reparar todo o estrago. O belo verde fora substituído por carmim oleoso e opaco, um misto de poções e sangue, ungüentos e ataduras. Os odores foram substituídos totalmente. Cheiros de ferrugem, sangue, fezes, suor, uma mistura que agredia aqueles que ousavam se aproximar dos locais onde soldados repousavam e se tratavam de seu desgaste. Não havia mais a bela arquitetura. Nada mais era visto além da escória que a armada de Glast Heim se tornara. Miséria. A necessidade fizera com que todos os impostos aumentassem para que os soldados pudessem se recuperar, mercenários fossem contratados para reporem as perdas, obter matéria-prima para suprir as armas. Os pobres tornaram-se reles sombra enquanto que mesmo os mais abastados começavam a encontrar alguma dificuldade em obter seus alimentos favoritos, tendo de se contentar com o sabor desagradável da comida do povo. Não havia mais lazer. Tudo fora fechado pela falência causada pelos impostos. Crianças saltavam feridos em vez de brincar, tentando chegarem vivas em casa devido à criminalidade mil vezes maior. Em meio a esse ambiente, alguns seres desafiavam a decadência. Suas vestes, sua postura de superioridade cercando uma figura de puro esplendor. Um homem de orelhas alongadas e pontiagudas, tez alva e cândida, cabelos como fios de ouro e vestes feitas por tecelões de raríssima capacidade, usando uma discreta coroa cavalgava rumo ao palácio. Tão logo se aproximaram, o contraste tornou-se esdruxulamente visível. Soldados desmotivados, cujo próprio ambiente massacrava se encontraram com uma força de esplendor intenso. Eram os elfos, seres tão antigos que mesmo enquanto os homens andavam de tanga, suas construções e cidades eram o extremo da sofisticação. Há incontáveis anos vinham ajudando os humanos numa relação paternalista. Os elfos que permitiram que o esplendor de Glast Heim atingisse aquele auge, eles que ensinaram as artes arcanas. Os motivos foram perdidos nas areias dos tempos, mas a maioria dos ancestrais elfos ainda se recordava dos motivos. - Por favor, majestade élfica. Nossa escolta o levará até o rei. Sua guarda de honra deve esperar. Um sinal e logo todos os elfos se afastaram e montaram guarda no lugar dos soldados humanos. Caminharam por corredores de uma sinistra beleza baseada no metal, pedra e tapeçaria. Tudo fazia alusão à gênese guerreira de Rune Midgard, muitos citando guerras ancestrais contra seres extintos e as mais próximas do quarto do soberano faziam alusão à batalha contra Jormungard, a terrível serpente. As portas rangeram como um réquiem nefasto enquanto a visão do salão incomodou o elfo. O rei sentado no trono, sua beleza exuberante contrastando com a nobreza sutil do elfo e, ao seu lado, o general Fritz, distante de sua plenitude. A manga de sua veste estava dobrada e costurada, deixando claro que não dispunha mais de seu braço direito e ataduras cobriam metade de sua face, passando por cima de um dos olhos. Sua perna esquerda, no entanto, estava completamente enfaixada. Era uma figura aberrante aos olhos do rei elfo, porém sabia que era vítima de Morroc. - Amigo soberano de Geffenia! Como está? - Estou bem, nobre imperador. Estes são Lyhacor, meu general de combate e Kael, meu general arcano. - Fico feliz que tenham vindo. Venham, sentemos à mesa. Será bom conversarmos. - Sim, sentemos. Na mesa estavam apenas seis pessoas. Os soberanos, o general Fritz, um chefe de finanças de Rune-Midgard, um general elfo e o mestre arcano dos elfos, todos em uma mesa retangular, onde os reis sentavam-se de frente e os outros nas laterais. - Vejo que está passando por um momento deveras caótico, meu caro rei. - Exatamente, e ficamos muito felizes com a notícia de sua ajuda. Rune-Midgard, Payon e Epitus estiveram no epicentro da primeira batalha contra o maldito. -Não pudemos deixar de vir dar nossa colaboração, o momento exige que todos façamos nossa parte para evitar uma tragédia ainda maior. - De fato. Meus outros generais estão traçando planos de ação. Fritz foi o único que realmente lutou na linha de frente e tem informações valiosas para nós dois e Servantes, meu chefe de finanças, tem uma análise dos estragos causados pela batalha por Epitus. Gostaria de ouvi-lo primeiro ou tem mais algo a dizer? - Nós também investigamos por nossa conta, meus generais também explicarão a vocês as nossas descobertas. Por hora vamos ouvir o que os seus tem a dizer Fritz meneou positivamente e respirou fundo: - Majestade, os monstros de Morroc parecem agir por intimidação e luxúria por sangue. Não atacam de forma organizada e mais de uma vez eu vi monstros maiores pisotearem os mais fracos por estarem com pressa de obter sua nova presa. Várias vezes foi fácil debelá-los com o uso de estratégias comuns, porém quando Morroc pessoalmente entrou em combate o pesadelo foi formado. Ele possui uma força descomunal e não parece interessado em nenhuma forma de conquista, já que ele usou estruturas de Epitus como armas. - Senhores, meu nome é Servantes e eu sou responsável pelas finanças. Em termos de impostos, Rune-Midgard teve de dobrar os impostos e cortar diversos gastos com lazer. Em termos sociais, isso quer dizer que a insatisfação da população se tornará muito alta em pouquíssimo tempo e isso trará um grande desgaste a todos nós. Conversando com Payon, notamos que eles dividem nossa situação e que muitos dos plebeus já estão se lançando ao mar com medo. Aqui também está tendo uma fuga maciça de mão de obra pelo Norte e pelo mar em nossas colônias a leste daqui. Do jeito que as coisas estão, está muito difícil de lidar com o povo. O general elfo fez menção e enfim pode se manifestar: - Desculpe me intrometer, mas com esse debandar como ficará o contingente de seu exército? - O contingente está reduzido e estamos tendo dificuldade de reposição. Ainda com avanços esporádicos de alguns monstros a serviço de Morroc com o nítido objetivo de criar pânico e desordem está mais difícil obter soldados. O general elfo respirou profundamente e olhou para Fritz. - Sobre esses ataques, se for da vontade de sua alteza podemos enviar alguns reforços nossos para proteger as cidades dos ataques. Você está de acordo General Arcano Kael? - Podemos levantar barreiras místicas nas cidades que podem barrar ataques dos monstros inferiores, basta nos dar a ordem e permissão. O arcano manteve-se impassível, frio, distante. Seu desprezo pelos humanos era notado no olhar e isso servia como agressão tanto a Servantes, que se retirou alegando ter muito serviço quanto a Fritz, que dirigiu um olhar de ira ao rapaz. -Creio que o reforço místico seja suficiente nas defesas. Onde mais precisamos é na ofensiva que pretendemos lançar e aproveitar que as tropas ainda não estão com força total pois, quando estiverem, serão muito difíceis de vencer. -Para o ofensivo o que podemos oferecer é suporte de inteligência e informações para o campo de batalha. Nosso plano é mantermos a nossa defesa e inteligência na retaguarda, enquanto as forças de seu exército avançam sobre o inimigo. Fritz rangeu os dentes, sua mente elaborando um raciocínio que empedrava seu coração e destruía sua boa vontade com os elfos. Havia algo por detrás disso e ele sabia. O rei pousou as mãos na mesa e seu cenho mudou para dúvida. - Perdoe minha interrupção, general Lyhacor, mas por que nós que iremos na frente sozinhos? - A estratégia lógica é avançar sobre o inimigo estrategicamente, conquistando seus campos um por um enquanto o nosso suporte na retaguarda manteria as tropas abastecidas e em ótimas condições de batalha, ao mesmo tempo em que defendendo estrategicamente os campos mais importantes já conquistados. Essa estratégia é baseada no fato de sua raça ser mais resistente fisicamente e enquanto nós somos melhores nas nossas artes arcanas. Os senhores dispõem de alguma objeção? Claro que dispunham. Era consenso tanto para o rei quanto para o general que havia algo por trás disso. O ar tornou-se pesado pelos segundos que se tornaram eternidade. A conversa fluía normalmente, mas estava óbvio que o coração de ambos começava a pesar severamente. As mudanças de feições nos humanos colocaram os elfos numa postura de bloqueio, seus braços cruzando-se sobre o tórax. - Sim – interrompeu Fritz – dispomos de uma objeção. Apenas membros de nossa raça tombarão e retornaremos muito fracos para nosso lar, nos limitando demais e fazendo com que vocês tenham de ficar no "comando" por muito mais tempo. - Do que estão falando? Essa é uma batalha que pode decidir a continuação do mundo como conhecemos, precisamos da melhor estratégia se quisermos sair vitoriosos disto. - Sim, é verdade – concordou Kael. - Eu sei disso, meu bom colega, mas ao que me parece, vocês escondem algo a mais nessa estratégia de vocês. Nós venceremos, mas e depois? Qual a garantia de segurança que teremos? Vocês estarão intactos ou pouco feridos e nós estaremos estraçalhados. Daí, um mero movimento e Glast Heim inteira cai diante de vocês. Lyhacor finalmente comprimiu as sobrancelhas, um desprezo maior por aqueles imundos. Como ousavam acusá-los de tal barbárie? Sentia a sua mão ser mordida pelo vira-latas que eles mesmos cuidaram e todos os elfos do local sentiram o coração disparar em cólera, porém seu treino e sua cultura os fez apenas mudar a fisionomia para algo mais sério e formal. - O que você esta insinuando? Que quebraríamos nosso pacto de ajuda mútua? Isso é um absurdo! Quem vocês pensam que lhes ajudou a chegar ao nível que tem hoje? Se não fosse por nossa cooperação vocês ainda estariam vivendo em cavernas. O rei dos humanos ergueu a voz, visivelmente incomodado com o rumo daquela discussão. Os elfos ainda eram necessários e arrumar encrenca por enquanto estava fora de planos. Apenas por enquanto. - Seria conveniente que vocês dois parassem essa briga agora. Nobre colega, - disse enquanto se virava para o rei dos elfos - não podemos tentar algo diferente para evitar essa possibilidade? - Hmm. O que você me diz, meu General Arcano? O que podemos fazer para aliviar os corações de nossos amigos. Disse em tom levemente irônico, como se zombasse do outro rei. Tolos humanos que mal conseguiam pensar além de si mesmos. - Não podemos dispor de muitas pessoas na linha de frente, senão nossas defesas ficariam fracas, então posso sugerir que seja formada uma unidade principal de elite com os melhores de ambas nossas raças. Assim podemos cooperar na ofensiva, mas isso é tudo que podemos fazer sem comprometer gravemente nossas defesas. - Como isso soa aos seus ouvidos, senhor rei dos homens? - Meu nobre rei dos elfos, creio que esteja de acordo, porém faço votos para que meu general não esteja correto. Seria uma lástima perder um aliado tão importante. Por fim o rei dos elfos deixou o aposento e o próprio local respirou aliviado. As relações entre as raças, daquele dia em diante, jamais seriam as mesmas. Tantas ofensas tácitas, palavras sutis que, na corte, matam mais que uma tempestade de meteoros eram o suficiente para erguer alianças ancestrais ou destroçar a mais verdadeira das amizades. O castelo-fortaleza daquela cidade fervilhava com as tropas se movendo toda hora para obterem informes e novos equipamentos. Mesmo a sala de reunião dispunha de pelo menos todo o contingente de oficiais para que pudessem enfim discutir o que fazer. No entanto uma figura notadamente incomodava cada oficial. O que deveria ser um fantasma era uma pessoa de carne e osso, uma exposição de fracasso que ousava se chamar de capitão. Thanatos. Assim que o general adentrou em suas vestes de luto, todos se levantaram e ele franziu o cenho em estranheza ao notar o jovem que fora teoricamente executado anos antes. Todos os capitães se curvaram e sentaram-se em seguida, muitos olhando com certo ódio para o rapazinho. O general, então começou. - Vejo que os Carrascos-Andarilhos dispõem de um novo oficial. Thanatos, se não estou enganado. Impressiona-me estar vivo. Meus relatos dizem que seu mestre o carbonizou. - Senhor – replicou Thanatos – essa é uma história muito complicada. Creio que seria desperdício de tempo contá-la agora. Apenas peço sua confiança assim como meu mestre confiou em mim e, em breve, contar-lhe-ei tudo o que quiser saber. Os murmúrios tomavam conta até que um dos Raydric esmurrou a mesa e levantou, enfurecido com tamanha petulância e apontando um dedo acusatório ao jovem. - Escute aqui, moleque insolente, eu lembro bem de suas capacidades como Carrasco! Você é meramente um incompetente que deveria ser substituído imediatamente! Dê-nos essa sua braçadeira e parta imediatamente! Você não pode assumir esse cargo sem decreto real! Thanatos levantou-se simultaneamente, olhando com sede de sangue ao rapaz. Assim que ele terminou de falar, o jovem colocou Byeldorg na mesa e ergueu um pouco a voz: - Eu sou o capitão dos Carrascos-Andarilhos. Meu mestre me confiou o cargo diretamente em seu leito de morte por achar que eu sou capaz. E se alguém se opõe a esse decreto, desembainhe sua espada para fazer valer sua vontade. Silêncio sepulcral. Ninguém, nem mesmo o general ousou falar algo quanto a isso logo após os dizeres de Thanatos. Uma frase de tamanho impacto que atordoou cada ser naquela sala. Apenas um silêncio sólido como rocha tomou o local. Tão puro que os oficiais podiam ouvir seu próprio coração acelerado de medo de enfrentar o jovem Thanatos. As discussões foram se intensificando e reduzindo conforme o assunto. Inúmeras estratégias foram discutidas, porém ninguém dispunha de contingente para aquilo. Até mesmo os Carrascos estavam em um número muito inferior. Mesmo a reserva estava com sérios problemas de número. Após dois dias com empecilhos em todos os caminhos, após extensa reflexão, o general, ao terceiro dia, começou uma reunião que fora muito breve, resumida a uma frase apenas. - Senhores, reúnam quem puderem de onde puderem, pois essa escassez de soldados já está se tornando um pesadelo. Todos deixaram a sala e logo se dirigiram cada um ao que seu pensamento julgou conveniente. A maioria moveu-se para cobrar favores da nobreza das mais variadas formas. Dívidas financeiras ou de honra, chantagem, promessas de fama e recompensa. Longas e demoradas discussões para obter uma gota de ajuda que fosse. Não importavam os meios, não importavam os motivos, desde que a nobreza cedesse, cada oficial estava bem satisfeito. Na contramão de seus colegas, Thanatos fugiu da nobreza. Porcos que faziam os outros lutarem por eles e que temiam mais por suas vidas que pela sua nação. Mesmo que chamassem mil mercenários, a lealdade desta escória era tão volátil quanto éter. Thanatos preferia algo que realmente valesse, pessoas que dariam a vida pelos outros ou que não tivessem nada a perder, de preferência em um número muito grande. E o único lugar que ele acharia esse tipo de pessoa era mais do que óbvio para todos. O povo. Na praça central, onde o trânsito era maior no que sobrou da utopia, Thanatos caminhou sob o olhar impressionado da população. Seu porte, suas vestes e seu orgulho transmitiam abertamente que era um oficial, um ser raramente visto nos últimos dias. Quando ele se posicionou sobre um dos bancos da praça para poder falar, mais pessoas se aproximaram, ansiosas pelo que seria dito. - Povo de Rune-Midgard! Estamos vivendo uma das piores crises que a humanidade já enfrentou! Esse gigante de nome Morroc mostrou-se uma força difícil de superar, porém eu lhes digo algo. Se os deuses não intervieram, é porque nós mesmos podemos conseguir superar essa adversidade. Porém é preciso que cada um preste sua ajuda. Precisamos proteger o que é importante para nós! Vida, filhos, família, casa. Cada um tem o que proteger e ninguém quer perder esse tipo de coisa. É preciso que todos peguem em armas para defender o que é nosso! Não deixemos que esse Morroc destrua o que tanto amamos e tanto protegemos. Quem puder usar uma arma, venha comigo e juntos ensinaremos a esse gigante que nós, humanos, podemos superar até mesmo os gigantes! Por Midgard!! Todos os presentes berraram em aprovação, alguns até erguendo o que tinham à mão como se mostrassem ao jovem o que usariam por ele. Em diversos locais Thanatos conseguiu bons números. Em outras cidades, o mesmo se repetia. O discurso do jovem, a aprovação do povo. Mais e mais pessoas se uniam a Thanatos, Adrior, Dereck e Sartini. Os quatro amigos se espalharam para obter uma cobertura maior, mais pessoas para lutar com eles. Porém, em uma cidade, dois outros oficiais presenciaram o discurso inflamado do novo capitão e esperaram para falar com ele. - Capitão Thanatos, podemos falar algo com você? - Pois não? - Por que chama as pessoas comuns? A maioria sabe pouco de combate e são apenas peões. Fugiriam na primeira oportunidade. - Não fugiriam, capitão. Essas pessoas nada têm a perder e lutam por algo maior que dinheiro, fama ou favores. Elas lutam porque querem lutar, pois amam esse país e amam aqueles que querem proteger. Serão soldados que lutarão até o fim, pois estão cientes de que algo maior os espera e que, se falharem, tudo o que defenderiam sofrerá. Além do mais, quem fugiria já está fazendo isso pelas caravanas do Norte e pela saída marítima. Só os corajosos e dignos estão ficando. - Mas alguns deles irão fugir mesmo assim... - Se quiserem fugir, que fujam. Ninguém sentirá a falta de covardes no campo de batalha. Disse com desprezo enquanto ajeitava as manoplas. Ambos os capitães viram, nos olhos de Thanatos, uma determinação muito intensa e uma crença forte em suas próprias palavras e sentiram-se inspirados. Mais dois recrutadores uniram-se ao grupo. Seus nomes não importavam para Thanatos, apenas que trouxessem mais pessoas do povo. - Hey, garoto! Uma voz forte e com certa idade dirigiu-se a Thanatos. Era um homem de compleição física larga, trazendo consigo um imenso machado e um avental sujo de fuligem e carvão. Sua barba trazia chamuscados e seu rosto algumas pequenas marcas de estilhaços incandescentes. - Eu sou Yur Bontase, ferreiro desse distrito. Eu vim aqui me unir ao seu grupo. - Thanatos, capitão da armada. E o que o senhor tem a oferecer a nós, senhor Bontase? - Minhas habilidades de ferreiro para reparar armas, algumas coisas que já forjei, meu braço que maneja martelos mais pesados que você e essa belezinha que trago no ombro. É só isso que posso oferecer. - E é só isso que eu preciso de você, Yur. Seja bem vindo. E a contra-ofensiva crescia mais e mais. OFF
  7. Capítulo 5: Agonia e Êxtase Vivo. Essa era a única palavra capaz de descrever Thanatos naquele momento. Desde que nasceu jamais havia sentido tanto apego à vida. O campo de batalha, povoado por bestas insanas e sedentas por sangue parecia querer drená-la lentamente até o momento fatídico do golpe de misericórdia. Ao mesmo tempo, nunca sentiu tanto desprezo por ela. Byeldorg dançava e cantava em sua funesta sinfonia de sangue e metais. Uma besta de presas e músculos saltou em cima do jovem apenas para ser partida em duas pelo fio de sua espada. O sangue escuro salpicava o rosto do jovem como uma suave garoa pela manhã enquanto o sorriso tomava feições progressivamente insanas. Aquele era seu momento. Os punhos de martelo de Adrior esmagavam cabeças e partiam ossos. Bestas eram fulminadas por rajadas de socos antes mesmo de conseguir encostar no brutamontes. Dereck, na retaguarda, usava seu escudo para barrar os ataques aos arcanos. Uma flecha que passasse significava menos destruição em seus inimigos, menos meteoros flamejantes que cairiam do céu. Sartini saltitava para lá e para cá, evocando suas pajelanças em cima de Thanatos, Adrior e Dereck. Era o elo do grupo, responsável por manter cada um vivo. Esse era apenas mais um grupo organizado na armada. A máquina de guerra humana, formada por duas nações, era impressionante. A organização era absoluta. Tropas marchavam em formação, os mais resistentes na frente para receber os primeiros golpes, os mais poderosos na retaguarda, despejando destruição nos inimigos. Tropas avançavam em formação triangular para entrar no meio da massa amorfa de presas, músculo, sangue e garras. Logo que entravam, se tornavam círculos. Cada tropa circular funcionava como um posto de combate, onde novas tropas avançavam, criando novos pontos de morte. Cada vez mais o sentimento de vingança por cada tropa perdida enchia o coração de cada um. Soldados mais e mais furiosos deviam ser contidos por seus oficiais para canalizar a fúria sem fugir dos planos. Aos que escapavam, restava apenas a morte. Payon escurecia ainda mais o céu com sua tempestade ininterrupta de flechas. Arqueiros disparavam o mais rápido que podiam, o mais longe possível, vitimando as feras antes mesmo que entrassem em combate. Os guerreiros marciais saltitavam em meio aos encouraçados guerreiros de Rune Midgard, atingindo tanto com punhos quanto com espadas. Os arqueiros tentavam engolir suas emoções quando um colega era atingido por uma pedra ou eliminado por uma das bestas voadoras. Qualquer desequilíbrio tornaria a pontaria ineficiente e isso significava uma morte a mais para os soldados da outra nação e, por tabela, mais mortes entre os filhos de sua terra. Uma trombeta e uma placa. Era o aviso de recuar. As tropas começaram a recuar em ritmo acelerado, como se temessem. As feras, ensandecidas, começaram a perseguir e então as trombetas de Rune Midgard tocaram novamente. Abrindo-se em duas linhas, a armada começou a cercar seus persecutores. Em instantes, as inúmeras feras foram destacadas de seu bando e sitiadas por soldados e arcanos. Em poucos minutos, o equivalente a um destacamento desapareceu bem diante dos olhos das outras bestas. Feras insanas urravam do outro lado. Seres de puro medo e horror entremeavam aqueles que tinham pavor do que aconteceria se eles não lutassem. Guiados unicamente por seus instintos, não seguiam nenhum tipo de organização. Áreas superpopulosas entremeavam pontos desprotegidos. A manada de chifres se jogava em verdadeiros tsunamis em cima dos escudos dos soldados. Avançavam incessantes, famintos, defecando e urinando onde dava, tornando o campo de batalha a verdadeira definição de escória. Avançavam como cães raivosos em cima de qualquer humano, despedaçando e devorando. Qualquer soldado que fosse tragado naquela coisa que pejorativamente poderia ser comparada a um exército, deixava de existir, sobrando apenas sangue manchando a areia do deserto, algumas armaduras e, com alguma sorte, um braço ou a cabeça.* Seres alados que pareciam uma paródia de mau gosto das valquírias, as guerreiras divinas do Valhalla, com corpos disformes e asas coriáceas, mergulhavam para pescar suas próximas presas. Qualquer um que fosse agarrado pelas garras afiadas era elevado aos céus e transformado em uma tempestade que revirava o estômago dos mais fortes. A cada fera alada abatida, duas tomavam seu lugar, tornando a chuva de demônios um problema difícil de solucionar. Desciam com fúria, ansiosos pela próxima refeição. Assim eram os dias no campo de batalha. À noite, os feridos que sobravam eram levados a tendas onde alguns sacerdotes invocavam Odin, Thor e outros deuses para sanar as chagas deixadas pelos demônios. Alguns soldados se dedicavam a se lembrar dos tempos de paz como um refúgio para suas mentes assoladas por aquelas imagens que expulsariam a sanidade de um camponês comum. Outros recordavam-se de quando se encontraram com seus parceiros. Era um dia de Sol e céu limpo, tornando a paisagem ainda mais exuberante na floresta. O som metálico da marcha de Rune Midgard podia ser ouvido a centenas de metros dali, um uníssono que mais parecia uma orquestra de tão organizada. Payon trafegava silenciosa em suas armaduras leves, sua madeira bem trabalhada e seus guerreiros desarmados. Um reino e um império se encontraram naquele dia tão magnífico. Cada um trazia sua própria orbe dos idiomas, o artefato que traduzia qualquer língua. Só existiam três no mundo, concedidos por Honir, o deus que tudo sabe, como sua benção à humanidade. Dois homens avançaram. Um a cavalo e vestindo uma sólida armadura que pouco mostrava de seu corpo a não ser o rosto e que trazia um elmo que notadamente apenas o permitiria ver e ouvir. O outro trajava um quimono que pouco escondia seu corpo forjado pelo intenso treinamento em monastérios e a cabeça sem cabelos, lisa e reluzente como a sabedoria daquele homem. - Então essa é a tão famosa armada de Rune Midgard. Impressionante. - Rune Midgard agradece a seu elogio, general, porém sana-me uma curiosidade: seus soldados estão cientes de que a ameaça pode ser gigantesca? Nenhum deles está protegido. - Confia demais no aço, rapaz. Eu que me pergunto se os seus soldados estão preparados, já que toda esse peso nos ombros deve impedir os movimentos deles. A partira dali a conversa passou a ser de olhares. Ambos pareciam ofendidos com os comentários de seu colega. As mudanças rápidas de expressão eram lidas com igual rapidez e logo ambos começaram a gargalhar. Não era aquele o melhor momento para começar uma discussão acalorada. Cada um era grande o suficiente para saber do tamanho da ameaça. - Pode me chamar de Fritz De Urden, meu caro, general da armada de Rune Midgard. Trouxe outros generais comigo, porém, como mais experiente, sou o encarregado pelas tropas. - E eu sou Jyoung Mee Lim. Juntos, Payon e Rune Midgard formaram uma armada que poderia marchar sobre uma cidade grande sem dificuldades. Arqueiros enchiam a floresta, capazes de cobrir o céu se cada um lançasse apenas uma flecha. Soldados davam uma coloração cinzenta à floresta, suas armaduras quase substituindo o verde do local. A marcha era, segundo alguns, capaz de agitar as folhas das árvores. Nem mesmo o deserto representava uma barreira para aquele gigante que surgia, formado por uma coletividade contemplada pela elite de cada reino. Ao longe, as nuvens tempestuosas desafiavam a nova armada. Algo estranho havia naquilo. Um pontilhado negro se agitava como um enxame, numa perturbadora dança. Conforme a multidão se aproximava, o enxame se tornava mais e mais compacto, notando a chegada de um grande desafio. O primeiro choque viria minutos depois. As trombetas soaram. Um grande urro veio ao longe. Duas grandes massas, uma de aço em marcha ordenada e outra de músculos que tentavam se sobrepor corriam de encontro uma a outra. O choque foi tão violento que ambos monumentos de guerra recuaram e se reencontraram. Os escudos eram severamente castigados por garras, chifres e qualquer arma natural. As espadas e lanças ultrapassavam as finas frestas, trespassando as feras. Algumas saltavam por cima das outras naquele amontoado apenas para caírem fulminadas por flechas e lanças de gelo ou fogo, lançadas pelos arqueiros de Payon e pelos arcanos de Rune Midgard. Mantinham-se frios e compenetrados, apenas enxergando seus alvos. Os mergulhos dos enxames eram prontamente repelidos por nevascas, bolas de fogo e outras desgraças em grande escala lançadas pelos arcanos e golpes de punho e espada dos guerreiros de Payon. O desespero tomara conta de muitas feras que começaram a recuar. Encontravam a morte nas mandíbulas de outros seres mais poderosos, retornando ao campo de batalha mais por medo do que por fome. Naquele dia nenhum avanço foi obtido, porém as baixas foram infinitamente mais numerosas do lado das feras. Os generais de ambas as nações discutiam calorosamente estratégias para tentar avanço. Um murro na mesa e quase uma briga, prontamente apaziguada pela general Hael, de Rune Midgard. - Senhores, estamos enfrentando animais irracionais. Se continuarmos com isso, seremos iguais a eles e não conseguiremos sobrepujar a força deles com nosso cérebro. Viram como eles avançam? Parecem que pensam com a barriga e podemos tirar vantagem disso, então não briguemos! As lutas seguiram-se, com Rune avançando cada vez mais, porém com baixas maiores. O mínimo de inteligência do outro lado fazia com que feras cada vez maiores e mais poderosas avançassem. Feras duas vezes maiores que o maior soldado, algumas com armas rústicas como porretes ou espadas feitas de partes de outros demônios. Cada dia mais o solo do deserto tomava uma tonalidade avermelhada e tornava-se mais e mais lodosa. Ao início do quinto dia de guerra, metade de Epitus estava tomada, porém o cansaço começara a abater muitos soldados. Poucos ainda mantinham o ânimo e foi consenso buscar as tropas de Epitus o mais rápido possível. Como a fissura estava ao sul, as tropas puderam avançar enfurecidas e encontrar as tropas do Faraó resistindo desesperadamente. As feras representavam pouco desafio para o ataque pelas costas. Foram esmagadas sem a menor chance de fuga. Àquela altura, toda e qualquer piedade deixara de existir e ambas as tropas matavam e barbarizavam de maneiras doentiamente criativas. Quando os Pasanas e Marduks viram-se livres, correram integrar as tropas. O Faraó pessoalmente integrou a parte dos arcanos, despejando magias inimaginavelmente poderosas. Ao fim daquele dia, a reunião contou com a explosão de raiva do jovem faraó. - Vocês demoraram demais! Perdi a maioria dos meus melhores soldados por causa disso! Por que não responderam mais rápido o meu recado! Por que!? - Acalme-se, majestade. – Manifestou-se Jyoung enquanto aproximava-se do jovem. O inimigo é mais numeroso do que nós e não pudemos nos dar ao luxo de perder tantos homens. Sinto que tenha perdido seus homens dessa forma, mas era a única solução para resgatar vocês. - Calma nada! Eu sou filho do Sol! Um representante divino nesse mundo! Vocês deviam me venerar, mas sua heresia os cega e os impede de ver... - Cala a boca, seu mimado! – Gritou Hael, assustando inclusive Fritz – Eu to cheia de você se queixando de que perdeu seu exército, de que perdeu seu palácio. Tudo que você se queixa é sobre você! Que tal você descer do seu troninho e notar que estamos todos lutando para sobreviver aqui? É melhor você acordar e começar a lutar pra valer, seu deusinho de... - Já chega, Hael! – Fritz levantou-se de sopetão, sua voz ribombando pela tenda como um trovão – Não precisamos de mais uma briga aqui. E quanto ao senhor, divindade, não podemos esquecer que enfrentamos um inimigo. O campo de batalha não é local para lamentos. Isso só poderemos fazer quando sairmos daqui vivos, e, infelizmente para você, se lamentar não vai ajudar. Peço que se acalme antes que eu perca a minha paciência. - E quem é você para falar assim comigo, seu imundo!? Eu sou um... - Já sei, já sei. Um deus, mas isso não impediu Morroc de desafiá-lo e você de ser vencido por ele. Você precisa de nós tanto quanto precisamos de você. Seu povo precisará de um líder vivo para se reerguer, então precisamos que você lute com toda sua capacidade. Silêncio. O Faraó respirou fundo, trazido à razão pela fala calma resistente do general. Sentou-se, trazendo o rosto às mãos e gritando tão alto que o acampamento inteiro assustou-se. Precisava descarregar todo o ódio que sentia de alguma forma e apenas o grito foi encontrado. Do lado de fora, todos os combatentes se confraternizavam. Pasanas falavam da glória de servir ao faraó com os cavaleiros de Rune Midgard, guerreiros de Payon filosofavam com os Marduk e com os bruxos, toda a sorte de assuntos, mas o mais prevalente era “quando voltariam para casa?”. Tantos dias em combates incessantes, tantos dias sem ver seus entes queridos e, mais que tudo, tantos dias vendo seus colegas tombarem um a um acabava com a vontade de qualquer soldado. Logo, nem mesmo os discursos inflamados ou as conversas sobre sentimentos continham a raiva e a depressão. Apenas os poucos que ainda mantinham a sede de combate e de sangue conseguiam estimular seus colegas e apenas durante o combate. Os avanços foram reduzindo seu ritmo, principalmente no sétimo dia. O desespero de alguns soldados, vendo que, por mais que matasse, aquela fenda continuava a jorrar escória fuliginosa e vomitar aquela massa dismorfa, os fazia vacilar em momentos críticos, elevando ainda mais as perdas do império. Uma mensageira, vendo o desespero tomar conta de todos, correu nas sombras até um templo perdido no meio do deserto. - Mestre! É urgente. As três nações estão enfrentando o Morroc e não estão conseguindo dar conta dele. - É mesmo? – Disse o homem com um sorriso no rosto – Uma pena para eles. Morrerão inutilmente. - Mas mestre, se o Morroc vencê-los, ele virá para cá! - E aqui nós o enfrentaremos. Não nos metemos no equilíbrio das coisas, minha jovem. E não nos metemos com as nações em suas politicagens. – Disse com frieza. - Você está em me ouvindo? Se ele vencer as nações, não haverá como manter o equilíbrio! - Se quiser, vá sozinha. Você não terá apoio dos Mercenários, jovenzinha insolente. Agora saia da minha sala antes que eu comece a me irritar... - E pode apostar que eu vou! – Disse enquanto saia e batia fortemente a porta. - Mestre, você não... – Disse um dos mercenários em armadura que lembrava uma ossada, os Algozes, a elite dos Mercenários. - Ela passou no teste, meu caro. Avise-a que ela deve partir imediatamente levando 5 destacamentos de mercenários e um de algozes. É sempre bom ver que alguém aqui ainda lembra-se de que precisamos sobreviver para manter o equilíbrio. Ao oitavo dia, os demônios começaram a avançar, retomando muito lentamente alguns pontos. Chegando perto da Biblioteca de Epitus, já em plena ruína, algo estranho assustou tanto humanos quanto demônios. Feras começaram a ser atingidas de locais impossíveis, de sombras, de baixo do solo, sempre inimigos não vistos. Após cada ataque, guerreiros que usavam duas armas ou as temíveis katares surgiam em um número assustador. Há quanto tempo estavam lá? Um oficial gritou a plenos pulmões, a alegria o tomando por completo. - Eu conheço eles! São mercenários! Eles vieram nos ajudar! Todos os próximos encheram o peito de esperança e novamente começaram a lutar com força total. O mundo estava ao lado deles e não haveria como perder agora. Feras caiam em tocaias diversas antes de qualquer manobra. O avançou ganhou força e todas as frentes de batalha foram auxiliadas. Próximo a Thanatos, uma jovem algoz se aproximou, lutando costa a costa com ele. - Luta bem, moleque! - Você também, garota! Estavam aproximando-se cada vez mais de onde Morroc estava. O gigante irritava-se com cada metro a mais de proximidade. A intervenção dos Mercenários lhe incomodava profundamente e, com um gesto, o general alado apareceu perto de seu ombro. - Chamou, senhor? - Sim. O que diabos esses mercenários malditos estão fazendo aqui? Não era para eles se intrometerem! – Urrou Morroc. - Acho que a sobrevivência sempre fala mais alto entre os humanos. Mas bem, senhor. Não achas que é hora de aumentar nosso contingente com aqueles que não passam pela rágade que fizeste? Morroc levantou-se irritado, demonstrando má vontade. Observava ao longe as feras lutando e irritou-se. Caminhou até o oceano a passadas lentas, indo até aquela ferida em Midgard. Respirou pesadamente, pensando em como os humanos poderiam ser piores que baratas para matar. Enterrou lentamente os dedos escamosos e abriu as gigantescas asas, como se fizesse muita força. Sua voz novamente ecoou por todo deserto: - Andem, criaturas infernais! Mostrem a esses humanos patéticos do que realmente é feita a armada de Morroc! Conforme o rasgo aumentava ante à força de Morroc, monstros do tamanho do gigante deixavam seu claustro, ajudando a esgarçar ainda mais aquilo. Monstros de puro magma, bestas cuja simples visão esfacelava qualquer sanidade dos soldados mais jovens. Andavam devagar enquanto Morroc erguia-se no céu para visualizar melhor o que achava que seria um massacre. - Gigantes! Recuem! As trombetas davam o toque de recuar o mais alto que podiam. Precisavam de espaço para lutar contra aqueles seres inimagináveis. Alguns soldados correram o máximo que podiam para o mais longe apenas para encontrar a morte nas garras de um ou outro demônio alado. O desespero começava a tomar conta até mesmo dos mais graduados. Improvisaram cordas e tentavam fazer as criaturas que não eram de lava caírem. Para as de lava, tempestades glaciais incessantes caíam, tornando seus movimentos lentos e endurecidos, transformando-os em pedra. Marduks despejavam tempestades de chamas nos que não eram de fogo, Pasanas, cavaleiros, algozes e todo aquele que pudesse usar uma arma estava na linha de frente lutando e tentando ajudar a assassinar qualquer fera. Formações instáveis impediam o avanço. Mais e mais pessoas morriam, mas, mesmo assim, as baixas no outro lado eram imensamente maiores. Morroc enfureceu-se de vez, ao décimo segundo dia, desceu pessoalmente. - Seus seres imundos! Agora é hora de enfrentar a ira de Morroc pessoalmente! A voz mudara de tonalidade. Bradava em plena fúria, correndo em direção a uma torre. Começou a entoar grunhidos ininteligíveis e a torre foi-se congelando por completo. Arrancou o imenso bloco de gelo do chão e o arremessou alto, desaparecendo em plena fumaça. O grande iceberg atingiu o chão antes que pudesse ser organizada qualquer manobra, atingindo uma tropa inteira, esmagando-a sob o peso. Sangue tingiu o solo e uma imensa nuvem ergueu-se. Medo é inimigo da racionalidade. Todos os soldados das três nações começaram uma guerra pela sobrevivência. Tanta areia cobria a visão, permitindo às feras banquetearem-se de cada soldado. Não havia mais formações, cada um por si. O punho de Morroc desceu pesadamente no meio de uma parte da nuvem, deixando incontáveis mortos. Conjurava em sua voz gutural inúmeras magias semelhantes às dos arcanos enquanto usava seu corpanzil para assassinar inúmeras vidas. Thanatos tentava enxergar algo. A Chama Reveladora de Sartini permitia ao quarteto ver claramente seus inimigos. Aproveitavam seu preparo para avançar em cima de qualquer fera que fosse vista. Byeldorg era agitada freneticamente, Adrior muitas vezes socando o ar, Dereck protegendo a retaguarda com seu escudo de aço. A tensão consumia a vontade de todos. Nunca sabiam quando iam reencontrar aquelas feras gigantescas. Thanatos tremia de excitação. Nunca, em toda sua vida, sentiu-se tão apegado à vida. Era prazeroso aquele momento de morte iminente que apenas um inimigo daquele porte poderia lhe dar. A poeira baixou aos poucos e Thanatos festejou. - Mestre! Saraiva! - Thanatos!* O coro se desfez quando a mão descomunal de Morroc esmagou o antigo sacerdote como uma mosca no chão. Thanatos pasmou, ficando parado enquanto a poeira dispersava-se mais e mais. O Faraó, seu mestre e Saraiva lutavam pessoalmente contra Morroc. Este gargalhava, permitindo-se atingir por qualquer magia, qualquer golpe de espada. A jovem algoz apareceu em suas costas, puxando Thanatos com toda a força antes que o punho de Morroc fizesse o chão tremer enquanto esmagava o Faraó. - Eu sou Morroc, filho de Ymir! Nenhum de vocês é capaz de agüentar comigo! Temam, humanos imundos, pois seu reinado sobre o corpo de meu pai se encerra em breve!!!! A mão de Morroc envolveu o mestre de Thanatos antes que qualquer outra atitude fosse tomada. Trouxe o homem para muito perto do rosto, olhando-o com suas cinco orbes amareladas. O sorriso que ostentava era vitorioso. Thanatos se debatia enquanto tentava se soltar dos colegas que impediam que ele cometesse suicídio em se jogar contra o gigante pessoalmente. Morroc gargalhou com seu hálito de mil mortos - Você, baixinho, você é muito forte. Não vai viver para ver o sol nascer novamente... - Eu não sou sua maior ameaça, filho de Ymir. Devia procurar melhor antes de usar essa sua mente enferrujada pelos milênios... Morroc fechou a mão mais forte fez todos os ossos do homem estalarem em uníssono. Deixou-o cair e observou em volta. Sentia-se esgotado por ter brincado tanto com tantos soldados. Sorriu ao ver a destruição que causara e ergueu a voz o mais alto que podia. - Crias infernais, vamos até a torre que conjurei! Demos a eles o gosto de nosso poder enfraquecido. Quando estivermos em plena força, destruiremos esse mundinho e criaremos o nosso, sem Odin, sem Vili, sem Vé! Morroc murmurou algo e uma grande esfera rubra envolveu seu exército. Suas longas asas abriram-se e ele, cercado pelo enxame, alçou vôo, levando consigo toda sua tropa. Gargalhava satisfeito com tudo que fizera. Finalmente sua vingança estaria concluída assim que terminasse de matar os humanos. Com aquele exército, não teriam chance alguma contra ele. No acampamento mais longínquo, os oficiais mais graduados estremeciam em suas armaduras. Não tinham mais nenhuma notícia do campo de batalha e não ousariam sair de lá, tamanho seu medo. Mesmo os oficiais de Payon, treinados a não sentirem mais medo, tremiam ante àquele ser tão sobrenatural. Thanatos, no entanto, foi solto pelos colegas e lhe foi permitido olhar para seu mestre. Abaixou e abraçou-o, sentindo cada osso quebrado mover-se. Os poucos ossos íntegros permitiram-lhe falar e cuspir sangue. - Thanatos...tanto tempo, agora tão pouco. Coooof! - Sartini, vem aqui! Tenta curar ele! Mestre, a gente vai te tirar dessa! Sartini correu e agitou-se, porém algo ainda o inibia. Todos aqueles mortos, toda aquela nojeira que fazia até mesmo o embrutecido Adrior enojar-se. A cura não era eficiente e, apesar das tentativas, o homem caminhava mais e mais para a morte. - Escuta, Thanatos. Gnnn! Você cresceu forte, ainda pode me substituir. Eu estou orgulhoso de você. Cresceu e...gah!!! Tornou-se um homem. Pegue minha braçadeira. Você agora é o novo capitão dos Carrascos Andarilhos. Eu posso ver...jus...ti... - Mestre! Mestre!!!! As pupilas dilataram-se e o corpo relaxou por completo. Morto. Estava morto. Como milhares, como dezenas de milhares espalhados. Mas nenhum deles tinha algum valor a Thanatos, exceto aquele morto, em seus braços. A jovem desaparecera. Morta talvez? Não. Era esguia demais para estar naquele estado. Todos se aproximaram de Thanatos, que chorava intensamente. Suas lágrimas limpavam o sangue no rosto de seu mestre e o Adrior dignificou-se a fechar os olhos dele. - Guri, tudo que posso dizer é: sinto muito... - Me dê seu mestre Thanatos. Deixe-me dar, pelo menos a ele, um enterro digno. No campo de batalha onde ele lutou. - A orbe do faraó deve estar funcionando ainda. Eu só posso orar a Wootan para que ele mande suas servas virem buscar seu mestre. Thanatos estava passivo. Dereck conseguiu tomar o corpo do mestre e improvisou uma pá com o escudo, dando ao amigo a braçadeira dele. Improvisou uma pá com o escudo na areia encharcada de sangue e cavou demoradamente uma cova. Thanatos permanecia parado. Uma mistura de luta, de prazer, de vingança. Tinha que lutar contra aquilo. Era sua chance. O inimigo que implorou aos deuses. E tinha que vencer pelo que lhe fizera. Levantou-se, pegou Byeldorg e ficou olhando-a enquanto Dereck e Adrior improvisavam uma lápide afundando muito a espada do mestre na areia. Thanatos olhou para cima e urrou com toda a força. - AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA!!! OFF
  8. Capítulo 4: Boas vindas A noite caía pesadamente sobre os ombros de Thanatos. Aquele era um momento único em sua vida, algo que nunca sonhara em fazer. Abria e fechava repetidas vezes uma caixa pequena forrada com um pano vermelho muito bem confeccionado, sobreposto por um pequeno anel dourado com uma pedra brilhante. Seu medo o fazia suar. Levantou e começou a caminhar a passos vacilantes até a porta de seu quarto. Quando passou o batente, respirou fundo e suas passadas eram rápidas e decididas até onde Mylenna estava. O quarto estava limpo, bem arrumado, com um perfume muito agradável de rosas eternas que encimavam um dos balcões do quarto. As janelas possuíam uma fina cortina que esvoaçava com o vento que entrava. Era uma estalagem muito agradável, a mais cara de Prontera. Algo, no entanto, faltava. Um elemento crucial para Thanatos não estava presente. Mylenna. Começou a revirar o local. Talvez ela estivesse pregando uma peça nele. Ela só podia estar pregando uma peça. Embaixo da cama, no armário. Conjurou a pequena Chama Reveladora para fazê-la aparecer. Nada. Nem mesmo um sinal dela. Olhou em volta, o pavor tomando seu peito, o vazio crescendo e perturbando. Correu pela cidade. - Mylenna! Mylenna! Os amigos interromperam Thanatos pouco depois de sua corrida. Chamar tanta atenção não seria bom naquele momento. Adrior segurou bem firme o amigo de modo que ele mal pudesse se mover, enquanto Sartini reduziu sua agilidade com uma de suas pajelanças. Thanatos ainda tentava se livrar, olhando a todos com o pavor estampado no rosto. - Calma, cara! – Começou Dereck – O que ta havendo? - Eu não to achando a Mylenna. E eu queria fazer um pedido pra ela! - Sossega, guri! – Continuou apertando Adrior. - Você ia pedir a Mylenna em casamento é? – Brincou Dereck. - Sim! Eu até estou com o anel, olha! Mostrou a caixa em sua mão. Dereck engoliu seco ao abrir a caixa. Sua brincadeira não poderia ter vindo em pior hora. Gesticulou para Sartini e ambos se separaram, procurando por ela enquanto Adrior observava o amigo. - Olha, Thanat. Pelo que eu pude ver, a Mylenna tem muita coisa por trás daquele rosto. Se ela sumiu sem te avisar, deve ter sido pra te proteger. - Tem certeza, Adrior? - Absoluta. Ela não te largaria assim, rapazinho. Vem cá, tem muitas outras mulheres no mundo. Você vai acabar encontrando outra se não der com a Mylenna. Confia no que estou dizendo. Thanatos respirou fundo, olhando o amigo com um sorriso triste no rosto. - Obrigado. Muito obrigado. Morroc olhava sua tropa sorridente. Gritos, urros e toda sorte de sons emergiam daquela horda enraivecida que berrava em glória a seu líder. Em cima de uma pequena colina sua gigantesca altura o fazia visível mesmo àqueles que estavam muito distantes. Sua voz gutural ecoava por todo o local, intimidando mesmo aqueles que eram mais leais a ele. Ergueu uma mão muito maior que sua cabeça e a abriu, fazendo todos ficarem quietos. Um silêncio de morte tomou conta do lugar enquanto o gigante observava o mar de seres que ali estava. Alguns racionais e que seguiam aquele gigante pela lógica da lei do mais forte, outros, menos racionais, o seguiam por medo. Sua voz rompeu o clima de tensão - Meu exército, minha armada! Finalmente é chegada a hora de vingança! Após séculos correndo naquelas brumas consegui chegar aqui e encontrar vocês, seres sedentos por sangue, assim como eu! E não nos banquetearemos de sangue comum! Será o da cria dos deuses que mataram meu pai e usaram seu corpo para criar seu mundo! A multidão bradou em inúmeros sons que criavam uma cacofonia que fez o orador sorrir com sua centena de dentes. Lava e pedras eram arremessadas para cima em festejo, na esperança daquele terrível ser notá-los e trazê-los para perto de si. Morroc fez novamente o sinal para todos se calarem. - O ritual que conjura o nosso guia até Midgard está quase pronto e a grande batalha se aproxima! Em breve, crias de Muspelheim, muito em breve nossa sede será saciada! E saibam, mesmo entre os humanos há aqueles que nos adoram! Sim, isso mesmo, após tomarmos aquele mundo e a cria dos deuses, teremos nossos próprios servos para fazermos o que quiser! Inclusive para derrubar Aasgard da copa de Yggdrassil! A voz ribombava pelo corpo de todos. Cada ser presente naquele local sentia as palavras de seu líder vibrar em seus ventres, cabeças e, nos que possuíam, coração. Após anos de planejamento, lutas em Muspelheim, conquistas e provações, uma das armadas mais terríveis se formava ali. Os que temiam a figura de Morroc sentiam seus corações mais e mais aflitos. Contestar aquele monstro era morte certa. Brasas explodiram, lançando uma chuva cáustica e cintilante sobre todos aqueles seres. Êxtase tomou conta dos mais corajosos e pavor dos covardes. O céu brilhava em vermelho com o fundo de fumaça pestilenta e fuliginosa, fazendo com que apenas o fogo do local fosse a única fonte de iluminação. Para os mais devotos era como se o próprio Sol tivesse se escondido da grandeza de seu mestre. Morroc fez sinal para que todos o acompanhassem. - Vamos! Adrior puxava Thanatos pelo braço. Dereck e Sartini não haviam encontrado Mylenna em lugar algum. Nem quando todos se espalharam ela apareceu. Era como se a terra a tivesse engolido. O jovem se recusava a ir, mas a força dos braços do grandalhão o fazia andar mesmo que arrastado. - Dereck, qual o melhor remédio pra depressão? – Começou Adrior. - O seu santo licor, Adrior. Cerveja. - Mas eu não que... - Cala a boca Thanat! Você vai beber, vai cair, vai levantar e vai gostar. Confia no titio Adrior Misos aqui. - Mas... - Ouve o titio, Thanat. – Ria Dereck. Thanatos seguia de cabeça baixa. Não queria beber aquele troço amargo que deixava ele com a cabeça girando. Mal concebia como Dereck e Adrior conseguiam tragar aquela porcaria. No fundo, no entanto, achava que era a solução para aquele momento. Talvez perder um pouco dessa memória ruim não lhe fizesse tanto mal. O problema era que ele nunca havia se embriagado e viu como Adrior agia. Temia pelas pessoas. - Guri. - Fala, Adrior. - Eu acho que sei o que ta pensando. Você ta é com medo de ferir o pessoal quando ficar bêbado, né? Thanatos arregalou os olhos. Havia ele lido seus pensamentos? - Relaxa. Eu treino bêbado desde muito cedo. Você vai é trançar suas pernas e tropeçar toda hora. Num vai conseguir ferir ninguém. O Dereck que nem treina leva tapa toda hora. - Num precisava dizer isso. Riram. Mal acreditaram quando Thanatos parou de resistir. Será que ele finalmente ia ceder à bebida? Bem que ele estava precisando aos olhos dos dois. Sartini ignorava os comentários, preferindo nem saber o que diziam pelas risadas dos outros dois. - Quem diria, não? Enfim vai acontecer! A marcha começou. Uma revoada de monstros alados armados com arco e sacos de pano em suas cabeças enquanto monstros feitos de pura lava conspurcavam o solo do local, vitrificando-o. Morroc caminhava a passos rápidos, ansioso pelo seu momento de glória. Dois monstros em especial encimavam seu ombro. Um parecia uma massa amorfa de matéria negra com dentes brancos e olhos que apareciam e desapareciam pelo seu corpo. Falava rapidamente, festejando o momento. O outro parecia um pequeno diabrete perto dele, mas comparado ao seu colega de poleiro, era relativamente grande. Este falou com uma voz serena, porém potente: - Quantos anos se passaram desde que começaste a formar o exército, meu senhor? - Quatrocentos – grunhiu Morroc. - Realmente curioso. E como que conseguiste fazer-te lembrar pelos mortais a ponto daquele homem naquele vilarejo e daquele sacerdote fazerem o que fizeram? - Eu sou filho de Ymir, esqueceu, seu idiota? Meus poderes são muito maiores do que sua mente consegue conceber. - Oh sim, claro. Eu quase me esqueci. Perdoe minha tolice. - Há há há há há! – Gargalhava ensandecido o outro – Acaba com ele mestre. Mostra do que você é capaz! - Calem as bocas vocês dois! – Irritou-se o gigante – Deixem essa raiva toda para quando chegarmos. Aí vocês podem se matar se quiserem. As tropas marchavam o mais rápido que podiam. Os que temiam seu líder eram flagelados por aqueles que o respeitavam das mais variadas formas. Socos, empurrões, chicotadas eram apenas exemplos da crueldade com os mais fracos. Um monstro levantou-se e atingiu pesadamente o rosto de seu carrasco, lançando-o contra muitos outros. - Eu estou farto disso! Eu não irei lutar por vocês! Sua pele pétrea garantiu-lhe proteção contra os primeiros golpes dos outros, mas era fina como um papel para as presas de Morroc, que passava por ali no momento e rapidamente pegou-o pela perna e o mastigou. O som de ossos estalando e os gritos antes de morrer daquele ser tornaram-se uma sinfonia ou um réquiem para os ouvidos dos outros, que bradaram de medo e glória. Após engolir, olhou para seus dois lacaios no ombro e respirou profundamente. - Na verdade eu... Thanatos estava caindo na mesa a toda hora, quase dormindo sobre sua caneca. Sartini ficara responsável por ficar acordando o Thanatos. Bebera tanto naquela noite que mal se agüentava. Não conectava palavras, frases saindo incompletas, mudando o assunto a cada instante porque mal conseguia se lembrar do que estava falando. Adrior e Dereck ainda estavam alegres quando Thanatos já trançava as pernas. Ao fim daquela noite, Sartini ajudou a levar o amigo para o quarto e gesticulou para Dereck, dizendo que ele não se lembraria de muita coisa que aconteceu aquela noite. - Isso é muito bom de se ouvir. Morroc esfregava as mãos enquanto ouvia uma de suas criaturas falando. Havia encontrado uma área menos densa da névoa, o caminho que tanto precisava. Sorriu com sua centena de dentes enquanto a criatura saltitava à sua frente, se fazendo notar pelos pequenos olhos do gigante e gritava com sua voz estridente tentando atingir a audição aguçada dele. - É logo ali, senhor! As brumas ficam mais finas logo ali. Ihihihihi! - Ótimo – virou-se para todos e ergueu a voz –, crias de Surtr, amanhã iremos marchar a toda velocidade na direção da torre! - Senhor, o que devo fazer agora?! Iahahahah! - Descanse. Você merece. Adrior não entendia de onde Thanatos tirara aquela energia, mesmo com aquela ressaca toda. Queria curtir o dia seguinte muito cedo. Mal se recordava do dia anterior, apenas que Mylenna não estava mais. Apesar da decepção, queria afastar aquilo de qualquer jeito. A cidade mal despertava e o jovem já ia ajudá-la novamente. Ao sair da estalagem, viu guardas colocando uma estátua coberta por um lençol branco amarrado por cordas douradas. Aproximou-se curioso para ver o que era, mas logo um soldado o afastou. - Sinto muito senhor, essa área será dedicada à cerimônia do herói de Prontera. - Pois bem, que assim seja. Morroc apontou uma direção para algumas de suas fileiras. - Já que querem seguir uma direção diferente, sigam até a torre que conjurei, ao norte. Vocês devem protegê-la de tudo e todos. Apenas com minha permissão alguém deve entrar lá. Nós seguiremos por aqui. Vá com eles, meu general. - Ah há há há! Pode deixar, senhor. Eu os guiarei direitinho! - Isso mesmo. Thanatos parecia ansioso. Conversava rapidamente com os amigos. Iriam ter uma homenagem a um herói. Adorava aquele tipo de coisa. Heróis eram forjados em batalha. E batalha era o que ele mais gostava. Finalmente ia ouvir mais histórias que gostava. - Thanatos – começou Dereck –, deixa eu entender. Você quer ver a inauguração com a gente? - Sim. Será melhor – sorriu Thanatos. - Então é melhor a gente se apressar, já estão fazendo o pronunciamento – apressou Adrior. - Vamos logo! A neblina começava a dar visão a vultos. Ao longe, um vulto gigantesco, cheio de pontas era visível, assim como um vulto azul ao Sul. Ainda era eminentemente branco, mas começava a tomar forma. A ânsia crescia mais e mais nos corações de todos. Para uns, é poder extravasar o pavor, para outros, puro sadismo. - Crias de Muspelheim! Vejam! Estamos perto! Nossa glória está por chegar! - Ouçam o que ele diz! O soldado começou a ler o pergaminho em voz alta. - Povo de Prontera! Sua majestade máxima, o rei, os presenteia pela bravura de um homem que nasceu neste território. Em combate com o demônio Bafomé, foi decisivo para que a vitória absoluta seja conquistada e, pela paz de nossa nação, sacrificou-se em combate, forçando o monstro a recuar novamente. E nós, da armada de Prontera, fomos presenteados com o direito de honrar nosso conterrâneo revelando sua estátua. Podem puxar a cobertura. O lençol caiu, dando lugar à surpresa de Thanatos. Era a estátua de seu pai que não via há tantos anos. E ver aquele homem como um herói o fazia sentir nojo. - Não consigo acreditar... Morroc olhou pela penumbra. Era um grande império dourado no deserto. Como as crias dos deuses se desenvolveram tanto? Não importava para ele, não naquele momento. Não era hora de pensar nisso. Era seu momento, sua glória. E as crias dos deuses iam ser as primeiras vítimas de sua vingança. Especialmente as do deserto. - Não acredito que isso está acontecendo. A imagem daquele homem começou a trazer memórias que Thanatos sofreu muito para suprimir. Levou sua mão à cabeça, tentando arrancar aqueles pensamentos que tanto lhe traziam dor. Começou a lembrar da guerra contra os deuses. Lembrou da dor que sentiu ao ver seu pai ser morto, do ódio que sentiu ao ser jogado sem condições de sobreviver nas brumas em que estava. A lembrança de seu pai lhe batendo o fez sentir ódio. A lembrança de Odin lhe batendo o fez sentir ódio. Aquela visão o incomodava. Aquela visão o agradava. Por um instante, cedeu. Por um instante, sorriu. - Não! - Sim! Uma rachadura surgiu no horizonte babando fumaça negra e pestilenta. Dedos cobertos por um grosso couro e com garras enegrecidas emergiram da rachadura, abrindo-a com força. A água sequer ousava entrar por esta fresta, tamanho era seu medo do que estava lá. Morroc em pessoa foi o primeiro a passar, seguido por um enxame de feras voadoras. Abriu suas asas e ergueu seus braços gigantescos, fazendo com que a água desse espaço para um corredor seco. Mais bestas, como se saíssem de um pesadelo, emergiram pelo rasgo entre os mundos, marchando a todo vapor em direção a Epitus. Repentinamente uma sensação estranha percorreu o corpo de Thanatos, que lhe fez virar para Epitus com a precisão de uma bússola. A voz de Morroc ecoou por toda Midgard: - Crias dos deuses, a sua hora chegou! Eu, Morroc, filho de Ymir, vim trazer o seu fim! Cada ser vivo em Midgard estremeceu com a voz poderosa e gutural do gigante. A população parou o que fazia, sentindo medo subir-lhe pela espinha. Caos. Em Rune Midgard a histeria fez com que todos começassem a correr desesperados, muitos sem rumo, apenas querendo fugir de algo cuja direção sequer sabia. A guarda mal conseguia conter o pânico, pois membros da própria armada estavam inclusos na turba apavorada. A mão velha de uma senhora que era pisoteada deixou cair um cesto de flores mortas. Muitos correram em direção ao castelo, buscando abrigo, e encontraram portões fechados. Os Raydric continham os portões com seus próprios corpos, não permitindo a entrada de ninguém. A voz do gigante fez o próprio rei tremer, deixando cair sua taça de vinho. - G-guardas! Guardas! - O que é aquilo!? Os poucos guardas ao Sul de Epitus sentiam sua sanidade ser arrancada de seu corpo aos poucos. Dezenas, centenas, milhares de criaturas de puro pesadelo vertiam daquela ferida no mundo. O vento que de lá saia fazia os corpos acostumados ao rigor do Sol transpirarem em bicas, fazendo um dos guardas desmaiar pela desidratação. O outro correu o mais rápido que podia gritando aos cidadãos sobre a ameaça. - Monstros! Milhares deles! Fujam para bem longe daqui! Fujam! A população, já paralisada de medo, começou a se mover desgovernada para longe do sul, passando por cima de quem quer que fosse. A fumaça cobria o céu aos poucos, tornando noite o dia ensolarado de Epitus. O Faraó olhou para a direção da fumaça com muito receio. - Pasanas! Em Payon, monges interrompiam sua meditação, arqueiros erraram seus alvos, tudo pela distração causada pela chegada do gigante. A população, apesar de parecer não se incomodar, estava contendo um imenso pânico em seu peito, algo que mesmo sua cultura tinha dificuldade em controlar. Cada cidadão desejava em seu âmago correr para o mais longe possível. Alguns apressavam o passo sem perceber, outros começavam a tremer as mãos quando precisavam delas. A guarda da cidade, na fronteira da floresta com o deserto, viu a grande fumaça negra se formando ao longe. O medo ancestral em seus corpos tornou-se mais forte com a visão daquilo aumentando seu tamanho e tomando a forma de uma boca sorridente com mil presas. O capitão, usando uma pequena armadura de metal fina e portando uma espada com um belo adorno vermelho em seu cabo olhou para um arqueiro de físico atlético que usava uma roupa fina e colada ao corpo, portando um grande arco e uma aljava repleta de flechas. - Você! – O capitão apontou para o jovem – Avise o imperador imediatamente sobre isso! A voz de Morroc atingiu até o subterrâneo. Em Geffenia os elfos paralisaram de medo, inclusive o próprio rei. Muitos se recolheram em suas casas e abraçaram seus filhos que choravam de medo. Em todas as partes do reino houve pânico e a histeria esteve para acontecer. A guarda toda, assim que se recuperou do susto inicial, moveu-se o mais rápido que podia para fechar todas as entradas. - A ordem é a seguinte! – Disse um capitão élfico em sua armadura completa de batalha – Não deixem os cidadãos entrarem em pânico! Vamos tentar entender o que está acontecendo e só depois agir! Não haverá guerra ainda, entenderam? O rei elfo saiu na sacada de sua fortaleza com o olhar perdido. A lenda de um mal ancestral era real. Deviam ter dado ouvidos ao ancião louco e não o jogado como escória no meio da rua. Agora, com o retorno dele, com aquele medo fustigando seu peito, uma pergunta martelava seu pensamento. “Estamos mesmo seguros contra essa abominação?”. O templo no deserto viu as nuvens fumacentas cobrirem o céu ao longe. Mesmo acostumados às grandes ameaças, os mercenários sentiram um intenso calafrio frente à chegada de Morroc. No templo, sussurros começaram a destruir o silêncio que era o local, todos falando sobre a desgraça que pairava sobre Epitus. Mesmo o próprio líder da guilda, usando roupas grandes e folgadas de cores escuras, mas com o rosto coberto por um pano, sentiu um incômodo estranho subir pela sua garganta. - Senhor, algo está acontecendo em Epitus e parece ser importante. – Uma voz surgiu do ar. - Você sentiu? - Eu vi a fumaça tomando conta do céu. - Não. Você sentiu essa coisa estranha? - Sim, eu também estou com um péssimo pressentimento. As ruas de Prontera desertificarem-se em instantes. A histeria tomara conta da vila tão rápido que mal teve tempo de pensar. Sartini tremia e gritava em seu idioma enquanto subia em Dereck, que também sentiu seu coração revirar-se de medo em seu peito, suando frio. Adrior, apesar da ânsia por boas brigas, não desejava lutar com aquilo. Assim como todos queria correr o mais longe que podia. Thanatos estava paralisado, mas não de medo, como se algo o tragasse, o chamasse até aquela voz. Perigo, um combate sem igual, a chance de superar aquele maldito que um dia chamou de pai. Êxtase tomou conta de seu corpo. Finalmente acharia algo que aplacaria suas dores, o único antídoto para seus males. Uma peleja contra a maior ameaça que Midgard presenciara desde Jormungard, a serpente que foi vencida pelos fundadores de Rune Midgard séculos atrás. - O que está acontecendo? – Gritou o rei de Rune Midgard. - Majestade, tudo que sabemos é que a voz veio do Sul, na direção de Epitus. – Observou a jovem em armadura de batalha completa. - O que aqueles malditos estão aprontando dessa vez? - Dessa vez, senhor, acho que eles são as vítimas, tendo eles conjurado este monstro ou não. - O que me sugere fazer, Hael? A jovem general levantou-se e vestiu seu barrete negro, jogando a capa de mesma cor para trás, evidenciando uma armadura de batalha de metal, com as articulações protegidas por uma malha de anéis de aço. Olhou demoradamente seu rei e levou a mão ao queixo com um ar pensativo. - Pasana, o que está havendo? O que é aquela fumaça toda? - Divindade, é uma armada que está surgindo do nada e, no meio deles, um gigante! Por favor, nos diga o que fazer! - Uma armada? - Sim! Monstros que parecem ter saído de mil pesadelos e, junto com eles, um tal de Morroc que se diz filho de Ymir. - Ymir? Quem é Ymir? - Eu não sei, meu deus, mas nos diga o que fazer, por favor! O jovem de pele morena levantou-se e caminhou em direção à sacada. Parou e ficou observando o rasgo expelindo fumaça pestilenta, emitindo tanto calor que até mesmo do palácio era perceptível. Aquilo começou a apavorá-lo e seu pai já não estava mais lá para ajudá-lo em absolutamente nada. Suor escorria pelo rosto enquanto via aquela imagem negra crescendo. - Você tem certeza do que está dizendo, arqueiro? – Olhou o imperador de Payon em seu kimono de seda verde com diversos dragões desenhados em dourado. - Sim, imperador. Uma grande nuvem negra vinda de Epitus. E ela parecia estar satisfeita, pois parecia sorrir pra nós. - O que será que aqueles malucos estão fazendo? – disse enquanto coçava a longa e fina barba branca. - O senhor me concede a palavra, imperador? - Fale. - Acho que eles acabaram sendo vítimas de algo fora do controle deles. O palácio de madeira estava mais sombrio que antes. Nenhuma das concubinas do imperador sorria. Todas estavam próximas de seu amado, tomadas pelo desespero que Morroc trouxera consigo. Não havia música, não havia festas, apenas a formalidade que uma situação como aquela exigia. - O que faremos imperador? Em Geffenia, o rei estava sentado à sua mesa feita de galhos trançados de quatro plantas que eram os pés da mesa. De um lado, sentavam-se elfos trajados com vestes arcanas, leves, com diversos ideogramas bordados. Do outro, guerreiros com espadas e arcos, vestindo armaduras feitas de metal muito bem forjado. Todos estavam falando juntos até o rei interromper. - Querem deixar esses egos de lado um pouco e decidir o que vamos fazer? A situação é séria. - Perdão, majestade. – Disseram em uníssono. - Estamos com uma criatura ancestral e não sabemos nada. Eu acho que devemos tentar conhecer nosso inimigo. - Mas como, senhor? O templo do deserto era encoberto lentamente pela sombra. Eram os mais próximos depois de Epitus do epicentro da catástrofe. A inquietação tomara conta do local, forçando os membros mais graduados a serem mais severos. Estavam muito próximos do gigante e, por isso, talvez fossem os próximos alvos. O líder, mesmo com o rosto coberto, mordia os lábios enquanto pensava em quais atitudes tomar. A cada hora alguém vinha questioná-lo e isso era um teste à sua paciência. - Mestre – começou um deles – os homens estão começando a ficar amedrontados. O que fazer? - Eu não sei ainda. Mas que droga! Se ao menos... – Um pensamento irrompeu-lhe de repente. - Senhor? - Já sei o que fazer. Em Prontera, a armada reuniu-se, discutindo aquele evento. O medo ainda não desaparecera, dando a eles a impressão de que a mera presença do ser era suficiente para ameaçá-los até aquele ponto. Thanatos e os outros também estavam entre os soldados, convocados como cada homem que soubesse manejar uma arma. - E agora, senhores, o que fazer? – Disse o soldado em vestes marrom. - Eu creio que Glast Heim mande reforços para nós. Eles não seriam loucos de deixar a porta aberta assim, seriam? – Respondeu Dereck. - Não sei, algo nesse Filho de Ymir me faz sentir estranho. – Balbuciou Adrior. A discussão corria assim enquanto, na mente de Thanatos, seu desejo tomava mais e mais forma. Começou a contorcer-se de tanto que tentava segurar-se, chamando uma atenção indesejada. Coçou a nuca ostentando um tímido sorriso no rosto. - É que eu acho que sei o que podemos fazer. - E o que? - Vamos ajudar Epitus com nossas tropas, majestade. É tudo o que podemos fazer pra evitar um ataque aqui na cidade. – Falou a general incisivamente. - Tudo o que podemos fazer, Pasana, é lutar. Vamos mostrar a esse tal de filho de Ymir que o filho de Amon Rá é muito mais poderoso! – Bradou o Faraó. - Mande um mensageiro para Rune Midgard e reúnam as tropas. Essa será uma ameaça que devemos enfrentar juntos. – Disse o imperador. - Arcanos, revirem todos os antigos registros que temos de nossos antepassados. Com certeza algo deve falar sobre essa ameaça ancestral. E, quando encontrarmos, vamos nos unir aos humanos para ajudá-los. – Falou apressadamente o rei elfo. - Chamem cada mercenário, cada algoz que puderem. Utilizem o meio que for preciso para fazer com que todos venham. Aí sim poderemos estudar melhor essa besta e, assim, varrê-la da face de Midgard! – Bradou o líder dos Mercenários. - Tudo o que podemos fazer é mostrar pra esse filho de Ymir que, se ele quer levar a gente, não vai ser sem uma boa luta. – O sorriso tímido de Thanatos metamorfoseou-se para uma ferocidade quase insana. OFF
  9. Capítulo 3: Preparativos O vento do deserto fustigava a vista de qualquer um. Tempestade de areia, uma das coisas mais irritantes que um viajante poderia encontrar no deserto. Aquele maldito pó tornava a respiração quase que inviável, entrando em qualquer fresta. Dois vultos encapuzados, em mantos pesados, caminhavam em meio a esse inferno de silício, ousando desafiar as rajadas abrasivas. Só quando o vento cessou, Adrior tirou o capuz, inspirando o ar longamente. - Aaaah! Como é bom respirar novamente! - Concordo plenamente. – Thanatos removia o seu também – Veja lá na frente! Não é Epitus? Pequenas pontas triangulares surgiam no horizonte ondulado do deserto. Conforme avançavam na caminhada, maiores se tornavam. Tomavam a forma de pirâmides imensas e, sob elas, o império dourado de Epitus, com suas colunas, sua esfinge, suas pirâmides e seus templos ganhava forma. Suas ruas fervilhavam com o mercado, onde diversas pessoas amontoavam-se para tentar conseguir o pão de cada dia. Eram diferentes de Rune Midgard. O clima impiedoso de calor intenso quase não permitia o uso de roupas pesadas. Os homens andavam com o torso nu, vestindo saiotes de algodão puro, tão brancos quanto as poucas nuvens que cobriam o céu naquele momento. As mulheres usavam longas togas ornadas com algumas jóias douradas. Carroças capazes de transportar apenas duas pessoas eram puxadas por uma espécie de ave grande e bípede, com penas alaranjadas e brilhantes, um grande bico preto com detalhes vermelhos em sua cabeçorra. - Eu acho que vou provar um pouco dessa bebida... - Eu preciso de você sóbrio, Adrior. Não fique bêbado. Não hoje. Olhou para Thanatos e ambos riram. - Já faz um bom tempo que não bebo até cair, cara. Deixa eu aproveitar um pouco. - Só depois de arrumarmos um lugar para ficar. Ninguém entendia o idioma deles e vice-versa. Era uma civilização completamente diferente. Nem mesmo seus escritos eram compreensíveis. Símbolos de aves, olhos, os tais hieróglifos que Thanatos leu durante o seu trabalho para os carrascos. Uma criança tropeçou em seu pé apenas para desviar sua atenção daquele momento enquanto outra foi pega por Adrior, que olhou feio para ela. Gatunos roubando em duplas, algo comum em qualquer império grandioso. A criança tremia enquanto o gigante a encarava com raiva até que Thanatos fez um sinal para baixar. - Acho que eles já aprenderam a lição. Deixe-os ir. - Tudo bem, mas só se eles prometerem nunca mais fazerem isso. - E eles vão entender o que você irá dizer, Adrior? As crianças começaram a chorar e a população em volta parou para olhar. Que covardia! Intimidando pobres criancinhas! Esses estrangeiros não devem prestar. O desprezo começou a tomar conta dos olhares. Soltaram as crianças, com o rosto avermelhando de vergonha. Thanatos puxou o colega pelo manto até saírem daquela situação constrangedora e deslocaram-se até onde parecia haver alguém que vendia água. Foi uma negociação silenciosa e com sucesso. Gesticularam um para o outro e, depois de uns maus entendidos e uma espada no balcão, conseguiram encher seus cantis. Continuaram sua caminhada quando viram um trio se aproximando deles: Um rapaz, uma jovem e algo que parecia homem, porém totalmente diferente do que estavam acostumados a ver. Muito baixo, barrigudo, pele quase negra de tão marrom, com uma estranha máscara de “focinho” grande e um cajado em mãos. O rapaz era o mais alto, portando em suas costas uma grande lança simples, sem adornos, e vestia a uma malha marrom e um escapulário bege com o brasão de Rune Midgard. A jovem vestia-se de maneira mais simples: uma roupa negra, justa, envolvida por algumas faixas soltas e, em sua cintura, duas armas estranhas. Como se fossem lâminas para serem presas pelo punho. - Ora, finalmente alguém tão branco quanto eu! – Começou o lanceiro. - E que fala nosso idioma! – Sorriu Adrior ante a simpatia do rapaz. - Eu sou Dereck Deimos, lanceiro da armada de Rune Midgard. E vocês são? - Adrior Misos e esse aqui é o Than... Ai! Thanatos pisou no pé de Adrior, impedindo que o destrambelhado amigo bradasse seu nome ao ar. - Thanat, ao seu dispor. Thanatos estendeu a mão a Dereck e o cumprimentou com vigor. Era bom ter mais gente como ele por perto. O lanceiro olhou para os amigos e saiu da frente deles, deixando que Adrior e Thanatos vissem-nos. - Estes são Mylenna Cacantropos e Sartini Algia - Obrigada, Dereck, mas eu também sei falar – ironizou Mylenna. - Bom – continuou o lanceiro um pouco sem graça – vocês dois parecem que chegaram agora, não é? A estalagem onde estamos ainda deve ter quartos vagos. Querem ir dar uma olhada? Ao longe, na sacada de seu palácio, um homem alto e magro de longos cabelos negros e lisos, pele morena pelo Sol inclemente do deserto, usando um chapéu dourado que se moldava à cabeça com uma pequena serpente brotando da fronte, saiote branco adornado com jóias observava seu império. O império dourado que seus ancestrais começaram há mais de 300 anos e, hoje, era tido como o mais belo de todos. Seus olhos paternais observavam as ruas, as casas, tudo o que sua vista alcançasse. - Divindade... Interrompeu seu devaneio vigilante e virou-se. Era um de seus grandes sacerdotes, os Marduk. Usavam uma indumentária essencialmente marrom e dourada. Um manto que lhes cobria os pés coberto por um enfeite dourado circular e uma imensa máscara que lhes cobria o rosto e tinha dois detalhes como cabelos presos em duas grandes mechas. - Pode remover a máscara, meu Marduk. - Faraó, filho de Amon Rá – disse enquanto removia a grande máscara –, eu peço humildemente uma audiência convosco. Meneou a cabeça positivamente. Eram diferentes dos outros impérios. Acreditavam em outros deuses, divindades antropozoomórficas com cabeças variadas, de chacal a águia, e que seu faraó era herdeiro do próprio Sol, um deus em terra. Ajoelhou-se e ergueu a cabeça. Era permitido aos Marduks mostrarem seu rosto apenas à sua divindade, pois somente ele tinha a verdadeira pureza necessária para ver os servos do Sol. - Diga, o que o fez me procurar? - Meu amado senhor, é fato que sua pureza e poder trazem inveja aos olhares de outros reinos. Entretanto, receio que eles estejam tramando contra o senhor. - Marduk – começou a se irritar –, você tem me dito isso nos últimos meses, mas não nos apresentou nem ao menos um suspeito. Não me faça perder meu tempo se não tem nada de novo a acrescentar! - Dessa vez eu tenho alguns suspeitos. A noite estava festiva na estalagem onde os cinco amigos estavam. Dança, música, pratos típicos. Adrior se refestelava por finalmente poder aplacar sua sede por álcool. Thanatos permanecia envergonhado, bem como Mylenna, ao ver toda aquela balbúrdia. Dereck foi chamado para dançar e mais parecia um manequim do que um dançarino e Sartini ficava quietinho em seu canto lendo alguma coisa. Thanatos olhava Mylenna de uma maneira diferente. Nunca havia visto uma mulher daquele jeito. Sempre esteve cercado por homens e poucas mulheres tinham aquelas feições delicadas e selvagens ao mesmo tempo. Aproximou-se, o rosto corado e o coração batendo como se fosse arrebentar a armadura e sair. Nunca se sentira assim em toda sua vida. Algo diferente, que o fazia aproximar-se mais e mais. - Erm... Seu rosto... É diferente – falou hesitante. - Ah é? O seu também não é comum – respondeu em tom de sarcasmo. Thanatos sentiu seu rosto suar um pouco. Nunca teve tanto receio de fazer qualquer coisa. Que diabo seria aquela sensação tão boa e, ao mesmo tempo, tão ruim? Não sabia nem direito se aproximar dela, até que uma fagulha acendeu-se em sua mente. - Por que o Algia tem a pele tão escura? - Por que quer saber? – olhou-o com certa desconfiança. - Nada em especial. E-eu, erm, queria conhecer melhor com quem vou andar. A jovem respirou pesadamente, observando-o um pouco e notando o nervosismo do jovem. - Ele é de uma terra distante e não fala nossa língua então nem adianta perguntar a ele. Thanatos sentiu suas pernas começarem a tremer até que alguns homens com a pele morena do lugar entraram aos montes. Usavam um longo pano branco apoiado em uma máscara amarronzada com detalhes dourados e rosto zangado, argolas douradas pelos braços, um saiote branco como a cobertura de suas cabeças com algumas jóias douradas, tal como o torso, e portando cimitarras, falavam algo como se estivessem procurando alguém. Avançaram contra Dereck logo assim que o viram. - Hei hei hei! Eu não fiz nada! Me soltem! - Eles não vão te entender, Dereck! – Falou Mylenna enquanto puxava suas armas e corria em direção ao amigo. Thanatos puxou Byeldorg e correu atrás também. Adrior, mesmo bêbado, trançou suas pernas em uma corrida tortuosa na direção dos guardas enquanto o pequeno Sartini permaneceu um pouco mais afastado, puxando seu cajado. Os guerreiros tentavam puxar Dereck que se debatia enquanto repetia sua inocência várias vezes até levar um soco no meio do rosto. A mão do agressor atingiu o chão enquanto o coto restante tingia o chão de carmim. As armas de Mylenna formaram como uma tesoura enquanto ela pousava seus pés no rosto de outros dois guardas. Antes de ela ser agredida, a espada de Thanatos atravessou o peito do inimigo e o punho de Adrior atingiu pesadamente o rosto de outro, arremessando-o contra os outros e formando um caminho. - Vamoz bor agui, cambada! Todos correram por aquele corredor tendo Adrior e Thanatos na frente para abrir caminho na multidão que estava se formando. Mais e mais guerreiros de cimitarra se aproximavam deles, até que se viram cercados. - E aí, Adrior, algum plano? – Começou Thanatos. - Brigar até cair! - Esse maluco está se divertindo? – Disse Dereck assustado. - Não interessa, temos que achar uma rota! – Mylenna irritava-se com o cerco. Sartini olhou para Thanatos e agitou seu cajado freneticamente enquanto pulava de um lado para o outro. De repente, os músculos dele começaram a inchar e uma aura luminescente branca formou-se em torno do ex-carrasco, que sentia cada aumento de suas capacidades. Sorriu ferozmente e apontou a palma da mão aberta na direção dos que impediam a sua fuga. - Thor, deus do trovão, despeja teus raios forjados com teu martelo, o invencível Mjolnir. Faça com que meus inimigos sintam na pele a tua força. Tempestade de Raios!! Todos olharam assustados para o jovem. Um guerreiro que sabia magia? Uma peça realmente rara no mundo. Antes do primeiro guarda dar um passo, diversos raios rasgaram o céu, fulminando um segmento daquele círculo de espadas que se formara. Dereck sorriu e correu na direção dos raios, sua lança em punho. Saltou e rodopiou no ar com velocidade. - Brandir Lança!! Ao retornar ao chão, sua lança traçou um arco, arremessando os que ainda estavam de pé para trás com força suficiente para terminar de abrir o círculo. Mylenna, aproveitando a confusão, desapareceu no ar, somente reaparecendo do lado de fora da muralha de armas e fazendo sinal para que a seguissem. Thanatos foi o primeiro a correr e confrontar o cerco se regenerando. Recuou Byeldorg para trás de si e a fez rasgar o ar com toda a força de seu braço direito. - Impacto de Tyr!! Adrior usou o ombro do amigo para saltar por cima do cerco enquanto Sartini agarrou-se às costas de Dereck e novamente começaram a fugir, até serem novamente barrados, desta vez por guerreiros e homens com vestes de Marduk. Thanatos não parou, agitando sua espada com precisão, atingindo pontos fracos como joelho, ventre e outros. Abria o caminho na frente de todos numa ferocidade que impressionava cada um, em especial aquela que o seguia logo atrás. - É eli gue esdá zi divertinu, viro? – Adrior ainda estava trançando suas pernas. Não tardou para que Thanatos reduzisse o ritmo com vários cortes em seu corpo, sangrando por diversos lugares. Todos formaram um cerco para protegê-lo e Mylenna começou a lutar também. Assim que um dos perseguidores saltou, as lâminas dela soltaram um estrondo e atingiram inúmeras vezes o oponente. - Lâminas Destruidoras !! Dereck, fala pro Sartini curar o Thanat que ele tá precisando! Dereck gesticulou rapidamente para o colega que ergueu o cajado e uma luz verde tomou a forma do corpo do ferido, fechando suas feridas a cada brilho. A terra tremeu. Adrior socou o chão, erguendo uma verdadeira coluna sob os inimigos e os arremessando para o alto. - Coluna de Pedra !! Vamuz! Abri gaminho agui! - Como esse bêbado consegue lutar assim? – Dereck surpreendeu-se. - Ele sempre lutou bêbado. – Levantava-se Thanatos e tomava novamente a dianteira. Uma chuva de fogo começou a descer do céu. Lanças e mais lanças da mais pura chama iluminaram o local como se fosse dia e atingiram uma grande laje de gelo que formou-se acima da cabeça de todos. Sartini pulava de um lado pro outro entoando palavras que ninguém entendia, mas que eram suficientes para mostrar que aquela barreira de gelo era coisa dele. Thanatos olhou em volta e notou quem causava aquela tempestade. Aproveitou os inimigos que saltavam por ele e repetiu seu Impacto de Tyr, arremessando um deles contra o ponto onde havia mais Marduks. Abriu um verdadeiro rombo no cerco enquanto Mylenna lutava um pouco à frente dele. Os movimentos dela atraíam a atenção dele novamente. Por algum motivo, eram sensuais para a mente guerreira dele. - Vamos! Só mais um pouco e conseguiremos sair daqui! Correram como nunca em suas vidas. Sartini equilibrou-se nos ombros imensos de Adrior e lançou novamente sua barreira de gelo, bloqueando mais e mais os caminhos de seus perseguidores. Passaram pelas casas, pelas vendas vazias e, enfim, pelas muralhas. Correram mais algum tempo sem parar até que o cansaço venceu as pernas de todos, que se jogaram nas gélidas areias do deserto à noite. Thanatos e Mylenna foram os que mais agüentaram a corrida, caindo um pouco mais afastados. - Arf, arf. Como você, puf, aprendeu magia, garoto? - Meu mestre – respirou profundamente – me ensinou. E como você aprendeu, puf, a lutar daquele jeito? - Aprendi com os mercenários. Eu sou uma deles. - He he he, decidiu confiar em mim agora? - Não, apenas to tagarelando feito uma idiota pra você me matar depois. Sentaram-se e riram um pouco. Por algum motivo, os olhares estavam diferentes. Não havia mais a desconfiança ou a insegurança. Apenas satisfação por estarem vivos e agradecimento um ao outro. Thanatos continuou ruborizado enquanto Mylenna o olhava bem fundo nos olhos. Nunca tinha visto alguém daquele jeito. Thanatos olhou-a demoradamente, enquanto se aproximou um pouco. - Nunca vi alguém ágil como você. - E nem eu vi alguém que soubesse usar magia e espada ao mesmo tempo daquele jeito. Ah sim, não precisa mais esconder, eu sei que você é o tal do Thanatos, o Carrasco-Andarilho. - Como soube? - Thanat não é uma boa forma de esconder seu nome. - E o que vai fazer quanto a isso? – Thanatos engoliu seco. - Nada. - Por quê? - Porque não preciso. - Como assim? - Deixa pra lá, você não vai entender. É complexo demais. Thanatos inclinou-se em direção a Mylenna para tentar pedir uma explicação, porém sua mão escorregou na areia e caiu sobre ela, ficando muito próximo do rosto dela. Ambos ruborizaram-se. - Ah, lá estão os pombinhos! Venham! Era a voz de Dereck. Levantaram-se rapidamente, encabulados com a brincadeira dele. Estava sobre outra duna enquanto os outros apareciam de trás dela. Foram cambaleando de cansaço até os outros dois. Adrior rolou duna abaixo e ficou dormindo lá mesmo. Sartini parecia estar dormindo, pois nem se movia. - Bom, tem alguma coisa errada nisso – começou o cavaleiro – nós três não fizemos nada. E vocês dois? - O mesmo que vocês. Chegamos hoje a Epitus e nunca estivemos aqui antes. O cavaleiro deitou o amigo lentamente na areia e deitou-se um pouco afastado. - Mylenna, você precisa parar com essa maldita mania de deixar a gente pra trás. Thanatos riu um pouco, deitando-se de barriga para cima enquanto Mylenna apenas olhou gelidamente enquanto também se deitava. Dereck também se deitou, olhando as estrelas enquanto sua mente funcionava a todo vapor. Thanatos estava quase adormecendo quando o amigo deu um salto, como se sua mente tivesse achado a resposta. Todos levantaram-se quando ouviram o grito do cavaleiro, inclusive Adrior em seu sono alcoolizado. - Já sei! Que tal se a gente interrogar uns guardas para saber qual a acusação contra nós? - E você fala o idioma deles? – Comentou Thanatos enquanto coçava os olhos. - Não, esse é o problema... - Mas pode falar – continuou Mylenna –. Eu ouvi dizer de um artefato da famosa biblioteca de Epitus que permite que você entenda qualquer idioma. - Como soube? – Thanatos coçava a cabeça. - Depois eu digo. Sartini continuava olhando sem entender muito. Olhou para Dereck que gesticulou, fazendo-o entender. Thanatos olhava aquilo curioso até Adrior desabar logo ao lado dele, tomado pelo sono novamente. A jovem olhava aquela cena com reprovação. Apesar de lutar melhor bêbado, fora de combate continuava a dar desgosto ver um guerreiro daquele porte naquele estado. - Erm, Dereck, gomo votziê... - Faço ele entender? Ah, eu aprendi um pouco de sinais na vida com meu pai surdo, então eu uso com ele já que ele, apesar de não falar nosso idioma, entende bem os sinais. - Bom, apresentações à parte, como vamos conseguir esse artefato? – Interrompeu Mylenna. Sartini começou a gesticular numa velocidade furiosa enquanto Dereck olhava atentamente. Os outros dois entreolharam-se sem entender um movimento de dedo que fosse por parte dos dois, até que Dereck sorriu e levantou-se vivaz. - Ele disse que a Mylenna poderia invadir o lugar e roubar o artefato e, só então, a gente invadiria o palácio! - Mas e se for grande? - Só saberemos vendo – Mylenna sorriu e estalou os punhos. - Bom, amanhã de manhã a gente planeja, já que o Adrior mal se agüenta depois daquelas canecas de vinho. Quantas foram Thanat? - Quinze. Depois de umas boas risadas, todos começaram a aninhar-se para fugir do frio rigoroso do deserto. Sob protestos, usaram a capa de Dereck para começar a fogueira e, logo em seguida, as tochas que usavam para explorar locais subterrâneos, e assim aquecer mais o grupo. A noite foi terrivelmente fria, embora não nevasse nem formasse gelo no ar extremamente seco que partiu os lábios de alguns integrantes do grupo. Despertaram com o Sol levantando-se. A luz quente e calma da manhã esquentava carinhosamente os corpos deles, apenas poupando-os da fúria que estava por vir. Mylenna foi a primeira a despertar, seguida por Thanatos, Sartini, Dereck e, por fim, Adrior, desperto com uma terrível dor de cabeça. Deslocaram-se ao Sul, tentando afastar-se ao máximo das tropas de Epitus. - E então, como vamos descobrir a localização da biblioteca? Ai, minha cabeça... - Você lembra-se disso? – Surpreendeu-se Dereck. - Sim. Eu fico a maior parte do tempo bêbado, então acho que acabei aprendendo a lembrar. Só odeio essa ressaca. O menor apontou Mylenna e começou a gesticular para Dereck. - O Sartini tá dizendo que ela, já que é a mais furtiva, pode encontrar a Biblioteca em algumas horas e que podemos invadi-la ainda esta noite. Mylenna levantou-se silenciosa e verificou suas lâminas amarradas em suas coxas. Thanatos olhava aquilo curioso. Armas tão exóticas que nunca viu em sua vida de carrasco, mesmo tendo enfrentado algumas dezenas de batalhas sob ordens de Glast Heim. Levantou e se espreguiçou demoradamente, olhando para a jovem. - Mylenna, que armas são essas? Nunca vi. - Katares. As que eu uso são chamadas de Jhur. E a sua espada? De que tipo é? - É uma espada de duas mãos que eu chamo de Byeldorg. - Que nome estranho. Nunca ouvi falar desse tipo de espada. - Hei! Eu que forjei quando era aprendiz de ferreiro. Criação minha! Riram um pouco. De fato, aquela era uma espada que não impressionava muito, mas nas mãos de Thanatos parecia ser afiada como uma navalha. Sartini aproximou-se de Mylenna e fez sinal para ela se abaixar. Quando ela ficou na mesma altura, ele colocou a mão na cabeça dela, balbuciou algo por trás da máscara e Mylenna sentiu sua mente sendo afiada, seu pensamento mais rápido. Desapareceu em seguida e apenas um curto rastro de areia foi deixado para trás. - Relaxa Thanatos – começou Dereck – sua namorada volta sã e salva. Essa garota é incrível quando o assunto é conseguir informação. E tomara que essa biblioteca esteja num lugar fácil. Quero poder voltar a ver aquelas dançarinas... - E você me chamava de tarado, Thanatos. – Riu Adrior. O mercado fervilhava como um formigueiro. Pessoas se amontoando sobre pessoas em busca de pão, frutas e algumas especiarias de reinos vizinhos. Em meio a toda essa loucura Mylenna passava despercebida usando apenas seu cachecol um pouco mais alto e o cabelo preso em uma longa trança. Olhava barracas que vendiam de tudo um pouco: armas, armaduras, enfeites, comida, poções e uma chamou a atenção dela. Livros empilhados aos montes e o vendedor falando cada vez em um idioma diferente. - Livros dos mais variados pontos de Midgard! Surpreendeu-se um instante. Uma pessoa claramente nativa de Epitus falando seu idioma não era comum, mas sabia da existência deles. Era lógico um vendedor de livros estrangeiros saber outros idiomas, ainda mais quando mercadores de outras partes do mundo vêm com tanta frequência para lá. Caminhou até o homem tranqüilamente e pegou um livro para olhar. - Senhor, quanto custa um desses? - Ah, uma jovem de Rune Midgard, eu presumo. Esse custa apenas vinte mil Zenys. - Zenys? - Sim. Não acho que você deva ter nosso dinheiro, então faço por Zenys mesmo. - Ah sim, – disse sacando uma sacolinha com dinheiro – muito sábio de sua parte. - Obrigado – disse o homem envaidecido – vai querer mais alguma coisa? - Bom, como o senhor é bem inteligente, deve saber me informar onde fica a biblioteca. - Saber onde ela fica eu não sei, mas tenho um cliente que trabalha lá. Só que a minha memória está um pouco fraca e talvez eu precise refrescá-la – disse enquanto estendia a mão. Mylenna olhou pra cima em desaprovação, mas ainda assim deixou alguns Zenys a mais nas mãos dele. Após olhar a quantia, seus olhos brilharam. Era mais que conseguia em um dia inteiro. Verificou a autenticidade e a olhou eufórico. - Ele mora cinco ruas ao norte, na esquina à direita. É um estudioso de Midgard que veio sob concessão do Faraó estudar as grandes histórias de lá. Seu nome é Marcelo Almodovar. Eu não sei em que andar da hospedaria ele fica, mas deve ser fácil de encontrá-lo. - E quando a guarda fica mais fraca? - Ao por do Sol, quando eles trocam a outra metade da guarda da cidade. E é nessa metade que está onde o Marcelo está. - Obrigado. - Eu que agradeço! Voltou a caminhar com o livro em mãos. Era um livro de histórias infantis que achou interessante. Nunca tinha lido histórias tão graciosas quanto aquelas. Na verdade, as únicas frases que ouvia de seu pai eram sobre seu dever como mercenária, sobre por que não interferir na neutralidade nem nos governos e ordens durante seu treino. Nunca lhe foi permitido sequer ter um amor, só que agora o jeito criança e selvagem de Thanatos mexia com ela. Atiçava sua curiosidade. Posicionou-se onde ninguém a veria e permaneceu lendo seu livro até o Sol começar a se pôr. Ouviu os sons dos guardas chegando para a troca. Olhou calmamente de seu esconderijo e desapareceu no ar. Furtividade, uma habilidade muito prezada por aqueles que a treinaram durante anos naquele templo do deserto. Usara isso na fuga e usaria agora para conseguir passar por eles. Caminhou lentamente enquanto permanecia quase que totalmente mesclada ao ambiente. Adentrou o ambiente com facilidade e locomoveu-se pelos corredores do local, vendo mais guardas na frente da porta dele. Olhou um quarto aberto e esgueirou-se para dentro, saindo pela janela e contando quantas até o quarto do estudioso. Saltou com graça felina e atingiu o para-peito rapidamente, batendo na janela para chamar a atenção. - Ora essa, mas quem será que está me chamando a essa hora? – Disse Marcelo enquanto fechava o livro. Abriu a janela e logo foi derrubado por um nada que tomou a forma de uma mulher que lhe cobria a boca com uma das mãos. As vestes dela assustaram-no. Uma Mercenária! Aqueles que vivem nas sombras, agindo em prol de um equilíbrio que apenas eles entendiam. Tantos estudos lhe renderam amizades com membros dessa guilda. Seus olhos se arregalaram. - Shh. Eu não irei fazer-lhe mal algum se colaborar comigo, ok? – Falou Mylenna em tom de sussurro. Agitou a cabeça positivamente e teve sua boca liberta. - O que quer de mim, mercenária? - Informação. Onde fica a biblioteca de Epitus? - Para que você quer ir lá? - Você não me respondeu. - E o que eu ganho respondendo? - Que tal a liberdade de ir e vir onde e quando quiser sem ter que ter esses guardas na sua cola? - Como sabe disso? - Não vem ao caso. Onde está a biblioteca? – Aproximou o rosto demonstrando alguma irritação. O rosto do rapaz começou a suar e empalidecer. Tremia intensamente, como medo dela e do que ela poderia fazer. Desviou o olhar por um instante, pensando em tudo que lhe era importante, como o filho que deixara em Rune Midgard, em sua carreira até que tudo pareceu ser mais importante para ele, inclusive respirar. Continuava trêmulo, mas olhou com mais confiança. - Fica a Sudoeste do Palácio, mais ou menos uns 2 quilômetros. - E o palácio? - A Oeste daqui, uns 3 quilômetros. - E sabe qual a rota menos vigiada? - Seguindo rente à parede Sul. Eles não acham que o mar seja uma ameaça. Principalmente durante o dia. - Bom, você conhece os mercenários e sabe o que acontece com quem mente para nós, não é? - Sim, eu sei claramente. E, como você disse, não quero mais andar com escolta só porque alguns pretensos membros de meu reino estejam aprontando por aí. Antes de partir eu gostaria de pedir-lhe algo. - E o que é? - Seja breve. É horrível andar com escolta armada. Desapareceu novamente em pleno ar. Iria comunicar aos outros a descoberta. Aproveitou a janela aberta para saltar e cair com graça felina sobre uns caixotes que lá estavam. Moveu-se invisível rente às paredes para poder ir o mais rápido que podia. Saiu rapidamente da cidade e correu pela areia do deserto, deixando apenas um fino rastro de areia levantada. A Lua já agraciava as areias do deserto quando Mylenna chegou perto do resto do grupo. - Eu não disse, Thanatos? – Riu Dereck – Sua namorada ia voltar logo. E aí, o que conseguiu Mylenna? - Além de ficar irritada com você, Dereck, eu descobri o local do artefato. E só não trouxe porque ia deixá-los alarmados e a rota que consegui ia ficar inutilizada. - Então a gente vai ter de se infiltrar? – Perguntou Adrior. - Isso mesmo. Thanatos levantou-se ajeitando Byeldorg em suas costas. - Deixa eu entender: Você invadirá a biblioteca, vai roubar o artefato e, o mais rápido que der, virá com a gente, para quê? - Invadir o palácio e falar diretamente com o Faraó... - O quê?! – Bradaram os três em coro. - Isso mesmo. Será o ideal a gente falar diretamente com o líder para entender. Afinal, ele que comanda essa nação e os generais dele podem tentar nos atrapalhar. Nós vamos invadir o palácio direto. Entreolharam-se rapidamente e voltaram o olhar à Mylenna. Era muito arriscado um grupo tão grande tentar invadir um local tão protegido. A menos que ela estivesse pensando em coordenar a infiltração ou outras coisas. Thanatos levantou a voz e disse: - Gente, ela é mestra em infiltração. Acho que não devemos duvidar dela quando ela diz que nós todos conseguiremos invadir. Acho que o ideal seria ela liderar. - Obrigada Thanatos, pelo menos alguém entendeu alguma coisa aqui... Dereck começou a rir. Para ele era claro como cristal que estavam apaixonados, por mais que os dois fizessem pose. Adrior riu um pouco, pois notou o mesmo. Enquanto isso, Sartini virava a máscara de um lado ao outro sem entender absolutamente nada. Dereck tentou gesticular, mas ria tanto que mal conseguia passar qualquer informação ao amigo. Ao término das risadas, Thanatos e Mylenna estavam corados olhando um pro outro sem entender. Apesar de tudo, estava decidido. Na noite seguinte iriam invadir e falar com o tal Faraó. Mais um pôr-do-sol se fez. Apesar do conselho de seguirem de dia, Mylenna preferiu a noite pela baixa visibilidade e facilidade graças às roupas escuras de todos, exceto por Sartini, cuja pele já era escura o suficiente. Moveram-se bem lentamente até a entrada Sul, observando a patrulha dormindo. O Marcelo estava certo e Mylenna sorriu. - Eu vou lá colocar um sonífero neles e já volto. Mylenna era a mais silenciosa. As passadas de Dereck e Thanatos, mesmo as mais leves, faziam um leve ruído de placas metálicas batendo. Desapareceu em pleno ar como era de costume de sua habilidade e moveu-se deixando apenas leves pegadas para trás. Enquanto ia, molhava um lenço em algum líquido estranho com um odor adocicado. Quando se aproximou, cobriu o nariz de um deles com o lenço, fazendo-o inalar aquilo até que desmaiasse. Repetiu o mesmo com o outro guarda e só então reapareceu, fazendo sinal para os outros virem. Andaram lentamente pelo caminho indicado por Mylenna, tendo a líder como batedora também. Ia à frente, analisava o caminho e depois voltava para guiá-los. Caminharam assim até um local onde Sartini estranhou tudo. Passou a entender tudo que os outros falavam claramente, como se fosse fluente no idioma. Puxou a capa de Dereck com força e falou. - Eu to entendendo vocês. Vocês me entendem? Todos pararam um instante e olharam Sartini. Finalmente entendiam alguma coisa que ele dizia, da mesma forma. Mylenna olhou em volta e disse para todos se esconderem. Rapidamente subiu em uma das casas e começou a olhar em volta, buscando a fonte daquela magia que fazia com que eles se entendessem. Perto dali viu duas magníficas construções: uma parecia ter capacidade de abrigar pessoas dentro de sua estrutura com janelas, sacadas e jardins enquanto a outra parecia um grande claustro com formas um pouco sinuosas. Viu letras estranhas e perfeitamente compreensíveis que diziam biblioteca. Saltou e caiu com pouco ruído. - Achei. Está naquela direção – disse enquanto apontava. - Como sabe que é ela? – Perguntou Adrior. - Eu li. Não me pergunte como, mas eu consegui ler. Além disso, estamos entendendo o Sartini. Chegando no local, viram dois guardas no local com suas espadas em punho. Estavam completamente imóveis. O grupo olhou para Thanatos e Sartini rapidamente e Mylenna puxou ambos pelo ombro, trazendo-os para perto. Falava o mais baixo possível, mal dando para escutar as instruções dela. Adrior e Dereck ficaram vigiando para ninguém aparecer. Só quando a conferência dos três terminou que os dois correram e começaram a murmurar algo. - Wootan, melhore as capacidades de meu amigo. Benção!! - Que as chamas de Muspelheim se acumulem em minhas mãos e destruam meus inimigos. Bola de Fogo!! Uma explosão e um grande brilho chamaram a atenção dos guardas. Correram na direção e encontraram um monte de barris e caixas em chamas enquanto um mercador praguejava e implorava por ajuda. A uma rua dali, Mylenna correu o mais rápido que podia para dentro da Biblioteca, arremessando uma adaga no pescoço do bibliotecário como reação à simples presença dele. Sem ruídos, continuou movendo-se pelo local. Estantes maiores que cinco pessoas, intermináveis tomos forrando estantes que pareciam não ter fim. Todo o conhecimento do mundo parecia estar armazenado naquele lugar fantástico. Um globo reluzia ao final daquele corredor e de sua posição saiam todos os corredores, formando um Sol. Dizia em seu suporte o nome dele: Orbe das Línguas. Era assim que Epitus tinha prosperado. Aproveitou os conhecimentos de todos para escolher o que era melhor para si. Mylenna sorriu satisfeita e tornou-se novamente invisível, correndo e tomando a orbe para si. Voltou correndo e encontrou seus amigos sentados sobre ambos os guardas e estes sobre uma poça rubra. - Você estava demorando então a gente quis se divertir com esses três... - Três? Cadê o terceiro? - Ali... Dereck apontou outro guarda fincado na parede ao lado da porta por onde a jovem mercenária tinha vindo. Sua lança passava pelo meio do peito, atravessando precisamente o coração e saindo pelo meio das costas. As pernas ainda descongelavam e pouco sangue escorria. Mylenna olhou-os com reprovação e fez sinal para que todos ali a seguissem. - Vocês chamam atenção demais. Vamos logo antes que a guarda apareça em peso. Levantaram-se e começaram a correr pela rota que Mylenna julgou segura. Apesar do barulho das armaduras, a balbúrdia pelo incêndio era tanta que ninguém sequer conseguia ouvir o metal batendo. Encontraram uma pequena patrulha, mas a magia de Thanatos e de Sartini foi o suficiente para neutralizá-los rapidamente. Mais nenhuma patrulha foi encontrada no caminho até a faraônica construção que era o palácio. Muros muito altos até onde a vista alcançava. Subindo nos ombros de Thanatos, Dereck viu um jardim digno dos deuses: oásis intermináveis naquele solo arenoso, palmeiras maiores que torres de vigília e, ao longe, um castelo que, daquela distância, anunciava seu imenso tamanho. Afastaram-se o máximo que podiam sem perder a visibilidade das muralhas. Mylenna, acostumada à noite, era quem enxergava melhor e servia de guia para todos. As patrulhas nada viam nem ouviam devido à distância. Quando chegaram onde estava o palácio, deram a volta, observando a retaguarda. Vazia. Estranhamente vazia. Saltaram o muro com a ajuda da magia de Sartini que os deixava fortes e rápidos. Mylenna correu pelo muro na vertical. Adrior saltou por cima enquanto Dereck, Thanatos e o pequenino subiram por cordas que os dois que passaram os muros seguravam. O local estava completamente vazio e apenas um cântico começou a preencher o local. Parecia algum ritual vindo de uma das portas monumentais do local, entreaberta. Moveram-se lentamente e apenas observaram pela fresta da porta. - Crianças puras de alma e puras de coração, penduradas sobre o caldeirão. Serão a oferenda perfeita ao meu mestre, o favorito de Ymir. Morroc. Crianças pura de alma e puras de... - Morroc? Quem diabos é esse cara? – Olhou Adrior para os outros. Os olhos de Sartini estavam arregalados. Morroc, o gigante que há séculos foi preso por Odin em Muspelheim, tinha servos que faziam sacrifícios a ele. A lenda dele havia sido esquecida pela maioria da população, mas não pelo seu povo. Puxou Adrior, o maior, e todos se afastaram da porta. Olhava-os com certo temor, visivelmente agitado. Ao lembrar que os outros entenderiam seu idioma, começou a falar baixo, mas rápido. - Esse Marduk é louco. O Morroc é um dos filhos de Ymir que sobreviveu ao dilúvio que Odin, Vili e Vé provocaram. Ele foi preso nas brumas de Muspelheim. - Como sabe disso Sartini? – interrogou Dereck. - A tribo Wootan não deixa de ensinar essas lendas para seus filhos. - Tribo Wootan? Onde que fi... - Deixem o papo pra depois. Deve ter sido ele que está nos acusando – Mylenna havia retornado para olhar – Ainda por cima está assassinando crianças e deve estar colocando a culpa em nós. - Não devíamos interrompê-lo? – Adrior estalava o pescoço, ansioso por uma luta. - Acho que seria melhor fazer o tal faraó pegá-lo no flagra, – falou Thanatos – afinal deve ser ele que está nos acusando e tentando desviar a atenção das suas oferendas. Olharam Thanatos. Ele estava quieto a maior parte do tempo e só agora se manifestou, e ainda falou uma estratégia que, para todos, foi considerada sábia. Mas havia um problema que começou a permear a mente de todos: como fazer o faraó vir até ali e ver o que estava acontecendo? Eles eram procurados pela guarda e se algum deles os percebesse talvez tudo viesse a perder. Olhando em volta, Mylenna notou uma fresta estranha na parede, algo que não devia estar ali. Manuseou um pouco e notou que era uma parede falsa, uma saída secreta para casos de emergência. - Eu encontrei alguma coisa aqui... Puxou lentamente a porta, revelando seu interior completamente escuro. Sartini começou a agitar seu cajado enquanto chamava pela Chama Reveladora, uma pequena pira que os rodeava, iluminando o local até alguns metros à frente, mostrando tochas apagadas e teias de aranha por boa parte do percurso. Nada se queimava com aquela pira, já que era apenas luz que a magia gerava. Ouviram vozes ao fundo, uma delas imponente. - Ah, meu pai que jaz na Esfinge, como eu queria que sua sombra sobre mim deixasse de existir. Tudo o que faço sempre é comparado com o que o senhor fez. - Querido, está tudo bem. Um dia seu povo verá o quão importante você está sendo. – Dizia uma voz feminina. Mylenna observou pelo fim do corredor, quando abriu um pouco a porta de correr. Era um homem em vestes imperiais, um grande chapéu que removia de sua cabeça e cajados que depositava em um móvel. Em outra parte, uma jovem em trajes transparentes, deitada em uma imensa e enfeitada cama com muitas almofadas brancas e douradas. Suas peles eram idênticas à do povo local, quase tão escura quanto à de Sartini. Fechou lentamente o pouco que abriu e virou-se para os outros. - Bom, pelo visto é alguém importante, talvez até o próprio faraó que procuramos. Acho melhor invadirmos com força total. – Começou Mylenna. - Bom, ele vai tentar chamar a guarda, mas creio que isso será inevitável – continuou Thanatos enquanto puxava Byeldorg – então creio que teremos de ser rápidos para conseguir forçá-lo a cooperar. Sartini começou a gesticular para Dereck, mas logo fez um sinal desgostoso. - Eu preciso me acostumar a falar com vocês. Que tal se a gente apenas conversasse com ele, colocando os fatos? - É uma idéia a se pensar – Thanatos e Mylenna foram simultâneos. - E depois que eu e o Adrior falamos que vocês tão apaixonados, vocês ficam fazendo corpo mole. –Riu Dereck. Após uma risada de Dereck, Adrior e Sartini e o rubor facial de Thanatos e Mylenna, todos puxaram suas armas, pois sabiam que ele devia ter guardas na soleira da porta de seu quarto, protegendo com seus corpos o seu faraó, sua divindade em Midgard. A porta veio abaixo. - O que é isso!? – Assustou-se o homem – Pasanas! Pasanas! A porta abriu de imediato, deixando entrar uma pequena patrulha no ambiente. Sartini correu em direção ao faraó enquanto Thanatos e os outros trataram de desarmar rapidamente os guardas que entraram. Tão logo terminaram, mantiveram suas armas apontadas para os guardas, que superavam eles em 2 para 1, e Sartini logo começou a falar. - Você deve ser o faraó, não? Viemos aqui falar com você - Por Osíris, como ousam invadir minha privacidade assim? Bem que meu Marduk estava certo. Estrangeiros vieram tomar-me a vida. Pois bem, algozes, eu não temo a morte. Mostrar-lhes-ei como que morre um verdadeiro Faraó. - Acalme-se, meu senhor. Não viemos fazer-lhe mal algum. Apenas viemos entender o que estava acontecendo que sua guarda nos caçava. Pelo visto, seu Marduk deve ter se enganado. Não faz nem mesmo uma semana que estamos na cidade. - Como assim? Ele nunca errou! Como ousa acusar meu braço direito de tal heresia!? - Se nós quiséssemos te matar, meu senhor, não acha que meus colegas já teriam conseguido? O senhor pode ser um arcano muito competente, porém estamos em um número maior e tínhamos o elemento surpresa. Seu Marduk errou quando disse que queríamos fazer algum mal ao senhor. Após engolir seco, olhou os outros. Pouparam a vida de seus Pasanas, sua tão amada guarda pessoal. Tinham-nos nas mãos e mesmo assim não faziam nada. Súbito, uma angustiante sensação de dúvida começou a correr-lhe o corpo. A mulher olhava paralisada a cena. Era algo impensável para ela que seu marido, filho do Sol, estava naquela situação. - E ainda por cima – continuou Sartini, falando de um jeito que impressionava a todos seus amigos – talvez fosse caso do senhor controlar mais seus Marduks. Há alguém lá embaixo que está orando a alguém que ninguém além dos Wootan se recorda, pelo que vejo. - O que quer dizer, estrangeiro? Seja objetivo! - Seu Marduk está nos usando de bode expiatório para distrair o senhor! Ele está fazendo oferendas a alguém que quer destruir esse mundo! Se duvidar, venha ver pessoalmente. Nós sabemos muito bem onde ele está. - Pois bem, senhores. Vamos ver o quão certos estão. – Disse contendo o nervosismo. Os outros baixaram as armas, olhando os Pasanas. Assim que o faraó fez um sinal, cada um pegou sua arma e caminhou lado a lado com os outros. Passaram em fila indiana pela saída secreta, apressados. As teias de aranha incomodavam o jovem governante, porém todos os outros passavam ignorando. Novamente as Chamas Reveladoras fizeram-se necessárias, guiando o grupo pelo local escuro. Caminharam até o local onde o Marduk continuava seu sacrifício. Quando os pasanas colocaram a porta abaixo sob seus pés, o sacerdote olhou assustado para todos. Seu desespero aumentou ante a figura de seu imperador ao lado daqueles que ele tentou incriminar. Subestimou os estrangeiros e certamente não teria uma segunda chance para repetir esse erro. A cena fez o jovem faraó vomitar. Crianças penduradas por correntes, com suas bocas tampadas por mordaças sobre um caldeirão cujo líquido rubro fedia a sangue. Borbulhava e uma criança caiu dentro, se debatendo como podia enquanto era escaldada até a morte naquela sopa nefasta. Ao ouvir o som da queda da criança, o sacerdote sorriu em êxtase, removendo sua máscara. - Que pena que perdi justo a oferenda mais bela ao meu senhor. – Começou o Marduk com a voz ensandecida. - Herege! – Bradou um pasana – Teu senhor está bem diante de ti! O filho de Amon Rá! - Cale-se, tolo! Meu senhor é e sempre foi Morroc, filho de Ymir. É a ele que sirvo, e é a ele que espero para que destrua essa porcaria de mundo que vivemos. - Seu miserável! – Recobrou-se o faraó – Eu confiei em você toda a minha vida e é assim que você me agradece? O corpo do jovem começou a brilhar enquanto ele entoava um cântico. - Por Osíris e por Ápis, olhe para mim. Eu, o filho do Sol, condeno-lhe à eternidade sem seu calor! Nevasca!! O ambiente assumiu uma coloração azulada e nuvens negras formaram-se no teto do aposento. Os olhos do jovem assumiram um brilho azul completo, indicando que era uma magia do elemento água. Todos olharam o poder do imperador, assombrados com o conhecimento daquela magia por parte dele. Aquela era uma magia impensável para aquela região, até analisar que o faraó era considerado o filho do Sol e tomar dos outros o calor deles seria algo previsível. Nada caiu das nuvens. - Minha jovem divindade, você por acaso achou que eu seria tolo o suficiente para não perceber a presença de vocês? Foi prevendo algo como isso que estudei uma magia do grimório de um arcano de Rune Midgard que morreu em Epitus. - Proteger Terreno. – Concluíram Thanatos e Sartini em uníssono. - Pelo visto eles conhecem a magia, meu jovem. Pena que não pensaram nisso. Agora devo agradecê-los por trazerem minha oferenda máxima a Morroc. Crianças, peguem-no! Olhos vermelhos começaram a surgir das sombras e sorrisos imensos com dentes de serra abriram-se. Rosnados tomaram conta do aposento e chacais extremamente magros, raivosos e com uma bocarra maior do que todos conseguiam conceber de um animal desse tipo saltaram em matilha e avançaram contra o grupo. As sombras não paravam de verter essas criaturas das trevas que logo se amontoavam sobre si mesmos numa parede de presas e bocas. - São Matyres! – Gritou o imperador – Eles são extremamente ferozes e não vão parar por nada! - Ótimo! Assim eu tenho algo pra socar até eu cansar! – Respondeu Adrior. O primeiro que saltou sobre o bêbado recebeu um soco que mais parecia um aríete, sendo arremessado contra a parede e desaparecendo na sombra. Outro que avançava foi transpassado por uma coluna de pedra que surgiu no instante que os punhos de martelo de Adrior atingiram o chão. Os pasanas brandiam suas espadas e se encarregavam de cuidar de alguns da matilha. Thanatos e Dereck bloquearam o caminho até Sartini, perfurando, cortando e arremessando esses animais uns contra os outros. Sartini pulava de um lado para o outro fora da sala, gritando encantamentos sem fim em todos os presentes até sentar-se cansado de tanto saltitar. Mylenna tentava aproximar-se do marduk, mas a cada passo que dava, dois chacais interrompiam seu caminho. - Que droga – disse calmamente o traidor – e pensar que levei meses até conseguir chegar nesse ponto. Que frustração. Bom, viver para lutar outro dia me parece uma bela estratégia. Até mais ver! Mostrou uma asa de borboleta. Em Midgard, esse era um item poderoso de teletransporte, capaz de remover a pessoa de praticamente qualquer lugar para algum outro que ela consiga memorizar. Ao esmagar a asa, desapareceu em pleno ar, deixando para trás uma gargalhada de satisfação. Ao sumir, todos os chacais desapareceram instantaneamente, deixando para trás um grupo cansado com marcas de mordida. - Maldito seja, Marduk desgraçado! Eu juro pelo meu pai, o maior faraó que já existiu, que um dia você irá pagar por isso! - Divindade – aproximou-se um Pasana – quer que tentemos caçá-lo? - Não, pasana, ele pode estar em qualquer lugar agora. Não saberíamos nem aonde procurar. Virou-se para os estrangeiros, afastando o cabelo que grudava no rosto suado. - Estrangeiros, eu não sei o que dizer sobre isso. Por minha confiança cega causei inúmeros problemas a vocês. O que posso fazer para compensá-los? - Da minha parte está tudo bem. Já me diverti muito! – Riu Adrior. - Eu quero poder ver aquelas dançarinas novamente. – Disse Dereck enquanto babava apenas lembrando. - Por mim já está acertado, Faraó, não quero nada. – Sorriu Thanatos. - Eu quero passar uns dias naquela biblioteca. – Falou Sartini enquanto agitava o cajado para lembrar sua localização. - O mesmo que o Thanat. – Murmurou Mylenna. - Pois bem! Levem o pequenino até a biblioteca e forneçam-lhe quantos livros ele quiser. Quanto ao jovem, tragam minhas melhores Odaliscas. E, como um presente a todos, deixarei que passem a noite no meu palácio. Todos sorriram enquanto trocavam olhares. Uma noite de reis seria algo muito bem desejado, relaxante. Uma noite digna de reis para os heróis e para as crianças que sobreviveram à loucura do Marduk. Em meio às festividades, num local onde ninguém via, uma torre ergueu-se num lugar ermo. Ninguém sentiu o terremoto, ninguém viu os animais entrarem em pânico. O causador disso esfregava suas mãos desproporcionais e sorria. - Em breve, Midgard. Muito em breve. – Disse com voz gutural. OFF
  10. Eu tou apenas vendo uns detalhes finais com o Rafa antes de começar a mexer com o material. Ruína, por ser o primeiro material na minha mão, vai ser o primeiro. Só tou esperando o Rafa mandar o resto do material e eu já posso começar a me mexer. Enquanto isso, a fic do Akahai tá sendo postada capítulo por capítulo aqui, porquê vocês não dão uma olhada? http://sites.levelupgames.com.br/forum/ragnarok/showthread.php?181418-LEGACY-Akahai-Shora-Thanatos-A-Origem&p=1804790&viewfull=1#post1804790
  11. Capítulo 2: Justiça Cega Duas gotas. Uma gota de orvalho correndo candidamente pelas folhas naquela nebulosa manhã de inverno e outra pingando sadicamente da espada ensangüentada de um homem. Corria sobre seu corcel negro, um dos animais inigualáveis de Glast Heim. Suas quatro patas lhe conferiam uma grande velocidade, fazendo com que alcançasse seu alvo com mais rapidez. E um novo corte formou-se nas costas do fugitivo. Só então parou e desceu de sua montaria. O outro sangrava pouco. Sua armadura o protegera de ferimentos mais profundos, permitindo à espada do jovem apenas riscar sua pele. Sacou de sua espada enquanto olhava com certo temor para o seu carrasco. Conforme foi se aproximando, a neblina permitia ver os traços mais obscuros de seu rosto. Os traços eram semelhantes aos do tal de Thanatos que todos falavam. E esse era...um moleque? - Quem é você!? - Thanatos, prazer em conhecê-lo. - Thanatos? Esse é um carrasco famoso, não tem como um moleque fedendo a leite como você ser ele. - Bom, se não acredita, acho que terei de lutar com você para que aceite a realidade. Avançou, sua espada baixa, indo de encontro ao carrasco num corte diagonal. Cortou a neblina antes de ser atingido pesadamente no rosto pela mão de martelo do rapaz. Recuou com sangue vertendo de seu nariz quebrado e tentou uma estocada, gritando em fúria. Quando sua espada parou, Byeldorg alimentou-se novamente do rapaz, dessa vez no braço. Mal teve tempo de tentar um terceiro golpe, bloqueando a arma que vinha em sua direção. Atravessou uma porta, caindo em uma choupana. Sua choupana. Levantou-se apressado, porém um frio absurdo tomou conta do aposento. - Que o beijo de Hel torne o meu inimigo tão frio quanto uma geleira. Rajada Congelante !! Um rasto de espinhos de gelo formou-se até o homem dentro da cabana. Apenas quando suas pernas estavam completamente congeladas conseguiu esboçar alguma reação. Logo, seus braços também ficaram duros e não respondiam mais, ficando presos dentro de um bloco glacial. Só então percebeu o erro que cometera, tarde demais para qualquer arrependimento. Thanatos embainhou Byeldorg em suas costas, entrando lentamente no aposento, olhando o homem com a expressão típica de um predador que encurralou sua presa. Logo, puxou uma espada cuja ponta não era afiada. A lâmina negra era perfeitamente retangular, com uma espora no lado do corte, no extremo oposto ao cabo. Olhou bem a sua vítima e começou a proferir a sentença. - Você foi acusado de ter cometido assassinatos recorrentes e sistemáticos dentro dos limites da capital de Rune Midgard, a gloriosa cidade de Glast Heim. Mesmo tendo sua sentença decretada, você fugiu, agravando ainda mais o seu crime. Por essas razões, a ordem dos Carrascos-Andarilhos o condena à morte pela espada Executora. - Não, por favor, não, eu me arrependo, eu juro! Executora rasgou o ar com um sibilo de morte e o som de algo caindo preencheu o aposento. A execução correu sem problemas, porém o jovem não parecia muito satisfeito. Aquele discurso que sempre tinha de proferir antes de executar alguém o incomodava. Tempo perdido, apenas dava ao condenado o tempo que ele precisava para tramar alguma coisa e fugir. Além do mais, exigia muita frieza, afinal, os agentes da lei e da ordem devem estar alheios às emoções mundanas, nas palavras de seu mestre. Sempre foi assim. Desde que Thanatos entrou para os Raydric, passou a matar com o consentimento da coroa. Começou com condenados menores, inexperientes, incapazes de oferecer muita resistência em sua pena. Conforme os meses se passaram, os condenados foram ficando mais poderosos e, com isso, o carrasco se aprimorou. Em dois anos já caçava os mais perigosos condenados, dessa vez um grande assassino que conseguiu fugir do calabouço da fortaleza de Glast Heim. Caminhava apressado pelo saguão da cavalaria, portando uma sacola de couro. Todos observavam Thanatos com algum receio, assim como qualquer carrasco-andarilho que passava. Dirigiu-se diretamente até a sala do capitão, entrando ruidosamente. Aproximou-se e colocou a sacola na mesa, sob o olhar despreocupado do oficial. - Execução concluída, mestre. - Deixe-me ver então – disse enquanto pegava o condenado pelos cabelos – Infalível como sempre. Parabéns. - Obrigado – disse com um sorriso infantil – O senhor me ensinou tudo o que sei, então acho que os parabéns não são cabíveis a mim. - He he he, pois bem. Infelizmente você tem mais uma missão. Mas dessa vez será diferente. Thanatos olhou curioso para o homem. Diferente? O que poderia ser diferente na vida de um carrasco-andarilho? Sua função era ir até o condenado e executá-lo, apenas isso. Não havia como ser diferente. A menos que sua alçada fosse ampliada ainda mais. Continuou atento às palavras do capitão, ansioso pela novidade que teria. - Estamos com um caso muito difícil e nem a unidade de captura está conseguindo resultados. Então, em conselho, decidimos agir também para auxiliá-los. Então eu vou mandar você para que sirva de juiz, além de carrasco. - Juiz? Mas por que juiz, senhor? - Você até hoje está apenas repetindo as sentenças que eu lhe encaminho. Assim você nunca irá progredir e me substituir. Você deve saber por que está executando, não apenas executar. Thanatos meneou positivamente a cabeça e continuou olhando. Ia ser juiz, pela primeira vez ia ter o direito de dizer que alguém era inocente ou culpado. Tanto poder em suas mãos o assustava, mas a vontade de experimentar essa nova sensação era maior que o medo que sentia. Seus punhos tremiam de excitação, animado por expandir seus horizontes. - E o que devo fazer? - Caçar um assassino serial. A Leste daqui tem um vilarejo onde pessoas estão sendo assassinadas e seus corpos usados em rituais que não são compreendidos. Até agora foram encontradas treze vítimas, e todas com um número entalhado no corpo: 01121, 02121 e assim até o 13121. Ainda não houve evidência alguma de quem seja o culpado e ninguém está conseguindo as pistas necessárias. Quero que você descubra e tome as devidas providências. As leis estão na biblioteca, sugiro levar uma cópia consigo. - Sim senhor. Irei imediatamente após retirar as leis. Qual o nome do vilarejo? - Prontera, uma vila relativamente pequena. Fez uma mesura e deu as costas ao capitão. Caminhou ansioso até a biblioteca, localizada na parte nobre do castelo. Assim que chegou, o bibliotecário já o aguardava, com um grosso tomo sobre as leis de Rune Midgard, cada uma delas. Ao fundo, escribas registravam novas cópias de outros tomos cujo conhecimento poderia ser compartilhado. Thanatos sorriu e manteve o tomo embaixo de seu braço, dirigindo-se a sua montaria. - Vamos lá, Hypnos. Hoje teremos uma longa cavalgada. Duas noites de movimento incessante, apenas interrompido pelo sono. Estava ansioso demais para sentir fome ou sede, atiçando seu cavalo até os limites de sua força. Era a manhã do terceiro dia quando avistou as pequenas casas formando uma vila quadrangular. Um pequeno e sádico sorriso formou-se na metade dos lábios do jovem. Sua missão estava para começar a qualquer momento. Briga! Confusão! Na praça central dois homens estavam cercados por uma pequena multidão que gritava furiosa. Um era grande e cambaleava, enquanto o outro tinha um físico atlético, estatura média e parecia muito concentrado no que fazia. Avançou sobre o bêbado e seu soco atingiu o ombro dele, fazendo-o girar e acertar as costas do pequeno com força suficiente para arremessá-lo ao chão como um saco de batatas. Ria à toa enquanto cambaleava, ainda carregando um jarro que fedia a cerveja. Não houve tempo para o pequeno levantar-se, pois, assim que sua cabeça subiu, a mão pesada e grande do rapaz desceu pesadamente. Não se levantou mais, deixando um misto de saliva e sangue escorrer-lhe pela boca. - Há há há! I izo é bra votziê num dendar mais fugir de... Já era de noite. Um impulso forte interrompeu o vitorioso, fazendo-o cair de joelhos e manchar o chão com seu vômito. Sobre o cavalo, a figura do Raydric observava tudo já há algum tempo. Viu o beberrão retornar à taverna e a idéia de perguntar por informações lá brilhou no mesmo instante. Assim que entrou, a visão de desconfiança caiu sobre os ombros dele. Avançou até o taverneiro e, tão logo fez a menção de falar, foi interrompido por ele. - Antes de qualquer coisa, rapazinho, não gostamos de gente enxerida. Peça e vá embora. - Eu estou aqui em nome da capital, senhor. Então é melhor colaborar. - E se eu não quiser, pivete? Disse enquanto punha o copo no balcão e o olhava com raiva. Mudou a expressão para pânico tão logo o garoto pegou seu avental e o puxou por cima do balcão com um braço musculoso apenas. Aproximou o rosto do dele com os olhos brilhando e um sorriso no rosto. - Obstrução de justiça é crime, meu senhor. E eu sou um juiz de Glast Heim. - T-tudo bem! Não me machuque, por favor! - Hei, moleque – gritou um rapaz do outro lado da taverna – você ta ameaçando o Budor. Isso é o mesmo que desafiar a gente aqui. Thanatos olhou para o lado, ainda sorrindo, e soltou o taverneiro, deixando-o tombar sobre o balcão. Virou-se em direção ao rapaz e deu uma leve risada, enquanto apontava e contava quantos estavam preparados para a briga. Furioso, o outro quebrou a garrafa na mesa e bradou. - Ta caçoando de mim, pirralho?! - Não, eu estava contando quantas covas deverão ser abertas... - Covas?! Eu vou te mostrar quem é Aileron, o melhor guerreiro dessas bandas! Peguem ele! Toda a taverna levantou-se e correram tropeçando uns sobre os outros na direção. Logo, o brutamonte da briga de ainda há pouco se levantou e correu em direção ao carrasco, ficando costa-a-costa com ele, também rindo de mais uma briga que iria ter. Que noite magnífica ia ser aquela, bebendo e brigando! - Zeu vô ajudar votziê, pivete! - É Thanatos. Cuidado pra não se machucar, hein! Riu o jovem. - I zeu sou Adrior Misos. No dia seguinte, Adrior despertou lentamente, sequer sabendo onde estava ou quem era. Sua cabeça latejava e o mundo girava. Sentou-se com muito esforço, vendo que seu torso marcado por inúmeras cicatrizes de brigas anteriores estava enfaixado. Agitou a cabeça tentando expulsar aquela sensação nauseante e viu um rapaz musculoso, de cabeleira rebelde e azul, porém menor que ele. Murmurou algo para si mesmo enquanto passava a mão na própria cabeça. - Acordou finalmente – sorriu Thanatos. - Eu exagerei na bebida ontem, não é? - Pode apostar. Mas me ajudou contra aqueles bêbados da taverna então eu creio que cuidar de você seria o mínimo que eu poderia fazer. - Ah sim, agora me lembro. He he, foi uma briga e tanto ontem à noite, não? - Pode apostar que sim. Pena que eram tão fracos. Não valia a pena matar ninguém, então só ensinei um pouco de humildade àquele Aileron. - Ah sim, o folgado. Fez bem. - Mudando de assunto, eu estou em missão aqui para investigar uns assassinatos. Você sabe de alguma coisa sobre pessoas com números entalhados no corpo? - Pode apostar que eu sei. Eu que vi o primeiro. Era meu irmão de criação e eu jurei que vou pegar o maldito de qualquer jeito. - Então você irá agir comigo sob as ordens dos Raydric... - Pelos Raydric, pelos elfos de Geffenia, pela mãe do taverneiro ou por quem quer que seja. Só quero pegar o canalha que matou meu irmãozinho. Arrumaram-se e desceram. Era inverno e uma neblina densa tornava borrada a visão das casas e das pessoas. Vultos marchando em diversas direções, ocupados com seus afazeres obscurecidos. Começaram a andar lentamente até o lugar onde o último corpo fora encontrado. Estava em sua casa, sentando em sua cadeira de balanço, com alguns homens com longas vestes negras com detalhes dourados, marca dos servos de Odin, observando o local com calma e paciência. Um deles, já com alguma idade, cabelos brancos e barba bem feita, aproximou-se de Thanatos correndo. - Ah, o juiz chegou. Que bom que veio, meu jovem. - Sacerdote, o que fazem? - Estamos reavaliando o corpo e as condições da morte. Por isso ele está conservado. Queira, por favor, vê-lo. E meu nome, meu rapaz, é Saraiva. Começou a caminhar. O odor férreo que ocupava o aposento ainda estava forte. Foi seguido pelos dois até o assassinado. Em sua testa, sangue ungia o número 13121, entalhado a cortes rápidos e únicos faiscaram na mente do jovem carrasco que observava a posição. Parecia preso, os olhos virados para cima e a face de dor ainda transparecendo pelo rosto. Adrior ainda sentia a cabeça latejando da noite anterior, mas também começou a reparar em pequenas marcas estranhas nas paredes, praticamente apagadas. - Ai minha cabeça. Sacerdote, e estas marcas? - Ah sim, estudamos essas marcas com cuidado e estamos achando que é para invocar um demônio que não está registrado nos tomos de Glast Heim. Acreditamos primeiro que fosse aquele Bafomé, mas os rituais que são necessários não envolvem tantos sacrifícios e toda essa numeração. - Entendo – continuou Thanatos – então a teoria que temos é de que essas vítimas estão sendo sacrificadas para trazer alguém do mundo das trevas? E, pelo visto, o ritual é muito complicado. Será que estão tentando trazer o senhor do mundo das trevas pessoalmente? - Não duvidaria. Só de ver isso tudo já to com nó na cabeça... - Sacerdote, repare numa coisa. Não há sinais de luta aqui. - Meu caro juiz, não subestime a visão deste velho.* Continuaram observando o local. Adrior saiu do local para beber água e Thanatos começou a anotar coisas num livro para prestar relatório. Ao redigir os números, uma fagulha em sua cabeça. Seu número um era feito com apenas um risco, assim com a barra que separava alguns registros. Aproximou-se da vítima, observando atentamente. O segundo um estava ligeiramente inclinado para a direita. - Sacerdote, as outras vítimas foram enterradas? - Não. Estão na capelinha da cidade. Por que, juiz? Saiu correndo sem dar explicações. Derrubou uma ou duas pessoas no caminho, com a mente em apenas uma coisa: os números. Quase derrubou a porta, bradando para todos os sacerdotes e noviços presentes. - Eu sou Thanatos, juiz e carrasco de Glast Heim, e preciso urgentemente ver os corpos das outras vítimas. - Calma, rapaz, venha comigo. Thanatos tremeu ao ver o homem que estava na choupana recebê-lo. Como ele fizera aquilo? Não era hora para aquele questionamento tolo. Precisava focar-se no que queria. Caminharam apressados por um local de pedras brancas e placas negras com letras prateadas. Viraram uma esquina e logo chegaram a um salão onde havia 12 corpos em uma mesa cada. Descobriram o primeiro. Seu corpo enegrecido pelas chamas que o consumiram ainda ostentava o número entalhado em seu peito: 09121. Apesar da coloração do cadáver, o número era estranhamente evidente, como se saltasse à mente de quem olhava. - O primeiro 1 está torto, santidade... - Talhar números num corpo deve ser bem difícil, não? - Não se você é um guerreiro. E se fosse uma contagem? Não o número 09121, mas sim a contagem 09/21, nove de vinte e um? E se ele tivesse uma cota a matar? - Nunca ouvi falar nessa contagem num ritual, por mais macabro que fosse... Um calafrio correu a espinha de todos os presentes enquanto uma jovem adentrava aos berros na capelinha. Seus cabelos ruivos estavam manchados de rubro, bem como suas vestes rotas. Seu cabelo ainda estava bagunçado, caindo-lhe sobre o rosto e seus pés deixavam pegadas de um misto de terra e sangue. Dois noviços, de vestes bege e longas, apararam-na, estendendo suas mãos sobre ela enquanto uma luz verde a envolvia, fechando os ferimentos que sangravam mais. - Socorro! Por favor! Ele me encontrou! Ele me encontrou!!! O juiz e o sacerdote correram apressados ao ouvirem essas palavras. Thanatos puxou Byeldorg enquanto Saraiva já tinha aberto sua bíblia, invocando a benção de Odin sobre o colega. Logo que a viram sozinha, reduziram o ritmo e guardaram suas armas. Aproximaram-se rapidamente dos noviços, que se ergueram de pronto. - Sua santidade, meritíssimo, vocês precisam ver isso com certa urgência. Reparem nas costas dela. Thanatos andou em volta da garota enquanto os outros a acolhiam e distraiam do ocorrido. Algo saltava através dos cabelos dela e logo foi possível identificar. Um número de cinco dígitos. 14121 ou 14/21. Os noviços levaram-na para outra sala. Logo, somente os dois, Thanatos e Saraiva ocupavam aquele lugar. - Ela escapou santidade – começou Thanatos –. Não sei como, mas escapou. Suas preces foram finalmente atendidas. E, ainda bem, é a vítima de número quatorze. - Odin e Tyr sejam louvados. Agora sim temos uma luz. Tão logo ela se acalme iremos conversar com ela. Dois dias passaram. Um dia inteiro para controlar os pesadelos com as bênçãos dos próprios sacerdotes e noviços juntos, outro dia para afastá-la do trauma psicológico usando as maiores magias que conheciam. Na metade do terceiro dia, Saraiva foi visitar Thanatos e Adrior. - Senhores, ela já está pronta. - Ufa, finalmente. O que esse cara fez com ela? Magia negra? Thanatos deu um tabefe na nuca de Adrior, fazendo-o entender que deveria respeitar o sacerdote que lá estava. Levantaram-se e foram com alguma pressa ao local onde a jovem estava. As brumas mais densas do que o normal encobriam os movimentos de todos naquele lugar, bem como boa parte do caminho. Ao adentrar no local, viram a moça sentada, um sorriso largo e os olhos bem abertos, com vestes novas, cabelo preso numa longa trança e a cabeça pendendo abruptamente para a esquerda repetidas vezes. - B-bom diiia! Eu queria fa-falar com vocês hojeee. É muito impoooortante. O tom de voz da jovem estava variando do estridente ao grave e de volta ao estridente em um ritmo de réquiem. Saraiva adiantou-se, segurando as mãos da garota e entoando um cântico em um idioma estranho aos dois ali presentes. Palavras como “insaecula”, “sicut” entre outras povoavam o repertório daquele sacerdote. Adrior e Thanatos olharam-se sem entender. - Vai demorar muito, Saraiva? Impacientou-se Adrior - Adrior, ele sabe o que faz, embora não devesse demorar – continuou o outro. - ...et nunc, et semper, et insaecula, amém! Pronto – concluiu Saraiva enquanto se levantava – agora ela falará com mais calma e com menos insanidade. O rosto da jovem ainda mantinha a fisionomia de quando chegaram e o juiz começou a desconfiar. Aproximou-se da jovem e sentou-se no banco em que Saraiva estava, olhando-a. Adrior parou atrás da jovem, a ansiedade fazendo-lhe tremer o punho. Quando Thanatos abriu a boca, o outro falou, aliviando sua inquietude. - Quem foi o desgraçado que fez isso com você? - Era um rapaz de tez branca – falava tranquilamente para o espanto de todos –, cabelos negros como a noite, de média estatura, nariz reto e olhos cor-de-mel. Ele parecia ser um dos funcionários da estrebaria. Adrior e Saraiva se entreolharam. Conheciam os funcionários da estrebaria, e a descrição batia com dois funcionários. Para piorar, eram gêmeos idênticos, poupados pelo conselho por uma visão justamente de Saraiva. - Como você escapou? – Thanatos perguntou. - Ele estava preparando um ritual estranho e falando com um senhor que não consegui identificar. Eu comecei a me debater e fingir que estava sendo possuída por um demônio e, quando ele me soltou para tentar expulsar o monstro de mim, eu o atingi bem onde dói e corri. Adrior segurou uma gargalhada com todas as forças. - E você viu mais alguma coisa que possa identificá-lo, criança? Essa sua descrição é a dos gêmeos Ivan. - Eu vi as costas dele e ele tinha uma tatuagem de um círculo com muitas runas escritas. - Hei padre – Adrior puxou Saraiva para perto – eu não sabia que os gêmeos tinham uma tatuagem pra diferenciar um ao outro. - Nem eu, jovem Adrior, nem eu. - Então temos algo em cima do que procurar – interrompeu o juiz – vamos antes que eles resolvam fugir. Obrigado, moça. Qual seu nome, para constar no relatório? - Eileen Softhands. Adrior puxou Thanatos com força, disparando em direção à estrebaria. Saraiva ficou para terminar o tratamento da jovem, deixando os dois lidarem com aquilo. Já os viu lutando, sabia que, mesmo ante qualquer perigo, se virariam tempo suficiente. Pelo menos era o que esperava que ocorresse. Na estrebaria, um jovem de tez branca, cabelos negros como a noite, de média estatura, nariz reto e olhos cor-de-mel saia mancando do local, o rosto manchado de vermelho, conseqüência dos golpes que levara, a roupa levemente rasgada no peito e segurando um braço ferido. Assim que viu o gigante e o juiz aproximarem-se, correu o máximo que podia na direção deles. - Por favor, chamem as autoridades! Eu achei o assassino! - E onde ele está? – Falou Thanatos com pressa. - Dentro da estrebaria. Ele estava tentando me usar como próxima vítima. Meu próprio irmão! Vejam! – Mostrou os números 15/21 entalhados a faca em seu braço. - Walter, valeu aí pela ajuda, cara! – animou-se Adrior. Adrior disparou na frente de todos enquanto Thanatos orientava o rapaz a procurar a capela em busca de ajuda. Assim que entraram no curral, viram o gêmeo de Walter deitado no chão, uma poça de sangue vertendo de sua boca e o dorso desnudo, com um círculo bem desenhado e com as mais variadas runas difíceis de traduzir. Era algo completamente novo. Nem em seu estudo intenso sobre magia Thanatos conseguia traduzir aquilo. - Thanatos, tem algo errado aqui. Eu conheço o Sull, ele não seria capaz disso. Ele morre de medo de sangue. - Adrior, em minha vida de carrasco eu executei pessoas que não pareciam ser capazes de atrocidades. Pode ser que ele estivesse enganando você o tempo todo. - É, pode ser que você esteja certo. Mas ainda assim eu to estanhando algo aqui. Ergueram o rapaz e o levaram até a capela, onde Saraiva cuidava de Walter. Olhou os rapazes com um sorriso de satisfação no rosto. Interrompeu suas preces no ato, dirigindo-se a eles e quase tropeçando na batina, de tanta pressa. Havia meses que esse pesadelo havia começado e, agora, era hora do fim dele. - Senhores, conseguiram, não é? Walter me contou a história toda. Esse rapaz é um herói! Lutar contra o próprio irmão dessa forma.. - Oh padreco – interrompeu Adrior – eu ainda to achando algo estranho... - Adrior! Mais respeito com o Saraiva! – Thanatos interrompeu. - Bom, creio que agora só poderemos assistir ao julgamento do Sull, meu jovem Adrior. - Tá bom, tá bom... - O julgamento será realizado amanhã. Embora, senhores, flagra seja motivo para punição direta. Naquele dia, a cidade festejou. Nunca, em toda sua curta existência, Prontera passara por uma crise daquele calibre. Os sacerdotes diziam ser uma provação divina e que, graças à superação dela, Prontera irá viver. Diziam outros que era a premonição de que a cidade um dia será grande, embora esses sejam apenas considerados loucos ou presunçosos. Ainda assim, havia muita cantoria, dança, bebida e tudo o que faria Adrior sorrir por duas noites inteiras. Thanatos, no entanto, não estava festejando. Em seu quarto iluminado pobremente a velas, estudava as leis que lhe foram cedidas pela biblioteca. Artigos, parágrafos, súmulas, tudo naquele julgamento deveria ser perfeito. O artigo 121 das penalidades era a grande base, junto com tantos outros números que faziam a cabeça de Thanatos girar. No dia seguinte, o prisioneiro Sull Ivan estava preso pelos punhos e pela cabeça numa placa de madeira moldada para os que esperam seu castigo no pequeno vilarejo de Prontera. A imagem imponente do juiz, escoltado por Adrior e Saraiva, surgia pela neblina que se desfazia enquanto o sol ficava a pino. Prepararam a capa para que Thanatos usasse e deram-lhe a executora como uma execução formal efetuada na capital. A multidão bradava ofensas e arremessava frutas no prisioneiro até o juiz erguer Byeldorg acima de sua cabeça. No instante, a multidão silenciou e ficaram apenas assistindo ao espetáculo sanguinolento que estava por vir. Só após o total silêncio que a audiência começou. - Sull Ivan. Você é acusado de homicídio qualificado por tortura e acusado de praticar demonologia sem consentimento da capital Glast Heim, com o agravante de ter fins lesivos à população. Qual a sua defesa? - Não fui eu meritíssimo, por favor, acredite, o meu irmão. Por Odin, tem que acreditar, nunca fiz nada contra as leis, sempre fui um cidadão modelo, por favor acredite!! Eu sou inocente! Foi meu irmão gêmeo!! - As provas contra você são as marcas do número 15121 no braço de seu irmão gêmeo e a descrição de sua fisionomia e tatuagem nas costas coincidirem com a da senhorita Eileen Softhands... - Anda logo com isso, Thanatos! – Bradou Adrior furioso por ter de esperar a vingança de seu amigo – Essa lengalenga tá irritando! - Criança, as formalidades são necessárias para o aprendizado do nosso jovem juiz. – Respondeu Saraiva em tom repreendedor. - Você foi pego em flagrante e, de acordo com as leis de Rune Midgard, a punição para tais crimes é somente, e tão somente, execução por decapitação. Alguma última palavra? - Eu não fiz nada – disse choroso – acredite em mim, por favor! Removeu a capa, demonstrando a todos a executora. A espada de lâmina negra brilhava ante o Sol que emergia das nuvens que sombreavam Prontera. Puxou-a e posicionou-se lateralmente ao condenado. Nem mesmo as lágrimas foram capazes de poupar sua vida. Executora bradou faminta um sibilo de morte logo antes de refestelar-se do sangue que passou a verter de onde estava a cabeça de Sull. - Que Odin tenha piedade de sua alma. Agora, Saraiva, eu vou precisar dessa tatuagem dele. Consegue prepará-la para mim até amanhã? - Sim, meritíssimo. Adrior bradou em conjunto com a população. Finalmente a punição pro desgraçado que matou a pessoa que ele tanto gostava. Thanatos sorriu satisfeito. Sua sede por vida mais uma vez saciada, a sensação de poder sobre a vida e morte tão gostosa que o fez procurar tantos combates no passado. Mesmo depois de anos de treino, essa besta sanguinária ainda jazia no magistrado. E satisfazê-la, mesmo inconscientemente, era muito agradável. Foram três dias de festa. Walter deixou a vila no dia seguinte, alegando não conseguir mais ficar naquele lugar. Adrior não ficou sóbrio um momento sequer, arrumando, pelo menos, três brigas por dia, cabendo a Thanatos separá-las. Apesar de tantas encrencas, acabaram tornando-se amigos. Adrior decidiu que também ia ser dos Raydric se Thanatos o indicasse. Um emprego seria bom para pagar a bebida de vez em quando. Saraiva cuidava das vítimas de Adrior e de outros que se feriam, além de coordenar as festividades. Somente ao início do quarto dia, Thanatos começou sua jornada de volta com o amigo. A impaciência da vinda era, agora, orgulho. Havia resolvido rapidamente um caso que seu mestre julgara difícil. Deu a Hypnos seus merecidos descansos enquanto conversava frivolidades como combates, lembranças e histórias pessoais com Adrior. Foram cinco dias de viagem e logo entrou em Glast Heim com o orgulho da realeza, trajando o traje dos Raydric com orgulho. Cavalgaram lentamente até o palácio, dirigindo-se à cavalaria apressadamente. Assim que adentraram o escritório do mestre de Thanatos, foram recebidos por duas pessoas. - Thanatos – começou o mestre, sério – venha aqui. Thanatos e Adrior entraram com certo receio. O olhar do oficial não era satisfatório, tornando o ambiente mais escuro. Fez um sinal para o outro sair enquanto olhava os dois severamente. Agora eram Thanatos, Adrior e o Raydric. - Estou muito desapontado com você... - Por quê? – Adrior assumiu a dianteira – Ele resolveu o caso em um tempo muito curto, mais rápido que os outros de vocês! - E o seu nome é? - Adrior Misos - Pois bem, Adrior, deixe-me ver essas sacolas que vocês trouxeram. Thanatos observava completamente confuso para o mestre. Falhou? Mas como? Ele havia trazido o verdadeiro culpado a julgamento, o executou e tudo de acordo com os rituais e leis de Glast Heim. Puxou a cabeça de Sull para fora do saco, mostrando-a ao seu mestre, numa tentativa de se explicar. - Thanatos, me dê a pele das costas dele. - C-como você sabe, senhor? – Disse enquanto depositava o outro saco na mesa. - Simples: dessa forma. Puxou um baú e colocou sobre a mesa, ao abri-lo, mostrou a cabeça e a pele das costas de Walter, ambas recém tiradas. Adrior recuou assustado. Mataram o gêmeo errado? Não poderia ser, ele tinha o número talhado no braço! O oficial colocou a pele de Sull sobre a mesa e derramou o sangue de Walter sobre a tatuagem. Os olhos dos dois jovens se arregalaram quando a tatuagem começou a borrar. - Eu terei de levar o fato a conselho, jovenzinho. Levantou-se olhando duramente aos dois enquanto deixava o aposento. Fez um sinal para que o esperassem naquela sala. Meia hora, uma hora, uma hora e meia e nenhuma notícia. O ar ia ficando cada vez mais irrespirável, pesado. Adrior estalava os punhos e não se atrevia a dizer uma só palavra, vendo o estado de compenetração de Thanatos. A porta abriu. Ambos viraram rapidamente, assustados com o ruído forte da tranca. Era um Ryadric de baixa patente, notável pelo ornamento menor em seu capacete. Observou os dois e sentiu-se intimidado. Eram maiores do que ele, tanto o brutamontes quanto o carrasco. Hesitou um pouco e só então começou. - O conselho já está preparado. Acompanhem-me. Levantaram-se e Thanatos observou Adrior. Era claro que estava assustado, alguma coisa estava incomodando-o demais. Adrior também sentia-se assim, mas escondeu com um tapa forte nas costas de Thanatos e um sorriso amarelado no rosto. Caminharam por alguns corredores até outra sala, essa com uma mesa redonda ao centro, os capitães de um lado, o general ao centro deles e, à direita dele, seu mestre. - Sentem-se, meus jovens – começou o alto oficial. Puxaram as cadeiras e se recostaram nelas. Os olhares dos oficiais mutilavam Thanatos. Escárnio, ódio, inveja, todos pareciam olhá-lo assim. Por um instante as lembranças de sua infância começaram a permear-lhe os pensamentos até que um dos capitães começou. - Thanatos, você tem alguma noção do que você fez? Executou um inocente sem ao menos averiguar a veracidade da culpa dele! - Mas o irmão dele tinha o número... - Cale-se! – Interrompeu o capitão – Você chegou a pensar em olhar as costas dele também? Sequer passou pela sua cabeça que poderia ser uma farsa? - Nunca devíamos ter deixado um pirralho como você praticar um ato tão complexo quanto um julgamento. Você envergonha a guarda imperial, moleque. - Além disso – começou outro capitão –, você violou alguns preceitos do ritual de julgamento. Está claro no artigo 127 das leis de Rune Midgard que assassinatos hediondos ou sacrifícios rituais para invocações de demônios deveriam ser julgados com um júri popular presente e na presença de um oficial graduado como tenente ou mais. - Ele deve ter tido medo de que a farsa dele fosse revelada. Ele também deve ser um servo desse tal demônio que o tal do Walter Ivan queria invocar! Por que não nos mostra essa tatuagem nas costas, hein? - ... – O mestre permanecia em silêncio, apenas olhando. Thanatos engolia seco, seu orgulho caindo aos pedaços e a raiva nublando qualquer pensamento de ação naquele momento. - Ora seu... – levantou-se Adrior, dando um murro na mesa – Vem cá que eu te mostro o que é uma verdadeira tatuagem roxa nesses dois olhos! - Basta vocês dois. – Interrompeu o general – Você não tem provas e nem motivos para suspeitar de nosso inexperiente pretenso juiz. Thanatos, as leis são bem claras. O conselho votou a 4 votos contra 1 que você deverá ser expulso da ordem e preso por quatro anos nos calabouços do castelo. E o outro irá com você como cúmplice. Alguma coisa a dizer? - ... – Thanatos retornou ao estado infantil, tamanho era seu medo, sua raiva, sua angústia, tudo misturado. O general tocou uma sineta e logo seis soldados, quatro guerreiros e dois arqueiros, adentraram o recinto. Tocaram os ombros dos dois e Adrior socou um deles com tanta força que o fez desmaiar com o capacete bem afundado. De imediato, todos se levantaram e sacaram suas armas. Thanatos permanecia sentado, sem conseguir pensar em absolutamente em nada. Adrior foi rapidamente dominado por algumas flechadas em suas costelas e golpes dos oficiais. Foram levados até as celas, onde Adrior recebeu um jarro de um líquido branco e as instruções para tratar os próprios ferimentos. Thanatos permanecia passivo, sentando-se no chão tão logo entrou na cela. Os dias passaram e o ódio de Adrior e Thanatos apenas crescia. Se ao menos tivessem uma chance de escapar, provariam àqueles idiotas que não eram jovens impetuosos e tolos. O tempo na cadeia apenas fortaleceu o laço de amizade entre os dois. Conversaram frivolidades e planejavam fugas que jamais conseguiriam fazer. Tudo perfeito no papel, mas inviável na prática. Meia noite. Clique. O ranger do portão despertou os dois que assumiram postura defensiva imediatamente. Era o mestre de Thanatos, um dos cinco oficiais que estavam na condenação. Adrior, sedento por uma boa briga, avançou como um touro enlouquecido, o punho erguido em direção ao capitão. - Sua carne endurecerá, sua pele se enrijecerá e seu sangue tornar-se-há areia! Petrificar !! Adrior foi imediatamente transformado em uma estátua ao mero toque das mãos dele. Thanatos o olhava, sentindo-se traído. - O que quer aqui, mestre? – Disse rangendo os dentes. - Quatro contra um na sua condenação, Thanatos. Eu votei pela sua inocência. Não foi justo eles julgarem você como um juiz quando, na verdade, o responsável por esse erro sou eu. Eu vim te dar uma chance. Você e esse cérebro de cascalho irão fugir de Glast Heim e eu acobertarei sua fuga. Jogou dois cadáveres na cela. - Agora corram até a estrebaria e peguem seus cavalos antes que o cheiro de carne queimada e meus gritos atraiam mais gente. Thanatos socou a estátua de Adrior, rompendo o invólucro de pedra. Nada disse, pois sabia que, mesmo petrificado, ele ouvia tudo. Começaram a correr enquanto um imenso calor tomou o corredor, carbonizando completamente os dois cadáveres.* Logo antes do cheiro começar, Thanatos já havia chegado e retirado Hypnos. Junto dele, havia uma grande sacola pesada, cujo chacoalhar parecia metal. O alvoroço causado pelo incidente permitiu que os dois amigos conseguissem fugir daquele lugar. Cavalgaram rapidamente e logo saíram pelos portões principais da cidade, rumo à liberdade. Sem mestres, sem oficiais, sem ninguém para ditar o que fazer. OFF
  12. "Pode restaurar sim. Se você puder fazer isso, eu agradeço, te cedo o material e as artes, que você credita pra mim, Niori, Leon e Eliza, citando nossos Facebooks." Assinado: Rafa. Já estou falando com ele sobre pegar o conteúdo dele e postar aqui, mas ele efetivamente já deu o OK, contanto que os envolvidos sejam devidamente creditados (E serão) e seus Facebooks linkados no tópico.
  13. Na verdade foi por causa de outra coisa, mas sim, ele alterou o material dele em resposta. Já perguntei pra ele, eu estou esperando resposta.
  14. Ah sim, Kaeus, eu notei que a versão que você tem da fic é de antes de umas coisas que fizeram o Rafa editar o material. Tipo, tu desenterrou MESMO.
  15. Em um vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=2SQNNLe6WPA
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